​Inflação: um falso alarme
22-02-2021 - 06:19

Na semana passada, os preços deram sinais de subida na Europa comunitária e nos EUA. Subiu, nomeadamente, o preço do petróleo. Logo se levantou um alarido: vem aí a inflação. Mas foi um falso alarme.

Temos vivido de recessão em recessão. Foi a crise desencadeada nos EUA em 2007, com o crédito à habitação concedido de forma irresponsável, crise depois transmitida à economia mundial; a partir de 2009 tivemos a crise das dívidas soberanas, que trouxe a “troika” a Portugal; agora é a crise económica e social motivada pela pandemia.

Mas o combate à recessão tem evoluído. Os EUA tiveram um papel de liderança ao gastarem muitos milhões de dinheiro do Estado para salvar a economia há dez anos; e também com o seu banco central, a Reserva Federal (FED), a avançar com medidas menos ortodoxas, como a compra de títulos de dívida no mercado. Na zona euro foi com uma política desse tipo (que ainda prossegue) que Draghi e o BCE salvaram o euro. Agora, a UE aprovou um programa de grande dimensão de ajudas a fundo perdido e de empréstimos. Programa financiado pela Comissão Europeia através da emissão de dívida nos mercados – uma bem vinda novidade. E o programa de J. Biden prevê a entrega à maioria dos americanos de um cheque de 1 400 dólares por pessoa, que será rapidamente gasto.

Essas políticas orçamentais e monetárias não convencionais são hoje geralmente bem aceites. Mas há quem não as aprecie e agite o fantasma da inflação como uma consequência inevitável desse alegado laxismo. Na semana passada tivemos um exemplo de que o fantasma não desapareceu.

Na zona euro os preços subiram mais em janeiro do que nos cinco anos anteriores. O barril de petróleo “Brent”, que há pouco mais de um ano estava a 20 dólares, ultrapassou os 60 na semana passada. Outras matérias-primas, como o lítio, o cobre e o cobalto, subiram também de preço. E os programas dos EUA e da UE para combate à pandemia e à crise económica e social dela derivada provocaram receios de que a inflação estivesse ao virar da esquina.

Parece, porém, ter sido um falso alarme. Há factores circunstanciais na subida do preço do petróleo. A Arábia Saudita cortou de novo a sua produção. E na América também baixou a produção de petróleo extraído do xisto (“fracking”); em janeiro a produção desse petróleo ficou 13% abaixo da registada há um ano. No Texas alguns dias de frio extremo e depois uma forte tempestade refletiram-se no encarecimento do petróleo. Subiram também os preços no transporte em contentores. Etc.

As empresas produtoras de petróleo enfrentam um dilema que não é meramente circunstancial: se a transição para a economia verde se concretizar em grau significativo é duvidoso que se empenhem em caros investimentos na pesquisa e exploração de petróleo. Daí uma quebra, que não é apenas pontual mas se irá acentuar, na oferta de petróleo bruto (“crude”) no mercado. E a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) reviu em baixa a sua previsão da procura de petróleo no mercado em 2021.

Entretanto, a Reserva Federal fez saber que o maior risco para a economia americana não é uma inflação alta, mas uma inflação demasiado baixa; o objectivo da FED é ultrapassar os 2% na subida de preços. Algo parecido se passa na Europa comunitária. É que o perigo de deflação – descida sustentada dos preços – é bem maior do que o de uma eventual alta da inflação.

Por fim, os preços em Portugal, em média, não subiram em 2020. O que é um sinal de fraqueza da nossa economia.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus