Santarém

Mário Pereira, 56 anos, sargento-mor do Exército (na reserva)

Considerado um distrito dormitório de Lisboa, o círculo eleitoral de Santarém tem vindo a envelhecer – desde as legislativas de 2015, perdeu mais de 12 mil eleitores. Por continuar no limbo no que respeita à divisão administrativa, o distrito enfrenta dificuldades acrescidas na obtenção de fundos comunitários. ​Foi no distrito de Santarém, em Tancos, que ocorreu um dos episódios mais marcantes da história recente da segurança nacional, que tem servido de alimento aos líderes dos partidos neste período de campanha eleitoral. Este ano elege nove deputados, menos um do que nas legislativas de 2011.

Foi a partir de Santarém, da Escola Prática de Cavalaria, que saíram as forças lideradas por Salgueiro Maia com a missão de ocupar o Terreiro do Paço no dia 25 de Abril de 1974. E quatro décadas depois, o distrito volta a ser palco de um dos mais marcantes episódios das Forças Armadas Portuguesas – o assalto a Tancos. O sargento-mor do Exército Mário Pereira, na reserva desde 2018, ingressou nas Forças Armadas através do serviço obrigatório e fez parte da carreira militar no Campo Militar de Santa Margarida, a pouco mais de dez quilómetros dos Paióis Nacionais de Tancos.

As Forças Armadas hoje só existem pelos compromissos internacionais

A atuação política que tem sido feita na área pública, a todos os níveis, limita-se a reduzir. No caso das Forças Armadas acontece o mesmo. Reduzem-se os investimentos. Hoje, As Forças Armadas só existem devido aos compromissos assumidos a nível internacional, porque vê-se que é onde se fazem os investimentos. As unidades em Portugal estão desfalcadas de meios e pessoas. O Campo Militar de Santa Margarida, que era a fina flor do Exército, encontra-se num estado lamentável. Hoje não sei se haverá 500 profissionais ali, quando nos anos 1990 havia mais de 5 mil.

Assalto a Tancos: culpa é do Exército, responsabilidade é dos políticos

A culpa do assalto, na minha opinião, é militar na ótica de não ter guardado o que tinha à sua guarda, mas a total responsabilidade do assalto é política, porque o Estado não deu as condições financeiras e materiais para que os militares conseguissem garantir a segurança física dos paióis. Os grandes responsáveis do assalto são os políticos pela falta de investimento. Quem fez o assalto terá conseguido recolher a informação necessária sobre o estado em que se encontravam as instalações e qual era o procedimento feito ao nível da segurança. O que aconteceu em Tancos espelha o nível de degradação a que chegaram as Forças Armadas.

Há décadas que não escolho nenhum dos partidos do arco do poder

Enquanto cidadão, assisti a 45 anos de governação entre PS e PSD. Quem poderão ser os culpados do estado em que se encontram as Forças Armadas? Sempre votei e este ano irei fazê-lo, mas há décadas que não escolho nenhum dos partidos do arco do poder. Uma democracia deve pautar-se por diversidade de partidos no Parlamento e seria bom que os partidos pequenos conseguissem eleger mais deputados. Possivelmente é por aí que irei escolher, porque os partidos grandes estão garantidos.

Hoje é muito difícil querer ser militar ao ingressar como voluntário

Ao longo da minha carreira, nunca fiz o frete de ir para o trabalho mas, face à degradação das condições de unidades por onde estive e ao reduzido efetivo, a minha motivação foi diminuindo. Respondendo à questão sobre se hoje ingressaria na vida militar, conhecendo a realidade atual, possivelmente não. Hoje seria muito difícil querer ser militar ao ingressar como voluntário.

Habitações dadas aos militares são degradantes

No Exército, as condições de habitação e o conforto que é dado aos militares, em particular aos praças, é degradante. Se nos anos 1950 estas instalações militares poderiam ser um sonho para alguns jovens das aldeias, 70 anos depois as unidades não se adaptaram. Quando os jovens chegam aos quartéis têm um choque, porque estão habituados a ter muito melhores condições de habitabilidade na vida civil.

Não é com ordenados destes que se cativam jovens para a carreira militar

Os militares, sobretudo em regime de contrato, se não forem valorizados através do vencimento não irão permanecer muito tempo nos quartéis. No entanto, há militares com cargos de liderança que acreditam que os jovens vão para a tropa porque gostam do serviço militar, quando na verdade chega a haver quem pague milhares de euros para rescindir contrato. Não é com ordenados muito abaixo da média nacional que se conseguem cativar jovens para a carreira militar.

Se um sargento tem qualificações reconhecidas é porque as pagou

Os quatro anos que fiz de formação em manutenção de rádios traduzem-se em zero no que respeita ao currículo académico. As qualificações dos militares, sobretudo as dos sargentos, vêm de uma formação que não é reconhecida, mesmo hoje. Os sargentos fazem anos de formação na Escola de Sargentos do Exército e, apesar de serem profissionais altamente qualificados, que operam o sistema de armas e dão formação aos soldados e a outros graduados, ao nível académico é como se tivessem feito apenas o 12.º ano. Se um sargento tem alguma qualificação reconhecida pelo Ministério da Educação é porque a pagou.

Há militares altamente qualificados a pedirem rescisão do contrato

O cidadão imagina que os investimentos que são feitos ao comprar munições e armas têm como finalidade a guerra e não a manutenção da paz, que é o propósito das Formas Armadas. No entanto, não existe "follow-up" dos investimentos do Estado e o cidadão sente-se afastado da política pelo desconhecimento que existe sobre muitas medidas e investimentos. Fez um ano que a Força Aérea recebeu helicópteros novos, no entanto, não consegue formar pilotos. Fez-se um grande folclore na apresentação dos novos meios aéreos, mas a verdade é que os meios estão parados e os pilotos continuam estagnados em Beja. Não existem condições para a formação, o que já levou muitos destes militares altamente qualificados a pedirem o abate ao quadro (rescisão do contrato).

Devia ser criado um limite de mandatos para os deputados

Na Assembleia da República, deviam acabar com as conversas sobre as reformas do funcionalismo público, que é uma conversa de 45 anos. Deve reformar-se fundamentalmente os políticos. A alteração que foi feita, durante o Governo de José Sócrates, ao criar um limite de mandatos dos presidentes das Câmaras devia ser aplicada também ao número de mandatos como deputado no Parlamento. Há muitos dinossauros a usar o hemiciclo como local de negócios e não para governar o país.