Renascença faz 85 anos. Conheça a história desta rádio que ainda “está aí para as curvas”
06-04-2022 - 11:32
 • Marta Grosso

Do AM para o FM e o salto em comprimento para o digital. Com os pés na atualidade e os olhos no futuro. Esta é a Renascença, uma rádio com presença nos grandes momentos do país e do mundo, que resistiu a dificuldades e ultrapassou momentos de tensão. É também uma rádio de vanguarda, sem medo da inovação.


Desde cedo, as emissões da Rádio Renascença colaram os ouvintes à telefonia pela sua dinâmica – fosse pela interação com o público, pela presença em momentos chave da atualidade e da história, fosse ainda pelas emissões ao vivo que levaram milhares à rua para ver os locutores que todos os dias lhes entravam em casa – veja-se o “Despertar” ao vivo na Avenida dos Aliados, no Porto, em 1983.

A Renascença foi mesmo a única rádio a encher, por várias vezes e na totalidade, esse que é um dos maiores espaços ao ar livre em Portugal (Praça dos Aliados).

Mas quem criou esta rádio que move multidões? Chamaram-lhe visionário, apóstolo dos novos meios de comunicação. Manuel Lopes da Cruz nasceu na Póvoa de Varzim e era padre. Fundou o cineclube católico, criou a revista católica “Renascença”, abriu uma tipografia, uma fábrica de discos e estendeu a sua influência à televisão.

Monsenhor Lopes da Cruz – título que lhe foi atribuído por Pio XVII pelo trabalho desenvolvido – é o criador desta rádio que, em 1974, ajudou a libertar Portugal da ditadura e que, em 1975, é ocupada e alvo de ataques.

Foi nessa altura conturbada que se seguiu ao 25 de Abril que Fernando Magalhães Crespo assume os comandos da Renascença. “Ajudámos a libertar Portugal de um extremismo que queria conquistar tudo”, afirma em entrevista à rádio que liderou, por ocasião da entrega do “Prémio Fé e Liberdade”, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (2018).

“A Renascença foi um farol de liberdade”, reforça, sublinhando ainda: “Se não tivéssemos sido tão atacados, talvez não tivéssemos hoje a posição que temos”.

A Renascença sempre teve “vida própria” e nunca se curvou perante os poderes instalados. Em 1958, o teatro radiofónico “Invasão dos Marcianos” (uma versão da “Guerra dos Mundos” de Orson Wells).

“Foi um programa de grande impacto. A versão portuguesa estava extraordinária, com uma montagem técnica formidável para a altura”, recorda Aurélio Carlos Moreira, o homem da rádio mais antigo de Portugal e ainda no ativo. Pode ouvi-lo atualmente na plataforma de podcasts do Grupo Renascença Multimédia, “Popcasts”, lançada em 2021.

Mas a "Invasão dos Marcianos” não foi o único programa a incomodar o regime. O “Página Um” (que mais tarde deu nome à primeira ‘newsletter’ da Renascença), chegou a ser suspenso por um mês por causa de referências ao conflito israelo-árabe depois dos atentados nos Jogos Olímpicos de Munique (1972).

Este programa organizou ainda acampamentos musicais, que acabaram cercados pela polícia, e ousou passar músicas de José Mário Branco, José Afonso e Sérgio Godinho. Uma afronta ao regime salazarista.

“A 23.ª Hora”, o “Clube das Donas de Casa” (CDC) e “Diário do Ar”, com Fialho Gouveia e Paulo Cardoso, são outros programas mais antigos que deixam marca na história da rádio em Portugal. Mas é o “Despertar”, com António Sala e Olga Cardoso, que eleva a Renascença a líder de audiências durante mais de 20 anos.

A Informação chega com conteúdos próprios em outubro de 1972. São os jornalistas da casa a produzir os conteúdos que vão para o ar e os trabalhos são ampla e repetidamente reconhecidos pelo seu rigor e credibilidade.

Outra marca premiada da Renascença é a Bola Branca. A informação desportiva chega em 1980, numa altura em que a estação é a mais ouvida em Portugal, com cerca de dois milhões e 300 mil ouvintes. Ribeiro Cristóvão era chefe de redação e foi convidado a formar a equipa, chamando Artur Agostinho, acabado de voltar de um cativeiro no Brasil, para o seu lado. O programa já conta 42 anos de existência.

A inovar desde 1937

De liderança em liderança, de prémio em prémio, da antena ao digital, o Grupo Renascença Multimédia foi desbravando caminho também na tecnologia.

Foi a primeira rádio a utilizar edição de som digital em operações de informação e em capacitar os jornalistas a editar os seus trabalhos sem apoio de um técnico. Após uma grande ação de formação, esta competência concedeu uma grande autonomia aos jornalistas em ações no exterior, na edição e no envio de peças.

A guerra no Afeganistão, em 2001, foi a primeira ocasião em que algumas destas tecnologias foram utilizadas.

A Renascença foi ainda das primeiras rádios no mundo a apostar no vídeo e a primeira em Portugal a lançar um noticiário vídeo – a V+ Informação – com o essencial das notícias em cada manhã. É o primeiro noticiário desenhado para consumo online, no telemóvel e nas redes sociais.



Antes, no início dos anos 1970, o programa “Tempo Zip” (sucessor do “Zip Zip” da RTP), fez uma emissão em direto a bordo de um avião da TAP e o “Despertar” foi emitido a partir de um submarino.

Ao longo dos anos, foram feitas emissões em todos os meios de transporte – os chamados programas em mobilidade – desde o metro ao veleiro, passando pelo autocarro, camião, a bicicleta, a mota, comboios e até um balão de ar quente, em 2019. Tudo com a qualidade e o ambiente técnico de um estúdio.

Também em 2019, as rádios do Grupo instalam nos seus estúdios um sistema multicâmara totalmente automático para a realização e emissão de vídeo. O “visual radio” permite assim fazer transmissões vídeo dos programas em direto para as redes sociais.

Em 2007, a Renascença lança um projeto único em Portugal: um jornal diário online, com edição em pdf, para imprimir ou ler no computador.

O desafio da pandemia

Com a chegada da Covid-19 a Portugal, a rádio teve de se adaptar às normas sanitárias e continuar a emitir mesmo em confinamento.

Os desafios ultrapassados vieram confirmar o percurso de inovação tecnológica feito até então. A par disso, foram lançados programas e ações para ajudar os portugueses a lidar com a pandemia e a crise que veio com ela.

Os novos tempos obrigaram ainda a um Open Day diferente: em vez de receber os ouvintes e todos quantos quisessem conhecer a rádio por dentro, foi disponibilizada uma visita virtual a todo o espaço do Grupo Renascença Multimédia. Foi a primeira vez que tal aconteceu desde que começaram, em 2014, os Open Days para celebrar o Dia da Rádio.

Depois de alguns desconfinamentos e confinamentos, o setor da Cultura ressente-se e são muitos os artistas em dificuldade. Para os ajudar, a Renascença organizou o evento “Três por Todos”, uma ação de solidariedade em parceria com a Fundação e Grupo Ageas a favor da União Audiovisual. Ana Galvão, Joana Marques e Filipa Galrão conduziram uma emissão de 51 horas seguidas e em direto, a partir da Praça do Rossio, em Lisboa, entre os dias 16 e 18 de junho de 2021.

Muito para comemorar

Chegamos a 2022 com muita história e muitas estórias. Assinalamos 85 anos de Rádio Renascença, 50 anos de Informação própria, 25 anos no digital e 15 anos na produção de conteúdos vídeo.

Se os desafios foram e continuam a ser muitos, muitos têm sido também os momentos de alegria e até de gargalhada, como mostram os nossos ‘bloopers’ e as gaffes em direto.

Terminamos com testemunhos de muitos dos que passaram pela Renascença – uns mantêm-se outros seguiram para outros projetos – e que fazem a história da rádio. São declarações gravadas por altura dos 75 anos da Renascença.