De Fafe a Kiev, uma estrela ucraniana na batalha por “nova ordem mundial”
01-05-2022 - 11:25
 • José Pedro Frazão enviado especial à Ucrânia

Taras Topolya e a sua banda Antytila decidiram trocar os instrumentos pelas fardas da Defesa Territorial da Ucrânia. A decisão correu mundo e por isso foram rejeitados num concerto mundial pela paz na Ucrânia.

Encontramos Taras Topolya numa das principais cidades do leste ucraniano sujeito a ataques da artilharia russa. Por razões de segurança, a entrevista é realizada sob condição de não revelar o local exacto nem tirar fotografias a esse ponto de encontro. O cantor encontra-se em missão de primeiros socorros e traz consigo uma canção portuguesa no bolso para ouvir em momentos mais sombrios.

Um dos mais mediáticos artistas do país explica a missão que lhes foi atribuída, a razão que vê neste combate e as ligações a Portugal.

Por que razão decidiu juntar-se às forças territoriais?

Foi uma decisão natural, porque somos cidadãos da Ucrânia. É normal que os jovens e pessoas com força defendam o seu país. Portanto não interessa quem era o quê antes da guerra começar. Devemos proteger o nosso país.

Mas sente-se como um soldado normal, anónimo?

Sim, gostamos de fazer o nosso trabalho como um soldado comum. Neste caso, a nossa missão é prestar primeiros socorros a soldados feridos e retirá-los se necessário para o hospital. Essa é a nossa principal tarefa e é o que estamos a fazer até agora.

O orgulho nacional é mais forte que o seu medo?

Sim, não só o orgulho nacional é mais forte que o medo, mas também no próprio contexto mundial. Estamos a renovar a ordem mundial, porque, antes da guerra começar, ouvimos apenas palavras. Quando ela se iniciou, os ucranianos, com o nosso poder, a nossa unidade e a nossa defesa, mostramos a verdade a todo o mundo. E como é normal defender a verdade, defender os valores. Portanto, não estamos simplesmente a mostrar o que sentimos, mas também a sinalizar como a Europa e o Mundo devem viver. Não se trata apenas de palavras mas da necessidade de agir. Então, quando dizemos que vamos lutar até ao fim, fazemos isso mesmo no nosso país. Talvez nem todos os ucranianos o façam mas a maioria está a fazer isto, levando as palavras à letra. Quando eu falo com jornalistas europeus ou norte-americanos eles parecem surpreendidos em relação ao que estamos a fazer. Eles pressionam os seus políticos e observam o que eles andam a fazer. Isso está correto, ou seja não apenas falar, mas também fazer.

Depois desta guerra, teremos uma nova ordem mundial, com novos tipos de política e de políticos. Estamos a fazer e não apenas a lutar pelo nosso país. Gostaríamos de mudar a arquitetura mundial para o futuro.

Pensa que o mundo está a ouvir os ucranianos?

Temos que fazer uma separação entre povo e políticos. E, no início desta guerra, isto não estava assim separado de uma forma tão clara. Mas vemos cada vez mais esta separação nos povos da Europa e da América, pressionando os políticos a fazerem as coisas como devem ser feitas. Os políticos gostam de ir pelo seu próprio caminho. Falam, falam, falam mas este poder do povo pressiona-os a tomarem decisões. 80% das pessoas na Europa e na América estão, no fundo, a fazer política.

E qual é o papel das estrelas de rock?

Estamos a espalhar informação. Temos capacidade de fazer publicidade e essa é a nossa ferramenta. Se esta é a única maneira do meu povo conseguir a liberdade, então é isto que eu faço.

Como têm sido os contactos com outros músicos estrangeiros?

Usamos as redes sociais para contactar com outros artistas e celebridades. Contactámos o Ed Sheeran por causa de um evento, ele aceitou mas depois recusaram a nossa presença por termos decidido vestir esta farda. Mas isso não interessa. O que importa é que muita gente em todo o mundo está a comunicar connosco.

Vive neste momento muitas emoções aqui no terreno. Está a pensar colocar essas emoções e esses sentimentos em canções, textos e letras?

Estou a processar interiormente essas emoções. Quando chegarmos à vitória claro que os Antytila irão fazer novas canções. Mas agora é tempo de fazer o nosso trabalho aqui.

E se a guerra continuar durante muito tempo?

Talvez façamos aqui uma pausa. Há muitos ucranianos envolvidos neste combate e talvez daqui a três, quatro ou cinco meses haja uma rotação e possamos ir para Kiev descansar.

Tem contactos com músicos portugueses?

Sim, mas não é uma ligação direta. Somos membros da sociedade ucraniana de autores que está ligada a outras organizações congéneres através da Cisac, que é a Confederação Internacional das Sociedades de Autores, com sede em França. É para nós um grande prazer saber como os autores europeus estão a ajudar os autores ucranianos. Portanto, durante a guerra, a Sociedade Portuguesa de Autores ajudou muito os autores ucranianos. A Cisac criou um fundo para ajudar os autores ucranianos, onde a SPA também participa. Para além disso, publiquei na minha página de Facebook uma canção incrível que os autores portugueses fizeram. Fizeram um vídeo a que nós tivemos acesso. É uma canção muito sensível.

Gostou da canção?

Sim,claro. Não percebo as palavras, mas a melodia é muito interessante. Portanto, não depende só das palavras, é uma conexão com as pessoas feita com grande sensibilidade. E deixe-me contar-lhe também que fizemos um teledisco muito popular na Ucrânia, com mais de 20 milhões de visualizações no YouTube, que foi gravado em Fafe em Portugal. Gravámos naquelas casas de pedra muito populares em Portugal. Estivemos em Fafe e depois também gravámos junto à costa. Portugal é um país muito bonito, com paisagens incríveis. Quando lá estivemos parecíamos estar entre ucranianos. São pessoas de coração muito aberto e a cozinha portuguesa é muito parecida à ucraniana, por exemplo na carne e nas batatas. Foi muito interessante fazer mais de quatro mil kms para a outra ponta da Europa e descobrir pessoas parecidas connosco.

Porque escolheram Portugal?

Estávamos no Inverno e queríamos usar planos com asa delta ou parapente e em Portugal existem várias elevações onde se pode fazer o voo para o mar.

Qual é o tema dessa canção?

É a necessidade de se confiar no seu parceiro. Conseguimos alcançar os nossos objetivos se confiarmos nos outros. Um homem diz à sua mulher que pode ser o melhor se ela confiar nele.

Já pensou na canção que vai fazer se a Ucrânia ganhar a guerra?

Ainda não a compus, mas já falámos entre nós e achamos que o próximo disco deve ter um ambiente de alegria, de renascimento. Muita gente morreu nesta guerra com a Rússia, mas estamos aqui a lutar pela liberdade e pelo futuro. Por isso, essa canção, depois da vitória, deve ser um tema de alegria e bravura. Não deve ser uma música triste, mas de alegria pela vitória.

O seu Presidente fez um discurso político aos portugueses. Como músico, que palavras gostaria de dirigir aos portugueses?

Em primeiro lugar, muito obrigado pelo apoio e por manterem a guerra na Ucrânia nos vossos pensamentos e nos vossos espaços de informação. É muito importante para nós que os europeus e os portugueses não se esqueçam disto.

Esta guerra não é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. Nós estamos aqui a defender os valores europeus.

Talvez possa ser aqui algo provocador mas, tal como os portugueses, estamos a lutar pela liberdade. Lisboa e Kiev têm a mesma história de sofrimento histórico. Aqui lutamos contra um império forte e, por isso, estamos unidos. Obrigado aos portugueses pela vossa ajuda.