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Eleições ​Europeias. As preocupações unem (e desunem) a Alemanha

03 jun, 2024 - 06:31 • Guilherme Correia da Silva , correspondente na Alemanha

A população está preocupada com a inflação e a política de migração; o Presidente alemão está preocupado com a democracia. O governo está preocupado com os populistas e os populistas estão preocupados com o governo. Os conservadores, à frente nas sondagens, estão preocupados com a falta de segurança na União Europeia e querem mais armas.

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Europeias: As preocupações unem (e desunem) a Alemanha
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Um governo "irresponsável", "incompetente", que "odeia a Alemanha": Alice Weidel, co-líder do partido populista AfD, não costuma poupar nos insultos ao executivo do chanceler Olaf Scholz. Em plena campanha para as eleições europeias, as críticas sobem de tom.

"Esta gente não devia governar este país!", comentou Weidel logo no arranque da campanha. "Olhem para figuras como [o ministro da Saúde] Karl Lauterbach. Essa irresponsabilidade personificada. Como se não tivéssemos outros problemas, ele vem e diz: 'Vamos legalizar a canábis'. Erva para todos!"

As preocupações da AfD

A dirigente fala mais sobre política interna do que sobre a União Europeia. "O nosso país primeiro" é um dos slogans da campanha da AfD para as eleições de 9 de junho. Faz lembrar o "América primeiro", do ex-Presidente norte-americano Donald Trump.

A AfD defende uma Europa de "pátrias soberanas"; quer restringir a imigração e reintroduzir as moedas nacionais. Exige o fim das sanções à Rússia e quer reativar as centrais nucleares na Alemanha, para ter energia mais barata. Pede ainda negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia.

"Se há pessoas como a ministra dos Negócios Estrangeiros ou o chanceler que querem a guerra, que nos querem sobrecarregar e enviar armas; se querem enviar soldados, então que vão eles para lá e que mandem os filhos deles!", disse Weidel.

À primeira vista, a campanha para as europeias corre mal à AfD.

Primeiro, um assistente do cabeça de lista do partido, Maximilian Krah, foi acusado de espiar para a China. Depois, um tribunal declarou a AfD como potencialmente extremista. A seguir, Krah disse que nem todos nas tropas de choque nazis eram criminosos, e o partido foi expulso da sua família europeia, o grupo Identidade e Democracia (ID).

Mas nada disso parece afetar a popularidade do partido na Alemanha. A AfD vai bem nas sondagens. Tombou um pouco com os escândalos, mas continua em segundo lugar com cerca de 15 a 20% das intenções de voto. Afinal, a campanha não parece correr assim tão mal.

À Renascença, a politóloga alemã Ursula Münch explica que a AfD tem simpatizantes fiéis. Ou então é a insatisfação com o governo do chanceler Scholz que fala mais alto: "As pessoas têm a impressão de que esta coligação governamental se preocupa sobretudo com a [legalização] da canábis ou com os direitos das minorias, e que talvez os grandes problemas não estejam a ser suficientemente abordados, seja porque isso sai caro ou porque há divergências entre os partidos no governo sobre a forma de os resolver."

As preocupações dos demais

Os partidos no governo estão preocupados com o crescimento da AfD.

Nos cartazes de campanha, o Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler Scholz, desaconselha os eleitores a votar nos extremos, apelando à moderação. Os Verdes prometem defender a diversidade e a liberdade contra os extremistas de direita, e os liberais do partido FDP dizem que é preciso controlar a migração, caso contrário quem o fará serão as "pessoas erradas".

Mas a verdade é que a maioria da população também está preocupada. A insatisfação com o governo ronda os 74%, segundo uma sondagem publicada no final de maio. As pessoas estão aflitas com o alto custo de vida e os salários apertados, ou então têm medo que a chegada de cada vez mais migrantes ao país desestabilize as comunidades ou sobrecarregue ainda mais as instituições.

"As pessoas têm a sensação de que os partidos governamentais estão demasiado focados na chamada 'política da sociedade' e pouco focados no crescimento económico, no controlo da migração ou na política social, apesar de termos um Estado-providência bastante desenvolvido", refere a politóloga Ursula Münch, diretora da Academia de Formação Política em Tutzing, no estado da Baviera.

O Presidente da República, Frank-Walter Steinmeier, está igualmente preocupado.

Nos últimos meses, vários políticos no país têm sido atacados; receia-se que, com a ascensão do populismo, se comece até a colocar em causa as instituições democráticas. Steinmeier diz que tem notado uma "alienação crescente" entre a política e a sociedade, e deixou um alerta ao discursar por ocasião dos 75 anos da Constituição alemã.

"As mães e os pais da Lei Fundamental […] viram como os alemães destruíram a sua primeira democracia", no início do século XX, lembrou o Presidente. Viram "como a democracia pode morrer por dentro se não for suportada pela maioria dos seus cidadãos. Como os inimigos da democracia a podem destruir — com os meios da democracia."

Quatro eleições que inquietam

No final do ano, haverá três eleições importantes no leste da Alemanha, nos estados da Saxónia, Turíngia e Brandemburgo — nos três, os populistas de extrema-direita da AfD estão à frente nas sondagens. E no ano que vem, há eleições federais.

Steinmeier pediu aos alemães para defenderem a democracia: "Os próximos anos vão exigir muito de todos nós, mas sobretudo dos nossos dirigentes políticos". Particularmente, referiu ainda o Presidente alemão, porque as crises se sucedem e há uma guerra à porta da União Europeia.

Os conservadores da CDU/CSU têm dito durante a campanha que é preciso defender a prosperidade e a liberdade na Europa, se for preciso recorrendo às armas. A cabeça de lista dos conservadores é a atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que se recandidata ao cargo.

Von der Leyen e a CDU/CSU pretendem reforçar a capacidade militar europeia, investir mais em armamento no continente e assumir "mais responsabilidades na NATO".

"Temos de investir mais na paz e na liberdade, porque o preço que teríamos de pagar se a Rússia anexasse a Ucrânia seria muito mais alto. Temos sobretudo de investir mais na indústria de defesa europeia", afirmou a candidata durante um comício em Berlim, no início de maio.

"Queremos uma Europa que se consiga defender a si própria", acrescentou. É que, além das europeias, há outras eleições este ano que preocupam muitos políticos no continente: as presidenciais nos EUA.

O medo é que Donald Trump volte à Presidência norte-americana, em novembro, e o "América primeiro" volte a ser a política dominante. As parcerias transatlântica e de segurança poderiam ficar por um fio — ao fim e ao cabo, não foi assim há tanto tempo que Trump, ainda como Presidente, ameaçou retirar os Estados Unidos da NATO.

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