Marta Temido afasta ambição de liderar PS. "Está instalado um ambiente de suspeição" sobre os políticos
30-11-2023 - 07:00
 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público)

A ex-ministra da Saúde diz que vê "com alguma mágoa" o ambiente "polarizado" e de "suspeição" sobre os políticos, o que torna "cada vez menos provável" a vontade de um dia vir a candidatar-se à liderança do PS.

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Apesar de um momento político que considera que "não é feliz", Marta Temido admite estar "disponível para os combates que sejam necessários" na autarquia de Lisboa, por exemplo.

A líder da concelhia do PS de Lisboa admite ainda que o partido deverá abster-se, mais uma vez, na votação do Orçamento municipal proposto por Carlos Moedas. "Porque se entende devolver a responsabilidade a quem os lisboetas entenderam escolher para liderar a cidade".

Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, a deputada socialista recusa mostrar apoio público a qualquer dos três candidatos à liderança do partido, considerando que tem "uma responsabilidade" e "poderia condicionar" os membros da concelhia do PS de Lisboa, que lidera. Marta Temido confessa ainda que não se revê "no contar de espingardas" entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro.

Visto a esta distância, acha que António Costa se precipitou ou não havia mesmo condições para continuar a ser primeiro-ministro?

Não havia mesmo condições para tomar outra decisão. António Costa não tinha alternativa a não ser tomar a decisão que corajosamente tomou. É a atitude que eu esperava do meu primeiro-ministro.

Foi derrubado por um parágrafo da PGR? Não partilha dessa perspetiva?

Não. Muita coisa se poderia dizer sobre o processo, mas penso que não é chegado ainda a tempo. Exige-se a todos uma enorme prudência e contenção na utilização das palavras. Este é o tempo de aguardar com a serenidade possível.

Faz parte daquele lote de personalidades do PS que acha que Procuradora-Geral da República devia dar mais explicações sobre este caso?

Não faço juízos de valor sobre a conduta de outras entidades e de outras instituições. Penso sinceramente que o Ministério Público tem que ter o espaço para fazer o seu trabalho. Embora gostássemos todos que este caso tivesse um esclarecimento breve e célere, percebemos que a complexidade de algumas investigações tem os seus tempos. Pressionar ou criar um ambiente de pressão sobre quem quer que seja é, neste momento, desajustado.

É ambiente de pressão que já está criado, com as declarações como de Augusto Santos Silva e outros dirigentes ou outras personalidades do PS?

Cada ator faz uma intervenção no contexto de uma determinada conversa. E muitas vezes as declarações extrapoladas têm uma leitura que não é a mais correcta.

E agora sem António Costa há dois candidatos à liderança do Partido Socialista. Quem apoia como militante do PS? Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro?

Não vou prestar apoio público a nenhum dos candidatos. Conheço bem os dois. Trabalhei quer com Pedro Nuno Santos, quer com José Luís Carneiro. Se existe liberdade dos militantes para expressarem o seu apoio público a um determinado candidato, também deve existir a liberdade de não o fazerem. Entendo que o meu apoio poderia condicionar os meus camaradas, tenho uma responsabilidade como presidente da concelhia do PS de Lisboa. De facto, não me revejo no contar de espingardas. Talvez tenha a ver com o facto de eu ter muito recentemente chegado às lides políticas.

Também vai ter dificuldade de escolher no momento de votar?

Não vou ter dificuldade de escolher, sobretudo depois de conhecer os programas, as moções políticas.

Revê-se mais numa ala de esquerda do PS ou numa ala dita mais moderada?

Evidentemente o meu percurso também tem uma ligação a uma ala mais de esquerda do Partido Socialista. Contudo, penso que é um partido de síntese também, ou seja, que tem na pluralidade dos seus militantes a capacidade de encontrar riqueza e não de anular uns sobre outros. Revejo-me muito numa linha de síntese e de equilíbrio entre essas perspetivas, nalguns temas mais moderadas, noutros temas ditas mais de esquerda.

Acha que se tem assistido a esse espetáculo de contar de espingardas e que é prejudicial ao partido?

Não, os candidatos têm conseguido, depois de alguma alguma tensão inicial, um combate para fora. É isso que se espera dos candidatos a secretário-geral.

O seu nome também costuma vir à baila quando se fala em preencher certos cargos, o da liderança do PS é um deles. Não foi desta, mas não descarta essa hipótese no futuro?

Com alguma mágoa daquilo que têm sido os dias recentes da política, penso que essa é uma realidade cada vez menos provável. Aqueles que, como eu, são recém chegados à política e um pouco para paraquedistas, sentem cada vez menos essa disponibilidade.

Mágoa porquê?

Tem a ver com um certo ambiente que está instalado, de mal estar, muito polarizado, de muita agressividade, que me parece tudo menos saudável. Com o crescimento de algumas forças políticas que entendo que devemos combater veementemente, mas que levam a que todos nós tenhamos reações mais exacerbadas, menos ponderadas, menos de Estado. E acho que isso contribui para afastar as pessoas da política. Afasta certamente os cidadãos, mas também afasta as próprias pessoas que se dedicam à política.

A um ambiente de caça a líderes políticos, por exemplo?

Um ambiente de suspeição.

Em relação à liderança do Partido Socialista, para já não, mas para a frente é admissível essa hipótese?

Alguém dizia que em política não é possível dizer nunca. Mas que é algo que está completamente fora dos meus horizontes, sem dúvida nenhuma.

As eleições autárquicas são em 2025 e já admitiu que gostava de ser autarca. Até lá, o seu desencantamento com a política poderá melhorar?

Por natureza, cultivo a esperança e alguma capacidade de sonhar e acreditar nas coisas. O facto de este ser o momento em que confesso uma certa mágoa não quer dizer que depois não se consiga lidar com essa mágoa e continuar.

Então não afasta a possibilidade?

Feita esta referência sobre aquilo que é um momento atual, que não é um momento feliz, não quer dizer que não esteja disponível para os combates que sejam necessários. Relativamente à Câmara de Lisboa, cada coisa a seu tempo. Se o PS precisar de mim para combates a seu tempo veremos e seguramente que cá estarei para os enfrentar.

Quer ficar equidistante dos dois candidatos principais à liderança do PS para salvaguardar mais capacidade de manobra para ser candidata à Câmara de Lisboa?

Não, não tem nada a ver com isso. Rigorosamente nada.

Sobre Lisboa, o presidente da Câmara já apresentou o orçamento municipal e disse que é quase impossível a oposição votar contra. O PS vai voltar a abster-se?

Seria prematuro uma informação definitiva. Contudo, há aspetos [do orçamento] que são preocupantes. Em qualquer caso, neste momento, há um executivo que tem a gestão da Câmara e que faz determinadas escolhas políticas em que nós não nos revemos. O que é isso de um Estado social local?

O PS tem viabilizado pela abstenção ao longo destes últimos anos o orçamento municipal. Essa linha vai continuar?

Porque se entende devolver a responsabilidade a quem os lisboetas entenderam escolher para liderar a cidade.

Não quer dar razões a Carlos Moedas para se vitimizar ou para dizer que está a ser bloqueado?

As regras da democracia exigem que se respeite os partidos que têm responsabilidades de poder. Obstaculizar a uma governação não me parece que seja a melhor forma de dizer que ela não é eficaz. Muito pelo contrário.

Ainda não será desta que o PS votará contra este orçamento municipal?

Provavelmente não na medida em que tem esta postura de responsabilidade e na medida em que houve também um conjunto de aspetos que foram suscitados e que serão agora discutidos, que parecem encaminhar, se não para uma concordância com este Orçamento, mas para uma perceção de que foi este executivo que os lisboetas escolheram.

Se houvesse uma crise, isso seria aproveitado pelo PSD?

Acho que as pessoas não entenderiam. Sabemos muito bem qual foi a reação dos portugueses quando se chumbou o Orçamento de Estado de 2022. Não saber ler aquilo que as pessoas esperam como adequado é um erro.

Carlos Moedas comemorou este sábado, 25 de novembro, nos Paços do Concelho. PS Esteve representado apenas pelo líder socialista na Assembleia Municipal. Não houve articulação ou não foi consensual dentro do PS?

Foi a representação considerada adequada. É evidente que há incómodo não com a comemoração da data do 25 de novembro, contudo, há quem tenha intenção de utilizar datas, efemérides, figuras para fazer uma releitura da história e para impor um modelo que me parece que os portugueses não escolheram, ou porque pensam que os outros são patetas. Comemorar o 25 Novembro antes de comemorar o 25 de Abril dá um sinal que ninguém entenderia.