28 out, 2024 - 19:45 • Liliana Carona
Ainda que à primeira vista, se possa pensar que se trata de uma amizade improvável, não é a diferença de idades de 36 anos, que abala a cumplicidade que, desde o primeiro dia, existe entre Amélia Costa e Papazinho Nhon Djú.
Ela é professora do ensino especial, tem 65 anos e viu entrar na sua casa, na Guarda, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, o sociólogo Papazinho Nhon Djú, 29 anos, da Guiné Bissau.
Hoje, ainda tem no telemóvel o grupo de WhatsApp onde as famílias de acolhimento da Guarda continuam a trocar mensagens, apoiando os peregrinos que receberam. Preocupada como uma mãe, Amélia Costa, professora de 65 anos, abraça aquele que passou a ser ‘filho’ depois da última Jornada Mundial da Juventude. Nunca mais se largaram, numa amizade vigilante e permanente. Papazinho recorda que a primeira vez do encontro foi no Seminário, ele e o amigo Mateus, “escolhidos pela nossa mãe”.
Foi tão bem acolhido e gostou tanto da tranquilidade da Guarda, que Papazinho começou a partilhar com a sua ‘mãe’ que, após o fim da JMJ, um dia, gostaria de regressar a Portugal, mas para viver. Amélia relembra um “jovem vestido de uma forma típica, com uma saia de palha, que dançava muito”, referindo-se a “eles como pessoas muito humildes e simpáticas”.
Mas Amélia não nega que se mostrou reticente ao escutar as intenções de Papazinho.
“Ele vinha de um país quente e, diga-se de passagem, que eu não estimulei muito a vinda dele. Eu perguntava-lhe se vinha sem trabalho garantido. Mas ele respondeu sempre, que Deus ajuda e disse-me: Mamã já estou de viagem marcada”, sorri a professora ao contar ainda que Papazinho sempre teve a intenção de continuar os estudos, ou seja, tirar o mestrado na área da sociologia.
E Deus ajudou, como profetizava Papazinho Nhon Djú, 29 anos, natural da Guiné Bissau, já a trabalhar na empresa SUMA, na Guarda. Deixou o país de origem em outubro do ano passado, mas a família está sempre no pensamento, na luta dos dias.
Ao receber o vencimento, no final do mês, Papazinho envia quase o salário todo para a Guiné. O objetivo principal é ajudar a família, porque é “o único a trabalhar e o salário na Guiné não dá para aguentar essa família, muito numerosa”.
“Os meus irmãos, somos sete, primos e primas, todos têm de ficar numa mesma casa e somos já 18. Tudo depende de mim, tenho mulher e 1 filho de quase 2 anos”, desvenda ainda.
De momento, Papazinho anda à procura de casa na Guarda, mas as rendas elevadas estão a dificultar-lhe a vida.
“Tenho trabalho, mas não tenho casa, estou na procura. Estou com um primo meu, mas o senhor da casa diz que a casa está praticamente vendida, então estamos à procura de um novo apartamento”, desabafa o jovem guineense que sonha poder um dia trazer a mulher e o filho para a cidade mais alta, no país onde as palavras do Papa Francisco fizeram mais sentido.
“Todo o Ser Humano tem lugar na Igreja, essa mensagem marcou-me muito”, assume o peregrino da JMJ Lisboa.
É sempre com um abraço apertado que cumprimenta aquela que passou a ser tratada como mãe, Amélia Costa, a professora da Guarda, que prestou todo o apoio a Papazinho, quando há um mês recebeu a notícia do falecimento da mãe biológica.
“Arranjou-me tudo. Esta é uma segunda mãe, porque a minha faleceu no dia 20 de setembro passado. Mas senti-me confortável com essa família que Deus me deu aqui na Guarda, porque ao informar-lhes que a minha mãe morreu, em menos de uma hora, deram-me um apoio enorme. Era até para ir assistir ao funeral da minha mãe, mas como tratar dos documentos é difícil, acabei por ficar”, lamenta Papi, como é carinhosamente tratado por Amélia.
Papazinho nunca tinha estado em Portugal e muito menos sentido um frio semelhante ao que experimenta na cidade mais alta de Portugal Continental. Mas Amélia está sempre atenta ao peregrino da vigararia de Biombo, paróquia da Nossa Senhora de Fátima, de Quinhamel, onde no tempo mais frio, se registam 24 graus, bem longe dos graus negativos da Guarda.
“O cunhado dela comprou-me um telemóvel, e a minha mãe e os colegas dela, compraram-me um carrinho para o meu filho, ofereceram-me muitas coisas, deram-me atenção e deram-me conselhos, a minha mãe portuguesa assiste-me espiritualmente, preocupa-se com a minha vida diariamente”, descreve Papazinho sobre a relação de amizade com Amélia.
A professora da Guarda, Amélia Costa aproveita o momento para apelar à sensibilidade de todos os que se cruzem com pessoas como Papazinho.
“Darmos aquilo que podemos dar e não ficarmos insensíveis àquilo que está à nossa volta, não condenarem tanto, porque há situações que merecem atenção e acolhimento, há pessoas que precisam ser acolhidas e ajudadas. E o ‘Papi’ é um bom exemplo de boa integração sim, é uma pessoa que cativa com o jeitinho dele, com esta humildade, vai dizendo sempre, eu confio, eu vou conseguir. E tem conseguido, eu acho que ele está rodeado de boas pessoas que o têm ajudado”, conclui.