Beja

João Cortez Lobão, 57 anos, produtor de azeite

Todo o distrito de Beja tem menos 40 mil habitantes do que a Amadora, o quinto município mais pequeno de Portugal em área. Em mais de dez mil quilómetros quadrados vivem 141 mil habitantes, que elegem apenas três deputados. Em Beja, apenas 42% da população é ativa e, em 15 anos, o distrito viu o número de habitantes diminuir em 10 mil pessoas.

No ano passado, o Alentejo atingiu 70% da produção nacional de azeite, com 50 mil hectares de novos olivais, maioritariamente plantados em redor do Alqueva. O olival por sebe, ou por regadio, veio transformar a forma como se produz o azeite em Portugal, permitindo plantações perenes, com a apanha mecanizada da azeitona.

João Cortez Lobão trabalhou na bolsa em Nova Iorque e num banco privado em Lisboa antes de ficar à frente da Herdade Maria Guarda, uma das propriedades do interior alentejano que beneficiou da criação do maior lago artificial da Europa. Em menos de duas décadas, o negócio familiar tornou-se a segunda maior empresa exportadora de azeite. Desconhecida do público português, a herdade com mais de 300 anos produz dois milhões de quilos de azeite por ano. Com 1,3 milhões de árvores plantadas, contribui todos os anos com oito toneladas de oxigénio para o planeta, em que cada duas oliveiras limpam a poluição emitida por um automóvel anualmente.

Os alentejanos sabem que não são prioridade

Temos a esperança de que, a certa altura, alguém dê a devida atenção ao Alentejo, que reconheça o trabalho e esforço daquilo que fazemos, sem as constantes críticas. Não é bom as pessoas virem de Lisboa caçar ao Alentejo e quando regressam criticam-nos porque não fizemos isto ou aquilo. Os alentejanos têm consciência de que não são nem nunca foram uma prioridade para quem está a olhar a partir de Lisboa.

Seria útil não ligar apenas ao número de habitantes para eleger deputados

Ainda não há autoestrada e hoje é praticamente impossível vir de comboio para Beja ou para Serpa, o que contribui para colocar os alentejanos ainda mais longe dos centros de decisão. Apesar da baixa densidade populacional, o distrito de Beja contribui de forma muito importante com a agricultura, alimentos e limpeza da atmosfera. Seria útil se pudéssemos ter uma voz mais ativa no Parlamento e ter mais deputados, não ligar apenas ao número populacional mas também ao que a região contribui com produção e exportação. Três deputados é pouco para a importância que o distrito tem.

Gostava de ver menos política barata

Antes havia uma agricultura de culturas anuais, mas finalmente conseguimos ter uma produção com uma estratégia a longo prazo: plantar para 25 anos, para 50 anos. Gostávamos que na política também houvesse discussões de temas estratégicos. Qual o papel de Portugal no mundo? O que queremos ser daqui a 50 anos? Como nos defendemos nas grandes instituições internacionais? Porque é que é importante marcar a nossa presença com dignidade e respeito nas instituições internacionais? A presença económica não tem a ver com a dimensão geográfica, tem a ver com a inteligência estratégica de um país. Portugal precisa de uma unidade política forte e de deixar este debate da chacota política, que chega a ser confrangedor. Gostava de ver menos política barata e mais noção do papel de Portugal no mundo, menos imediatismo e mais estratégia.

Nos últimos anos autoridades travaram apoios

Há uma estrutura burocrática que constantemente põe em causa a bondade e o esforço dos empresários agrícolas. Houve, de facto, sobretudo no início, uma boa capacidade de apoiar diretamente e com rapidez os investimentos. Mas ao longo do tempo isso desapareceu e com base num erro quer-se parar tudo e criar mecanismos complicadíssimos e contraditórios de acesso a apoios. Nos últimos quatro anos houve um trabalho adicional da parte das autoridades para travar muitos dos apoios que facilitaram um rápido crescimento. Tem de se partir do princípio de que as pessoas são sérias, e não o contrário.

É importante pagar impostos, mas o Estado não dá o exemplo

A carga dos impostos é um travão, é um "parceiro" que nos leva todos os anos uma parte dos resultados. É importante pagar impostos, mas no geral o Estado não dá o exemplo ao cortar na despesa. De cada vez que o Estado gasta demasiado, lança um novo imposto, que já não é sobre os lucros, mas sobre outra coisa qualquer. O Estado devia dar o exemplo de moralizar o sistema ao fazer aquilo que os empresários fazem: o controlo de custos e rigor nas despesas para poder ter as receitas equilibradas. Temos uma carga de imposto que é exagerada para a capacidade que os portugueses têm de gerar riqueza.

Empresas que criam oxigénio deviam ser credoras de dinheiro

Por cada três oliveiras limpamos da atmosfera o que um carro em Lisboa polui durante um ano. Com um milhão e 300 mil oliveiras, limpamos muita poluição da atmosfera. Todo o olival que existe no Alentejo limpa da atmosfera o que uma pequena cidade produz de poluição. Seria bom olhar para esse esforço e criar um benefício fiscal para os empresários que estão a ajudar a criar um melhor ambiente para todos, incluindo aqueles que estão na cidade.

O que se ouve está muito longe da realidade

Em relação ao cultivo por sebe [cultivo intensivo com rega gota a gota], fazemos análises ao solo todos os anos e verificamos que nos sítios onde plantamos a terra está muito mais rica. Começaram a aparecer cágados, um animal que existe há milhões de anos nesta região mas que foi desaparecendo com as campanhas dos trigos e dos cereais, tal como as lontras, javalis e aves. Há quem esteja sentado em Lisboa, num gabinete, e acha que não é assim, que o cultivo por sebe é prejudicial para o ambiente, mas estão todos convidados a virem ver a fauna que aqui existe em vez de lerem algumas notícias. Por vezes o que se ouve falar está muito longe da realidade no nosso mundo, do nosso trabalho do dia a dia.