Aeroporto de Lisboa. Não se pode confundir alhos com bugalhos
17-10-2022 - 06:40
 • Luís Janeiro*

​Em qualquer concessão, pode justificar-se uma renegociação, cujos termos o contrato estabelece (como o caso presente). Não é nenhum drama e pode até ser uma oportunidade para melhorar o objeto do contrato e/ou o seu desempenho.

O costumado (infelizmente) esquecimento dos contratos na esfera das concessões públicas não é um exclusivo nacional. A comparação entre soluções para o novo aeroporto de Lisboa deve ser na mesma base e centrada no contrato de concessão firmado em 2012 entre o Estado Português e a VINCI, o qual obriga as partes até ao ano 2062.

"Make it simple": As cinco orientações-básicas

a) A capacidade aeroportuária de Lisboa tem de aumentar para o patamar 67-70 milhões de passageiros.

b) No contrato de concessão, as partes verteram as condições subjacentes ao montante pago pela concessionária, em Lisboa, no quadro de um tarifário competitivo (anexo 12) onde as taxas são submetidas a um teste comparativo (benchmark) com um painel de 12 aeroportos europeus: Viena, Barcelona, Dublin, Madrid, Copenhaga, Roma, Genebra, Londres (Gatwick), Dusseldorf, Berlim, Bruxelas e Estocolmo.

c) Em 2016, o crescimento do tráfego, bem acima da banda-referência, acionou os gatilhos do processo de aumento da capacidade de Lisboa, que deve ser norteado pela sustentabilidade no longo prazo, ajustado à disponibilidade financeira do país/uso da infraestrutura existente e sintonizado com a distribuição da população e com a procura turística (a maioria do tráfego).

d) A solução global tem de assegurar a competitividade do destino turístico face aos concorrentes diretos, com foco em Madrid e Barcelona (aeroportos até 12 quilómetros do centro, com metro e suburbano e sem portagem) e, também, por Lisboa ser hub, substituir a transferência avião-avião por avião-comboio nos percursos até cerca de três horas, o que significa que tem de ter conexão direta à rede ferroviária de alta velocidade.

e) O contrato de concessão prevê três modelos: i) Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), ii) Alternativa da Concessionária ao NAL e iii) Alternativa do Concedente ao NAL se a proposta da concessionária não for adequada (é a situação atual). Não define localização para qualquer das possibilidades e permite a instalação de um aeroporto comercial por terceiros, desde que situado para lá do raio de 75 quilómetros com centro no aeroporto da Portela.

O passo inicial da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) deve ser a compartimentação das soluções por vínculo contratual:

Aumento de capacidade no âmbito da concessão aeroportuária à VINCI:

  • Alternativa da Concessionária ao NAL: Reforço HUB Portela + Montijo low cost médio-curso;
  • Alternativa do Concedente ao NAL: HUB Alverca-Portela (e o próprio NAL).

Aeroporto de terceiros em Santarém (implantação em Casével a 80km em linha reta da Portela):

Fica fora da Área Metropolitana de Lisboa, a 50 quilómetros do limite norte (Vila Franca de Xira) e por ramal a 90 quilómetros da Gare do Oriente. Iniciativa independente, cuja operação será estabelecida com as entidades competentes.

Feita esta preliminar destrinça, as soluções no âmbito da concessão devem então passar por um primeiro crivo onde se separa, logo à partida, as Alternativas ao NAL que atendem as Especificações Mínimas (anexo 16) das que não cumprem. Feita a peneiração, avança-se então para a AAE, englobando cada solução os associados encargos públicos com acessibilidades e obras conexas, no caso do NAL (CT Alcochete):

  • “Desminagem” do atual C. Tiro + Novo C. Tiro + Nova pista militar 01-19 BA Montijo + Novo canal Montijo + Transferência polo químico Lavradio;
  • A construção de acesso ferroviário G. Oriente/Poceirão/CT Alcochete (55km), incluindo a ponte rodoferroviária Chelas-Barreiro e a correspondente rodovia.

Nas receitas, integrar o reflexo do binómio “Taxa aeroportuária + Custo ida-e-volta até ao centro” de cada solução no volume de turistas.

Por fim, mas não por último, a AAE deverá ter em conta a posição da Câmara de Lisboa, o município que é o motor do crescimento do tráfego aéreo e onde está o aeroporto da Portela. As principais forças políticas CML convergem no interesse estratégico da continuação do aeroporto da Portela mas numa versão citadina (no mínimo, horário reduzido e teto operacional).

Para o segundo aeroporto, onde ficaria o grosso do tráfego, o presidente anterior e atual ministro das Finanças Fernando Medina priorizou a proximidade (deu o exemplo Montijo) e o atual presidente Carlos Moedas exprimiu o desejo “a uma distância razoável”.


Prospetiva de cenários

1 - “Alternativa da concessionária ao NAL” com reforço da Portela (75% do tráfego), que está, sem apelo, posta de lado pelos lisboetas. A inviabilidade técnico-ambiental da Base Aérea do Montijo apresentada pela ANA-VINCI até como aeroporto secundário já está confirmada. Valerá a pena ainda ir a jogo?

2 - NAL Alcochete: o estudo ambiental- económico feito há 15 anos tinha como premissa o encerramento da Portela, um Plano Diretor luxuoso e uma exorbitante cidade-aeroportuária. Para ir a jogo, o estudo precisa de ser totalmente reformulado.

3 - HUB Alverca-Portela: satisfaz toda a parametrização técnico-jurídica do contrato de concessão, o qual explicita em detalhe os procedimentos de substituição da “Alternativa da Concessionária” pela “Alternativa do Concedente”, incluindo os moldes e o prazo da negociação entre Concedente e Concessionária.

O realinhamento do Contrato de Concessão

Em qualquer concessão, pode justificar-se uma renegociação, cujos termos o contrato estabelece (como o caso presente). Não é nenhum drama e pode até ser uma oportunidade para melhorar o objeto do contrato e/ou o seu desempenho.

Sejamos claros: quando a VINCI entregou o estudo da minimalista alternativa Montijo já sabia que o tráfego seria bastante superior às expectativas na altura do contrato (2012). E sejamos firmes: a responsabilidade de se ter chegado ao ponto da Assembleia da República ter de impor o que, à face da legislação europeia era obrigatório (AAE), é da responsabilidade da Concessionária. E sejamos exigentes: o problema da negociação com a VINCI não é a concessão estar abaixo das expectativas em que se baseou o preço da transação como é evidenciado pelo acumulado do número de passageiros do início da concessão até à pandemia (à volta de 50% acima do volume-referência). Problema bicudo seria um volume acumulado abaixo do limite inferior.

A negociação da “Alternativa do Concedente” com a concessionária tem todas as condições para chegar a bom porto, preservando o primado do interesse nacional.


Luís Janeiro é Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics.

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics.