08 out, 2024 - 12:12 • Olímpia Mairos
O bispo de Pemba, D. António Juliasse, alerta para o enorme rasto de “sofrimento e fome” provocado nos últimos sete anos pelos terroristas em Cabo Delgado.
“Cabo Delgado não tem paz”, diz o prelado em declarações à Fundação AIS, assinalando que “já passam sete anos”.
São “sete anos de deslocados, sete anos de mortos, sete anos em que as pessoas vivem num sofrimento muito grande, com fome, porque não podem cultivar [as terras] por causa da insegurança, de doenças porque não têm medicamentos, porque o posto que existia mais próximo da aldeia não funciona ou está destruído, sete anos em que as crianças não estão a estudar como deviam”, enumera o bispo de Pemba.
D. Juliasse lembra ainda que as próprias estruturas da administração pública deixaram de funcionar na sua plenitude na região, trazendo com isso ainda mais dificuldades a uma população já de si muito pobre.
O prelado fala da enorme “incerteza” em que vive o povo. Um povo que - segundo D. Juliasse - “vai domesticando o medo, vai convivendo com a insegurança, e em que cada morte, agora, é como se fosse um fatalismo”.
“E isso não é normal”, assinala.
O bispo de Pemba refere-se ao dia 5 de outubro de 2017 como “um dia triste” em que também não podem sem esquecidos “os militares que morreram e que também são moçambicanos”.
Recorde-se que o primeiro ataque terrorista aconteceu após o Dia da Paz e Reconciliação, um feriado nacional moçambicano que marca a assinatura do Acordo Geral de Paz de 1992, em que, graças ao esforço diplomático da Comunidade de Santo Egídio, se pôs fim a um período de 15 anos da trágica guerra civil no país.
“Desde que estou em Pemba, tenho sempre dificuldade em celebrar o dia 4 de outubro como Dia da Paz. Na verdade, devíamos estar a celebrá-lo como Dia dos Acordos de Roma, porque paz, em Cabo Delgado, não existe. E custa-me escutar discursos em que se diz que temos paz se Cabo Delgado não tem paz e Cabo Delgado é Moçambique, é parte de Moçambique”, diz.
“Em Moçambique não temos paz e eu sinto, com discursos desse tipo, uma falta de solidariedade para com o povo de Cabo Delgado e até certo ponto tenho o sentimento de que o assunto de Cabo Delgado pertence a Cabo Delgado e não a Moçambique”, lamenta, destacando, no entanto, que “há um despertar muito grande de consciências, de pessoas de boa vontade, de pessoas que têm sabedoria no país, de pessoas que pensam, que falam, que fazem ‘advocacy’ para que a guerra acabe e a paz seja verdadeiramente uma paz para todos os moçambicanos.”
O bispo de Pemba garante que a Igreja está a “fazer o que é da nossa natureza, estar ao lado do povo, socorrer os que podemos socorrer, oferecendo as ajudas que também nos chegam”, alertando, no entanto, que “essas ajudas estão a diminuir bastante”.
“Mas há sempre uma mão amiga e essa mão amiga, para nós, em Cabo Delgado é, largamente, aquela que vem da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, que sempre nos socorre e socorre nos momentos mais críticos, que está sempre pronta a dar-nos alguma coisa para nos sentirmos úteis porque assim podemos também salvar a vida dos nossos irmãos”, completa.
De passagem por Lisboa, após a visita ‘ad limina’ dos bispos de Moçambique, D. António Juliasse encontrou-se pessoalmente com Sílvia Duarte, a cabeleireira portuguesa que protagonizou em maio uma prova de atletismo, de 22 quilómetros, em que correu com as cores e a bandeira da Fundação AIS como gesto de solidariedade e de denúncia para a situação humanitária trágica que se vive em Cabo Delgado.
“Não foi tanto por aquilo que foi mobilizado em termos materiais, mas pela consciencialização que esta decisão pessoal de correr por Cabo Delgado possa ter criado na sociedade portuguesa e na Europa e isso comoveu-me bastante; há pessoas que não estão distantes daquilo que está a acontecer e fazem gestos maravilhosos”, destacou.
De acordo com a AIS, Sílvia Duarte vai fazer uma nova corrida solidária para com Moçambique, no dia 12 de outubro, em Abrantes, percorrendo 100 quilómetros em favor da Mary’s Meal, uma organização que promove a alimentação escolar de crianças.