26 nov, 2024 - 06:15 • Diogo Camilo
Não são só os pais e as mães que sentem que mais escolas estão a fechar no início deste ano letivo, em relação ao anterior. Diretores de agrupamentos confirmam o cenário à Renascença, com escolas a terem encerrado em sete dias diferentes nas primeiras nove semanas de aulas. Em todos eles não estavam marcadas greves de professores, mas sim de não docentes. Os sindicatos envolvidos falam em adesões elevadas, mas o Ministério da Educação não avança números.
A única vez que o ministro Fernando Alexandre se pronunciou sobre o fecho de escolas neste ano letivo aconteceu a 15 de novembro, para anunciar que 6% dos estabelecimentos tinham encerrado após greves de não docentes nesse mesmo dia.
No entanto, e apesar de sucessivas tentativas da Renascença em obter o número de fecho de escolas noutros dias de greves - a primeira aconteceu há mais de dois meses - e no ano passado, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) remeteu sempre uma resposta para depois. A Renascença também questionou o Governo sobre o número exato de escolas que encerraram neste dia 15 de novembro, não tendo recebido resposta em tempo útil de publicação deste artigo.
Diretores de quatro escolas explicam que a indicação do fecho de um estabelecimento escolar em dia de greve é feita ao Ministério da Educação no próprio dia num portal específico para o efeito, o que explica como a tutela teve acesso a quantas escolas fecharam no dia 15 de novembro - e como saberá também o número de escolas que fecharam nos outros seis dias de paralisações desde o início do ano letivo.
“O Ministério da Educação deverá ter esses números porque nós reportamos esses dados numa plataforma própria para a tutela”, afirma Filinto Lima, diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia. Jorge Nascimento, diretor do Agrupamento Bartolomeu de Gusmão, em Lisboa, também confirma que esse reporte é feito “no próprio dia” e em “dois momentos” ao Ministério da Educação e à Câmara Municipal respetiva.
Explicador Renascença
Só em dois meses de aulas, centenas de escolas já (...)
A greve do dia 15 de novembro, a última de sete neste ano letivo, foi convocada pelo S.TO.P (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação).
O sindicato não tem ainda números fechados sobre o fecho de escolas, mas defende à Renascença que esta foi “uma das greves com maior impacto”, que “é habitual” que o Ministério da Educação “artificialmente puxe os números para baixo” e que os 6% avançados pelo ministro significam “mais de 270 escolas encerradas”, a que se somam “muitas mais que ficaram a meio-gás”.
Para efeitos de comparação, a greve de maior adesão de professores no ano passado, que ocorreu a 6 de outubro, levou ao fecho de pouco mais de uma centena de escolas, segundo a FNE, citada pelo Público. A Fenprof, que integra a plataforma sindical que convocou o protesto, colocou o número bem acima e avançou na altura que 90% dos estabelecimentos de ensino de todo o país encerraram.
Olhando ao número de greves no setor da educação, não seria de prever um crescimento no número de escolas fechadas. Entre setembro e outubro, a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) contabilizou 48 pré-avisos de greve, com grande parte a ser convocada por docentes, relativas a horas extraordinárias, ou a nível distrital ou de agrupamento.
No mesmo período do ano passado registaram-se 84 pré-avisos de greve - quase o dobro do número no início deste ano letivo. O mês passado foi mesmo o outubro com menos pré-avisos de greve na educação desde que há registo na DGAEP, abaixo até do número em 2020, o ano em que começou a pandemia da Covid-19.
As greves na educação ocupam, todos os anos, uma grande fatia das greves que se realizam no país. Segundo o relatório da DGAEP de balanço do ano passado, em 2023 foram realizadas 663 greves no setor da educação - que representam cerca de 75% de todas as greves.
Destas, 613 greves (92%) foram de docentes, enquanto apenas 50 (8%) foram convocadas por não docentes.
No entanto, dos 48 pré-avisos de greve em setembro e outubro deste ano, os cinco relativos a não docentes levaram todos ao fecho de escolas em grande número. E a estes somam-se ainda mais duas paralisações realizadas em novembro.
O próprio ministro da Educação, Fernando Alexandre, defendeu estar em causa um problema com os assistentes operacionais que trabalham nas escolas. “É disso que se trata. Não são greves de professores, são greves de pessoal não docente”, adiantou a 15 de novembro, no dia da última de sete paralisações.
E os diretores das escolas explicam à Renascença o porquê.
“É mais fácil não abrir uma escola por motivos de greve quando a greve é dos assistentes operacionais, ou de funcionários, do que quando é de professores. Porque nas escolas, por exemplo do 1.º ciclo, onde já há poucos funcionários, faltando um ou dois, as escolas não têm condições para abrir portas”, afirma Filinto Lima, também presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
No caso de greves de professores, mesmo que o docente de uma ou duas disciplinas faça greve, a escola não encerra.
Já Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE), aponta que, enquanto que no caso de greve de docentes uma escola só fecha “se faltarem os professores todos”, no caso de greves de não docentes, se faltarem “mais de 50%, não há garantia para a segurança completa dos alunos”.
Os professores também confirmam o efeito superior das greves de não docentes no fecho das escolas. Em declarações à SIC esta segunda-feira, Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, defendeu os protestos de assistentes operacionais, um grupo de trabalhadores “extremamente desvalorizados” onde uma “adesão de 10% ou 15%”, dependendo dos serviços, fecha as escolas.
Todas têm a mesma particularidade: aconteceram em dias colados aos fins de semana, sejam sexta-feira, segunda-feira ou quinta-feira antes de um feriado.
E foram convocadas por diferentes sindicatos: 20 de setembro (STAL), 27 de setembro (SITOPAS), 4 e 25 de outubro (STAL e Frente Comum), e 31 de Outubro (STTS). Este mês aconteceram mais duas: a e 4 de novembro (Frente Comum) e 15 de novembro (S.TO.P).
Por comparação, nos últimos dois anos foram convocadas por não docentes apenas quatro greves, que levaram ao fecho de escolas nos primeiros meses de aulas: duas em 2023 - pelo SITOPAS a 27 de outubro e pelo STAL a 29 de novembro; em 2022, os mesmos sindicatos convocaram greves para 2 e 18 de novembro.
A Renascença pediu, por várias vezes, os números de adesão das diferentes greves e de escolas encerradas no início deste ano letivo e do anterior ao Ministério da Educação, que não respondeu até à hora da divulgação da notícia.
Só a plataforma própria para a comunicação do encerramento de escolas tem números exatos de quantas escolas fecharam, mas alguns sindicatos fizeram a contabilização através de associados e delegações sindicais.
Na segunda greve deste ano letivo, que aconteceu a 27 de setembro, o SITOPAS (Sindicato Independente dos Trabalhadores de Organismos Públicos e Apoio Social) avança à Renascença uma “adesão de 70 a 80%”, em que “cerca de 60% das escolas fecharam” parcialmente ou totalmente - o que significa o fecho de pelo menos 2.500 escolas em todo o país.
O sindicato explica que, muitas vezes, “trabalhadores precários são colocados a substituir outros trabalhadores", o que impede o fecho efetivo das escolas.
Para a greve de 4 de novembro, a última antes da paralisação do S.TO.P, a Frente Comum refere que “mais de 90% das escolas fecharam”, o que significa mais de quatro mil estabelecimentos encerrados, com a adesão dos assistentes operacionais “entre os 85% e os 90%”. Para a greve de 25 de outubro, a frente sindical fala em “muita adesão”, mas sem números concretos.
A última greve até ao momento, a 15 de novembro, foi a única para a qual o Governo anunciou números, com o ministro Fernando Alexandre a avançar que 6% das escolas fecharam neste dia.
À Renascença, André Pestana, coordenador do S.TO.P, refere que o sindicato ainda não tem números de adesão ou de escolas fechadas como consequência da greve, mas duvida da percentagem atirada pelo Ministério da Educação no próprio dia do protesto.
“É habitual que a entidade patronal artificialmente puxe estes números para baixo”, indicando que, a ser verdade, o Ministério da Educação está a admitir que “mais de 270 escolas encerraram”, enquanto “muitas mais ficaram a ‘meio-gás’”, referindo que esta foi “uma das greves com maior impacto” deste ano letivo.
O fecho de escolas sentiu-se um pouco por todo o país e não fez distinção entre escolas, acontecendo episódios em que, no mesmo agrupamento, uma escola estava fechada e outra não.
“É possível que numa escola, os assistentes estejam a faltar e a escola tenha que encerrar e nas outras escolas não estejam assistentes a faltar e a escola possa manter-se a funcionar”, explica Manuel Pereira, também diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto em Cinfães, no distrito de Viseu.
O mesmo explica Filinto Lima, diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos.
“Tivemos cinco greves convocadas por sindicatos da Educação e mais duas convocadas por sindicatos da Função Pública, portanto há escolas que fecharam um dia, dois dias, mais de quatro dias”, indica.
Foi o que aconteceu no Agrupamento de Escolas Manuel da Maia, em Lisboa. Luís Mocho, o diretor, conta à Renascença que as escolas fecharam em todos os dias de greve de não docentes, com exceção dos últimos dois dias, em que duas encerraram e outra não.
“Nos dois últimos dias de greve, a escola sede encerrou [a Escola Básica Integrada Manuel da Maia] e tivemos uma escola de 1.º ciclo encerrada e outra aberta”, afirma o diretor do qual fazem parte também as escolas Santo Condestável e Fernanda de Castro.
Uma das grandes reivindicações dos sindicatos de não docentes é a revisão da portaria de rácios, que determina quantos funcionários cada escola pode ter - e que não é revista há mais de três anos.
A última revisão do diploma aconteceu em outubro de 2020 mas só entrou em vigor no ano seguinte, era o ministro o socialista Tiago Brandão Rodrigues, com o diploma a permitir um reforço de mais dois mil trabalhadores não docentes - 1.190 assistentes operacionais e 810 assistentes técnicos.
Esta é uma situação que também é pedida pelos próprios diretores. Filinto Lima pede mais funcionários nas escolas e diz que os profissionais têm “muita razão” naquilo que reivindicam, referindo que a classe é "pau para toda a colher".
“Cada vez temos mais alunos com necessidades específicas. Temos alunos filhos de imigrantes e é necessário fazer a integração devida e esses profissionais também nos ajudam nesta tarefa”, indica, pedindo urgentemente ao Ministério da Educação que faça a revisão da portaria.
O número de funcionários nas escolas tem vindo a subir nos últimos três anos letivos, segundo os números da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), mas continuam abaixo do que estavam há 10 anos, numa altura em que o número de alunos também está ligeiramente em baixo, mas as necessidades são diferentes.
A presidente do STAL refere à Renascença uma luta mais antiga, que vem já desde 2009: a da criação de carreiras especiais para trabalhadores não docentes, uma vez que atualmente estão inseridos na categoria de assistentes operacionais.
“Os trabalhadores das escolas são todos assistentes operacionais. Deram-lhes este nome, muito embora a profissão deles seja de auxiliar de ação educativa, mas foram todos arrolados nesta carreira geral de assistente operacional e têm todos o salário mínimo nacional, de 821 euros”, começa por explicar.
Cristina Torres lembra que estes funcionários recebem o salário mínimo e que muitas vezes o seu horário ou função varia de semana para semana ou de dia para dia.
“Trabalhar por 821 euros em escolas onde o trabalho é duríssimo, com uma diversidade de funções enorme, com horários de sete horas, mas que ora são de manhã, ora são à tarde, com a situação de muitos deles serem confrontados com ‘hoje estás na escola, amanhã preciso que vás para outra’. São trabalhadores que, pelas condições tão más de trabalho, aderem à luta”, lamenta.
A situação complexa acontece desde 2019, quando foi promulgado o diploma de descentralização da educação, mas só começou a ser concretizada em 2021.
Educação
Paralisação na Educação desta sexta-feira é a sext(...)
Para o sindicato, a municipalização dos funcionários de escolas veio “desresponsabilizar” o Ministério da Educação, considerando inaceitável que trabalhadores não docentes sejam colocados a realizar tarefas no âmbito das câmaras municipais em períodos não letivos.
A 15 de novembro, no último dia de greves de não docentes, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) descartou culpas neste dossier, dizendo ao Público que a valorização da carreira destes profissionais “é matéria de competência do Governo e não dos municípios”, apesar de reconhecer a “necessidade de valorização” da carreira.
No mesmo dia, o ministro da Educação disse estar - com a ANMP - “ trabalhar para melhorar o enquadramento” daqueles profissionais. “Nós consideramos que não há problema de o pessoal não docente estar afeto às autarquias, mas há um aperfeiçoamento a fazer neste processo, que os municípios concordam”, acrescentou Fernando Alexandre.
Quatro dias depois, o ministro atirou culpas ao pessoal não docente, afirmando que, na descentralização de competências da administração central para os municípios, o setor "não foi devidamente organizado", prometendo um plano para um futuro não muito distante: "É isso que estamos a fazer e penso que, em breve, poderemos apresentar uma solução para resolver o assunto, que espero seja bem aferida", afirmou.
Mas o trabalho para melhorar a carreira de não docentes não tem sindo feito com sindicatos - pelo menos não com todos.
À Renascença, o SITOPAS - que fez a segunda greve, a 27 de setembro - revela que a paralisação “automaticamente deu origem a uma negociação extra com o Governo”, antes do Orçamento do Estado para 2025, que permitiu a melhoria dos salários para os 878,41€, em vez dos previstos 875€.
“Temos a noção de que este aumento salarial não vai ser, de todo, suficiente para a dita inflação e o aumento [do preço] dos produtos de primeira necessidade”, afirma Pedro Silva, membro da direção do sindicato, que não fará mais greves este ano.
No entanto, a Frente Comum fala à Renascença de um “esquecimento” do Governo: a última reunião da frente sindical com o Ministério da Educação foi a 3 de julho.
Havia nova reunião agendada para o dia 28 de agosto, mas que foi desmarcada uma semana antes da data pelo ministro Fernando Alexandre, que se reuniu em audições a municípios em vez de se reunir com os sindicatos.
Desde então, e mesmo depois de greves de não docentes marcadas para outubro e novembro, a Frente Comum garante não ter recebido qualquer contacto do Governo para novas negociações de melhoria das condições dos assistentes operacionais.