Metaverso: moda passageira ou o futuro da internet?
04-11-2022 - 11:38
 • Inês Rocha

A Web Summit deste ano debruça-se detalhadamente sobre as novas realidades virtuais em que as grandes tecnológicas estão a colocar todas as fichas. Mais de 30 painéis depois, será o metaverso mais uma “buzzword” ou uma revolução na internet?

“Metaverso”. Esta é a palavra do momento na Web Summit. Em qualquer dos palcos espalhados pelos cinco pavilhões da Feira Internacional de Lisboa (FIL) ou no palco central, ouve-se esta palavra repetidamente. No programa, há mais de 30 conferências à volta do tema.

Um ano depois de o Facebook virar Meta, e de ter perdido 730 mil milhões de dólares em valor de mercado no processo, o setor tecnológico está de olhos postos no tema da moda.

Mas será o metaverso realmente o futuro de como navegamos a internet? Ou é apenas mais uma moda passageira, uma “buzzword” (palavra que causa alarido durante um período de tempo) cujo significado poucos compreendem?


Os números mostram que a adoção do metaverso a nível social está longe de ser uma realidade a nível mundial. Até as plataformas mais famosas têm dificuldade em angariar utilizadores.

A Meta esperava que a Horizon Worlds, a sua plataforma no metaverso, angariasse meio milhão de utilizadores até ao final deste ano, mas já foi forçada a ajustar as expectativas para apenas 280 mil. Segundo documentos obtidos pelo "Washington Post", atualmente terá cerca de 200 mil utilizadores ativos mensalmente.

Se olharmos para as outras duas maiores plataformas da área, a Decentraland e a Sandbox, ambas avaliadas em cerca de 1,3 mil milhões de dólares, os números também não parecem entusiasmantes.

Um artigo do Coindesk, este mês, descreveu o metaverso como uma "cidade fantasma", citando dados do DappRadar, uma ferramenta que dá informações sobre métricas de aplicações descentralizadas.

Segundo esta aplicação, os utilizadores que efetivamente fazem compras na Sandbox diariamente não ultrapassam os 800. No entanto, a empresa diz que não é necessário fazer compras para ser um utilizador ativo, e garante ter cerca de 201 mil utilizadores ativos na plataforma por mês.

Também a Decentraland refutou os dados do Dapp Raddar, que indicavam que tinha apenas 38 utilizadores a fazer compras diariamente. A empresa diz que em setembro terá tido 56 mil pessoas a entrar na plataforma.

Quem passeia entre os pavilhões da Web Summit, dificilmente adivinha estes números. Neste microcosmos tecnológico, o entusiasmo com a corrida ao metaverso é a regra.

Num painel sobre como monetizar o metaverso, Maha Abouelenein, fundadora da Digital & Savy, uma consultora de comunicação com ligações a empresas da Web3, assumiu que o metaverso “ainda não está pronto para os consumidores”, mas tem potencial para mudar várias áreas, desde a Educação à Saúde.

“O mercado ainda não está pronto para isso, os números mostram isso”, assumiu a empresária, mas “eu acredito que vai acontecer, vamos passar muito tempo no metaverso”.

Também Amanda Cassat, CEO da Serotonin, uma agência de marketing para empresas da Web3, considera que o metaverso “vai demorar tempo, mas vai acontecer”. A empresária diz que é fácil “diabolizar” Mark Zuckerberg, mas o CEO da Meta não é o único na corrida a uma internet 3D. As maiores empresas tecnológicas mundiais – como Google, Microsoft, Apple – estão também a investir no metaverso.

Quando, em 2021, Mark Zuckerberg detalhou aquilo que a Meta queria construir nos próximos anos, muitos olhos se reviraram – a ideia de um avatar a interagir com um mundo digital não é nova, dirá qualquer utilizador do jogo Second Life, que surgiu em 2003. Foi isso mesmo que o criador da plataforma de realidade virtual veio à Web Summit relembrar: o metaverso é uma realidade há quase 20 anos.

Mas será agora o momento em que a internet se torna realmente tridimensional?

Marcas não querem perder o comboio do metaverso

O co-fundador e diretor de operações da Sandbox foi um dos convidados da edição deste ano da Web Summit. Sebastian Borget apresentou o seu projeto como um “mundo virtual descentralizado”.

Fundada em 2012, a Sandbox, uma empresa subsidiária da Animoca Brands, começou por ser apenas um videojogo, mas hoje é mais do que isso. É um marketplace com base em blockchain onde se vendem NFTs (tokens não fungíveis), um local onde se podem criar outros jogos e onde marcas e artistas podem criar experiências para os seus fãs.

Quem entra hoje na Sandbox, pode vestir a pele do DJ Steve Aoki ou do rapper Snopp Dogg. Os dois músicos lançaram NFTs em forma de avatares, que qualquer utilizador pode comprar se quiser transformar-se numa versão animada do seu artista preferido.

Os utilizadores poderão também ir a uma festa organizada pela socialite Paris Hilton, ir a um concerto virtual de um artista representado pela Warner Music ou ter uma experiência zombie no metaverso do "Walking Dead", livro de BD tornado série de televisão.

Todas estas personalidades e empresas entusiasmaram-se com a ideia de poder criar “experiências mais imersivas” com os seus fãs. No metaverso, é possível organizar um evento com 100, 200 mil pessoas sem “logísticas físicas”, como limites de espaço ou necessidade de reforçar a segurança.

Borget revelou ainda que na próxima semana terá um "grande anúncio" relacionado com outras grandes marcas a chegar à Sandbox.

O co-fundador da plataforma espera conseguir mudar o modelo económico à volta dos criadores de conteúdo na internet, que perderam muito rendimento com o modelo adotado pelas gigantes tecnológicas.

Segundo Borget, quando alguém cria conteúdo na Sandbox – um avatar, por exemplo, ou uma obra de arte em forma de NFT – as receitas não ficam na plataforma, como nas plataformas mais utilizadas hoje em dia, em que 95% do dinheiro das vendas volta para o criador.


Como os “gémeos virtuais” podem revolucionar a indústria

Já na indústria, a julgar pelos depoimentos do CEO da Accenture na Europa e do diretor de tecnologia da Siemens, a adoção do metaverso está muito mais próxima.

Numa conferência no palco central da Web Summit, Jean-Marc Ollagnier, da consultora Accenture, garantiu que o metaverso, “a nova internet”, já está a conectar a realidade física com o digital na indústria e não tem dúvidas: vamos acabar por “digitalizar tudo, equipamento, capacidades de manufatura, cidades, talvez alguns de nós também”.

Peter Koerte, diretor da Siemens, considera que é importante distinguir o metaverso industrial do social. Para o responsável da empresa alemã, líder em automação industrial, se o conceito ainda é uma miragem a nível social, na indústria já é uma realidade. E está a ajudar as empresas a serem resilientes perante desafios difíceis como uma pandemia, crises energéticas e falhas nas cadeias de produção.

Em que consiste o metaverso no setor industrial? É um mundo virtual que recorre a “gémeos digitais” - réplicas virtuais de um produto físico – para tornar a indústria mais sustentável.

Koerte mostrou o exemplo da imagem de um barco virtual fotorealista, construído com tudo o que um barco precisa de ter para funcionar, mas que existe apenas num mundo virtual. Ainda assim, é possível olhar para ele de qualquer ângulo, fazer mudanças em tempo real, mudar o chão, as cores, os engenhos.

Aquilo que para o comum dos mortais parece apenas um barco animado, um desenho como qualquer outro, é para a indústria um enorme avanço na forma como os produtos são construídos, como explica Jean-Marc.

“Quanto mais podes desenhar no mundo virtual, melhor podes desenhar os produtos antes de os tornares um protótipo.”

No caminho, há menos dióxido de carbono a ser produzido. “Podes garantir que os produtos são mais eficientes. Quanto mais criares produtos digitais, melhores vão ser os produtos quando forem protótipos”, considera o CEO da Accenture na Europa.

O diretor de tecnologia da Siemens acredita que os “gémeos digitais” podem tornar as fábricas, atualmente responsáveis por 28% das emissões de CO2 no planeta, mais limpas.

A parte difícil, assumem os dois empresários, é trazer as empresas para o metaverso, convencê-las de que vale a pena o investimento. Assumem que ainda há “muito medo” e que o processo demora algum tempo.

Mas estas duas empresas estão a liderar a transição. Durante a pandemia, a Accenture contratou 150 mil pessoas para explorarem o metaverso e a Siemens fez uma parceria com NVDIA para construírem o mundo virtual da indústria com base em inteligência artificial.