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Aurélio Carlos Moreira. “Eu não passei pela rádio. Eu vivo a rádio"

04 ago, 2016 - 08:34 • Marta Grosso

Nasceu no Porto com o bicho da rádio no sangue e completa, esta quinta-feira, 60 anos de “uma vida cheia de coisas". Aurélio Carlos Moreira é o profissional da rádio mais antigo em actividade.

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Quis ser sócio de uma estação de rádio para poder participar nos “discos pedidos”. Tinha seis anos e decorria a Segunda Guerra Mundial. Passados mais de 60 anos, Aurélio Carlos Moreira prepara agora um livro em que conta toda a sua vivência.

Começou na onda média, mas entrou sem medos no FM. Cheio de ideias (“todos os dias acordo com elas. É o meu defeito”), passou pela televisão, participou na criação e elaboração de várias revistas e criou um dos programas mais duradouros da rádio portuguesa: o “Páju”.

Em 1969, o programa “1-8-0” (180 minutos), por si produzido, ganhou o Prémio Imprensa de Melhor Programa da Rádio Portuguesa.

Pelo caminho, lançou ainda conhecidos nomes da rádio e da comunicação em Portugal e diz que desculpa Júlio Isidro pela única lacuna da sua carreira: “Não ter começado comigo”.

“Não devia desculpá-lo, mas desculpo-lhe por ele não ter começado comigo. É uma lacuna que ele tem na vida dele”.

Homem de sorriso fácil e sempre pronto a fazer rir com uma graça, Aurélio Carlos Moreira – hoje na Rádio Sim, do Grupo Renascença Multimédia – prefere dar importância ao bom e esquecer o mau. Mas lamenta duas coisas no modo como hoje se faz rádio: dificuldade em deixar crescer os grandes valores e o quadradismo das emissões.

Há quanto tempo está na rádio?

Há pouco tempo. Em 4 de Agosto, faço 60 anos de rádio. Começo a entrar nos 61.

E quantos anos tem?

De idade, 78. A caminho dos 79, em Dezembro.

Começou a trabalhar muito cedo na rádio

Aos 17 anos. No Rádio Peninsular, que era um estúdio dos Emissores Associados de Lisboa. Na altura praticamente só havia quatro rádios: a Emissora Nacional, a Rádio Clube Português, a Rádio Renascença e Emissores Associados de Lisboa. No Norte, eram os Emissores do Norte Reunidos.

Esses associados agregavam quatro estúdios: Rádio Peninsular, onde eu comecei, Rádio Graça, Clube Radiofónico de Portugal e ainda a rádio Voz de Lisboa. Eram as 24 horas do dia divididas por esses quatro estúdios.

E o que é que o levou a começar lá, aos 17 anos?

A mania da rádio. Isto é um vício! Nasci no Porto e nos Emissores do Norte Reunidos havia uma rádio com um nome um bocado esquisito na altura: Electromecânico. E tinha um programa de discos pedidos, como era usual nessa altura. Eu convenci o meu pai – devia ter os meus 6 anos – a inscrever-me como sócio da rádio. E lá estava o Aurélio, semanalmente, a pedir o disco e a ouvir na rádio: "Agora, para o menino Aurélio" - porque a locutora sabia a minha idade - "vamos transmitir" uma dessas músicas.

Depois, mais tarde, comecei a querer organizar espectáculos. E, na altura das férias, que ia passar com os meus primos, organizava lá os espectáculos. Devia ter, na altura, os meus 13 anos.

Mais tarde, comecei a tentar entrar na rádio, mas não tinha idade, porque na altura era-se maior aos 21 anos. Eu tornei-me maior aos 18, por morte do meu pai e a minha mãe emancipou-me, para eu poder tirar a carta de condução. Isso valeu-me um pouco, porque passei a ser maior aos 18, mas aos 17 ainda não tinha idade para concorrer a nada oficial.

Então...

Tive que magicar. A gente tem de magicar sempre uma porta de saída. Soube que, se eu produzisse um programa de minha autoria, poderia ser locutor do meu próprio programa. E então criei um programa chamado "Viagem musical". Não era mais do que uma viagem semanal a uma localidade de Portugal. Falava dessa localidade, dos seus monumentos e atractivos e da música dessa terra ou região.

Foi com esse programa que me estreei, no dia 4 de Agosto, de 1956. Sendo locutor do meu próprio programa. Mais tarde, logo que atingi a idade que era possível, comecei a ser locutor da própria Rádio Peninsular.

Mas antes tinha já criado outro programa, chamado "Música e curiosidades", aquelas curiosidades da altura em que se dizia que tinha nascido uma couve no Entroncamento não sei com quantos metros de altura, o passarinho que saía de manhã da gaiola e voltava ao final o dia, essas curiosidades interessantes misturadas com música.

Quando é que veio para a Renascença?

Comecei em 1956, mas em 1958 uma produtora de rádio que era a Maria Helena Bramão, cujo pai foi director de um jornal bem importante no Norte, o "Primeiro de Janeiro", tinha um programa na Rádio Renascença chamado "Poeira de Estrelas", um programa da noite. Achou que eu tinha um jeitinho e convidou-me para ir fazer locução nesse programa. Foi a minha entrada. Não deixando a Rádio Peninsular, onde me mantive anos, porque nessa altura era permitido estarmos fixos numa rádio e irmos colaborar no programa de outra rádio.

A rádio vivia dos produtores independentes. Compravam espaço à rádio e produziam os programas. Alguns deles ficaram na história da própria rádio, como foi o "23ª hora", na Renascença.

Quais os marcos que mais destaca dentro da Renascença?

Vou destacar três pontos que considero importantes. O primeiro, após a ocupação e a sua reabertura, em 1977, a Renascença fechava às duas da manhã e só reabria às 6h00. Durante essas quatro horas, não havia qualquer programação. E eu sugeri ao engenheiro Magalhães Crespo criarmos um programa nocturno. Foi criado o "Encontro na madrugada". Colaboraram comigo a Ausenda Maria, recentemente falecida, o Ribeiro Cristóvão, o Rui Pêgo e foi um programa que durou alguns anos.

O segundo marco foi, mais tarde, em 1985, a criação dos emissores regionais da Renascença, aproveitando os nossos emissores de onda média. Eu fui encarregue da Voz do Alentejo, que foi o primeiro, a 20 de Abril de 1985. Depois fui criar o emissor de Viseu, e logo em seguida a Voz de Leiria, no início dos anos 90. Depois a Voz do Algarve, com os estúdios em Faro, e também colaborava com a Voz de Lisboa, que na altura tinha a colaboração do Henrique Mendes e do Fernando Almeida.

O terceiro marco é este: entretanto, a Rádio Renascença separou a onda média do FM, para poder criar a Renascença FM, porque os emissores FM transmitiam também a programação da onda média. E eu separei a onda média da FM com um programa que era apenas transmitido através do emissor de Muge e através do emissor do Porto. Era o "Todos à Uma", um programa da uma às três da tarde, que foi iniciado por mim e pelo Rui Pêgo, mas logo a seguir o Rui Pêgo foi-se encarregar do FM e eu fiquei sozinho no AM.

Agora estou a preparar um livro, onde conto essas histórias todas, porque não foi só a rádio que ocupou a minha vida. Conto que, se não for publicado no final deste ano, seja logo no início do ano.

Grupo Renascença homenageia 60 anos do homem-rádio
Grupo Renascença homenageia 60 anos do homem-rádio

Que bom! Conte-me mais

Eu também estive na televisão. Sou pioneiro da televisão. A RTP foi fundada em 1957 e eu entrei em 58, tinha na altura 20 anos, para adjunto do serviço de produção e publicidade, que era o Dr. Artur Varatojo. Mas durei pouco tempo na televisão. Estive um ano e tal, porque a rádio... a rádio é a minha paixão.

No livro fala também da sua relação com o microfone e com os ouvintes?

Aquilo que eu gosto de fazer menos é locução. Gosto mais de produzir e de realizar. De criar numa ideia e pegar nessa ideia e torná-la realidade. Repare que no meu programa "Páju", que durou 40 e tal anos, eu podia ter sido sempre o locutor. Era até uma forma de economizar, não tinha de pagar cachés a outros, mas tive o João Paulo Dinis, a Maria Helena Falé, a Maria de Lurdes Carvalho; depois, mais tarde, na Renascença, o Rui Pêgo, o Carlos Ribeiro, o José Candeias... ia chamando os elementos que eu achava que eram capazes de enaltecer o programa e de o melhorar ainda. E passava eu para um segundo plano.

Se não o tivesse feito, seriam valores que não teriam surgido e tinha sido economicamente uma forma de arrecadar mais uns escudos na altura.

Pelas suas mãos passaram muitos. O Aurélio é, com as devidas distâncias, o Júlio Isidro da rádio

Eu sou muito amigo do Júlio, aprecio-o muito e digo-lhe sempre que o desculpo... não devia desculpá-lo, mas desculpo-lhe ele não ter começado comigo. É uma lacuna que ele tem na vida dele. (risos) Mas está desculpado. Depois outras pessoas, até ligadas ao jornalismo, começaram comigo. Por exemplo, o Sena Santos, que começou quando eu tinha o "Páju" no Rádio Clube Português; o José Leite Pereira, que foi director do Jornal de Notícias; técnicos como o Manuel Tomás, que hoje é um considerado realizador de televisão.

Como é que sabia que estava ali alguém de valor?

Ou os fui descobrindo, porque os ouvia, ou eles vinham ter comigo e eu fazia uma selecção. Que me desculpem os outros todos, mas fazia uma selecção. Principalmente, tinham de ter uma qualidade: era gostar da rádio tanto como eu gosto.

Ganhou, pelo menos, um prémio…

No final dos anos 60, juntamente com o Paulo de Medeiros, produzi um programa intitulado “1-8-0” – 180 minutos, três horas de emissão. Isto, no Rádio Peninsular. Este programa tinha correspondentes em diversos países do mundo, algo pouco habitual. O António Cartaxo estava em Londres, Horta e Costa em Paris, Rodrigues Teles no Brasil. Havia ainda um correspondente permanente no Porto, que era o Ângelo Granja.

Por tudo isto, o programa ganhou, em 1969, o Prémio Imprensa como Melhor Programa da Rádio Portuguesa.

Se for falar em números, fiz 23 Voltas a Portugal, dois campeonatos do mundo – um na Bélgica e outro na Suíça, e inúmeras provas de ciclismo por etapas – essas não têm número capaz. Estive também presente em festivais da canção, no total talvez some mais de 60. Eurovisão, quatro ou cinco, OTI, que eram os festivais na América do Sul, também uns cinco.

O Aurélio recorda-se de tantas datas!

Sabe porquê? Porque eu não passei pela rádio. Eu vivi a rádio.

Viveu e vive. Hoje está na Rádio Sim.

Sim. (risos)

Continua a sentir-se bem dentro da rádio, nesta casa e com projectos para a frente?

Com certeza, com certeza! Quem me conhece sabe que se eu não me sentisse bem, já não estava.

E ideias?

Esse é o meu defeito! É que eu acordo todos os dias com ideias. E é por não as conseguir concretizar por vezes que digo que sinto uma tal tristeza. Está explicado, não está?

Qual a sua relação hoje com a rádio?

A rádio é a rádio. Só há uma forma diferente de a tratar. Apesar de reconhecer – e não me vai fazer muito mais perguntas – que por vezes hoje é muito mal tratada.

E não vou fazer mais perguntas sobre isso...

Pronto. Muito mal tratada.

Na Rádio Sim, sinto-me dentro do meu ambiente. É a rádio do meu tempo. Mas não quer dizer que, se fosse necessário, não fosse fazer um programa à Mega [Hits]!

E à nova geração, que mensagem gostaria de transmitir?

Há gente magnífica hoje na rádio. Só lamento que, por vezes, não os deixem crescer. Porque a rádio actual por vezes corta asas àqueles que querem crescer e que tinham um potencial extraordinário.

Isso poderá estar relacionado com o facto de não haver grande liberdade de autor?

Sim. Uma das coisas, por exemplo, que critico é as ‘playlists’. Eu concordo que, devido aos estudos actuais, tem de se dizer que esta rádio é para um público assim e assado, mas não evita que uma pessoa de 30 anos goste de ouvir músicas que passamos na Rádio Sim. Como o contrário! Não é preciso estar a dizer que tu só podes ouvir isto e tu só podes ouvir aquilo.

Não é preciso sermos quadrados e deixar franjas de fora

Exactamente.

Aurélio, para terminar, gostaria de resumir 60 anos de profissão em poucas palavras?

Só uma. Paixão.

Comentários
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  • Rui Poupinha
    22 mar, 2018 Almada 12:41
    Parabéns, e obrigado ....por todos nossos momentos de pequenas (GRANDES) conversas e tantos sorrisos.....e lá está .....o que sempre conversámos.... É tão bom ......olhar nos olhos das pessoas e ..... apenas....SORRIR.....!!! Muita Saúde e por muitos anos sempre com o mesmo.... CHARME.... Abraço Amigo e.... Muito Obrigado
  • salvador garcia para
    08 out, 2016 badajoz.Espanha 09:34
    Soy asiduo oyente de su música hasta las 3.ooh. todos los días.Quiero saber como se escribe RADIO SIM Y que significa. Enhorabuena.Gracias
  • Paulo Ferreira de Me
    05 ago, 2016 Lisboa 18:46
    Fabuloso! Este é o grande Homem com o qual muito aprendi e colaborei. Obrigado oela oportunidade e pelas ideias fervilhantes que trocamos, sim, todos os dias saíam ideias novas. Para quem diz que na rádio está tudo inventado.......Parabéns pelos 60 anos de carreira.
  • Pedro Bernardo
    05 ago, 2016 Póvoa de Santa Iria 10:18
    Parabens Aurélio !! Um prazer trabalhar consigo e ouvir as suas histórias fantabulásticas !! :)
  • Paulo Romão
    04 ago, 2016 Aldeia de Irmãos - Azeitão 14:18
    Grande Mestre. Curvo-me perante a sua PAIXÃO! Abraço. Saudade das nossas conversas "de ocasião".
  • Fernando M Correia
    04 ago, 2016 Alcochete/Viseu 13:49
    Uma palavra. Obrigado Mestre. Contigo aprendi muito da Rádio. Contigo vivi a Rádio, a nossa querida RR ao longo de quase 19 anos. Saudades desses tempos. Um dia, quem sabe, voltamos a estar frente-a-frente com o microfone pelo meio. Grande abraço ao ACM.
  • Mário Costa
    04 ago, 2016 Cartaxo 11:13
    Um grande mestre....

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