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Web Summit 2024

De Lisboa a Luanda, há quem acredite que o ChatGPT “à portuguesa” vai ajudar mulheres e escolas

14 nov, 2024 - 12:33 • Alexandre Abrantes Neves

O governo afirma que o LLM português vai responder aos "riscos e dependência" do estrangeiro, mas quem trabalha na área diz que essa visão é "dramática". O certo é que agora há "oportunidade para criar um modelo em condições" - para ajudar as escolas, quebrar preconceitos de género e classe e, claro, "honrar a cultura portuguesa".

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Reportagem LLM português Alexandre Abrantes Neves
Ouça aqui a reportagem da Renascença. Foto: Jakub Porzycki/ Reuters

Fizemos o teste. Abrimos o Chat GPT e pedimos uma “explicação em três linhas” da importância de criar um parente desta ferramenta com carimbo português: “é importante porque vai entender melhor a cultura e expressões locais, facilitar o acesso à tecnologia para falantes de português e promover inovação e desenvolvimento no campo da inteligência artificial (IA)”.

Poderíamos fazer-lhe um batalhão de perguntas sobre o que será este modelo, mas o exercício não passaria de futurologia. O anúncio do primeiro grande modelo de linguagem (LLM, do “large language model”) em português foi um dos destaques da Web Summit, mas pouco ainda se sabe desta ferramenta prometida para o primeiro trimestre de 2025 – do Governo, há apenas a justificação, enviada ao jornal Público, de que “a dependência de LLM estrangeiros traria muitos riscos a nível da representação cultural”.

Mas nos corredores da Web Summit, o entendimento de quem estuda, trabalha e faz negócio nesta área é diferente. Ramon Marrero, CEO da startup Arelis (que se dedica a tornar os LLM mais eficientes) cola o anúncio de Montenegro e a justificação do Governo a um “dramatismo desnecessário”: “Ao final do dia, podes usar outras ferramentas que já respondem em português e ter a mesma produtividade”.

O principal objetivo aqui é, por isso, político e “não há mal nenhum” em assumir que queremos apenas ser um país de mãos dadas com a inovação. “Ouvimos falar muito nos problemas destas ferramentas, mas toda a gente reconhece o potencial e o aumento de produtividade que permite, ou não?”, lança o repto a quem não é tão otimista.

A escassos metros da banca desta startup, encontramos o stand do "local do crime". O Instituto Superior Técnico em Lisboa tem sido avançado como uma das instituições responsáveis pela elaboração do modelo. Aqui, o entusiasmo também é muito, mas faz-se desde logo um aviso à navegação: “Nós não temos muito conhecimento sobre aquilo que se está a passar”.

Independentemente dos teclados com o quais esta nova ferramenta se vai coser, Pedro Amaral, vice-presidente da instituição, fala em algo “muito forte” para o país. E quando lhe perguntamos se as justificações do Governo foram ou não exageradas, o académico prefere colocar o ónus nas empresas portuguesas.

“O risco de que se fala é a desvantagem de as empresas não entenderem o poder da IA nos negócios e no futuro. Só vão entender se houver um produto português. O ponto de vista é mais um risco de atraso, não é tanto que vamos ficar todos sem economia se não dermos este passo”, defende.

Mas se o Chat GPT já fala em português, qual vai ser a novidade?

Essa é a resposta que ainda está por dar e que vamos ter de aguardar até haver um anúncio mais detalhado. Pelos pavilhões da Feira Internacional de Lisboa (FIL), também se ressalva que “vai depender daquilo que o Governo quiser”. Mas, como em todas as empreitadas, há quem já tenha cadernos de encargos preparados.

Seja um ChatGPT à portuguesa com a resposta sempre na ponta da língua ou um Co-Pilot da Microsoft pensado a partir do Tejo para nos organizar o dia, o importante é que, pelo menos, se "reduzam os erros sobre a cultura portuguesa". Para Pedro Amaral, tornar a experiência “o mais personalizada possível para um português” é a melhor forma de arranjar espaço para o novo LLM no mercado.

Mas essa não deve ser a única preocupação e, "se queremos um produto credível", a primeira etapa passa por convencer e integrar a comunidade científica.

“Isto tem de ser feito com método científico, para termos a certeza de que informação é inserida, de que é perfeitamente rastreada e de que é credível – tal e qual como citamos fontes seguras num artigo científico. Isto não é só político, o político tem apenas a visão”, avisa.

Do lado das startups, há um servidor inteiro de ideias para melhorar estes sistemas. Quando lhes perguntamos qual seria o primeiro passo para inovar, hesitam na resposta, num limbo entre o que é demasiado técnico e aquilo que mais interessa à sociedade. O atraso na máquina é de alguns segundos até chegar à resposta – estes sistemas têm de ser “menos enviesados”, diz Pawan Kumar, confudador da Arelis.

“Podemos ser mais responsáveis e garantir que os modelos não dão respostas baseadas apenas numa comunidade”, vaticina, antes de especificar: “A masculinidade sempre esteve no poder e as mulheres não. Há também o viés da classe social. Também encontramos esta parcialidade em muitos dados e se treinamos os LLM com base nisso…”, deixa em jeito de recado a “algumas empresas” que ignoram o problema.

A masculinidade sempre esteve no poder. Há também o viés da classe social.Se treinarmos os LLM com base nisso…

O truque é, por isso, fazer alterações na linguagem de programação – mas também naquela que se utiliza para comunicar os benefícios destas ferramentas. O sócio Ramon Marrero aponta a publicidade e a promoção honesta que se tem de fazer a estas ferramentas para “as pessoas estarem cientes dos riscos, mas acreditarem nelas”: “toda a gente quer ter menos custos, certo? [risos]”.

“Vamos pôr isto na sala de aula”. E os professores?

O anúncio veio pela voz do primeiro-ministro também no dia um da Web Summit: “cada aluno terá um tutor educativo de inteligência artificial adaptado aos nossos currículos”. A ideia não é nova e há quem ande há muito tempo a estudá-la – e por terras mais próximas do que aquilo que esperaríamos.

A Arotec entrou no mercado angolano há três anos para ajudar “os alunos a aprenderem de forma mais organizada e dinâmica, fazerem perguntas e conseguirem respostas, principalmente ajudá-los a resumir matéria”, explica Cristóvão Cacombe, CEO da startup. Umas escolas em Luanda, outras mais a norte, umas mais no interior – este “Chat GPT-sebenta” foi crescendo e hoje são já mais de 20 os estabelecimentos de ensino, principalmente privados, onde este “chatbot” facilita a vida a alunos e a professores. Sim, também a professores.

Isto não está desenhado para tirar o emprego a ninguém. Há professores com trinta alunos numa turma, é impossível dar atenção a todos. Nós também desenhamos o perfil do estudante, aquilo que é necessário entender do progresso de aprendizagem dele – o que gosta, o que não gosta...”, esclarece.

Nestas plataformas, tudo o que os alunos inserem é alvo de um raio-x, “muito útil” para as crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais: “num aluno disléxico, percebemos os erros que dá pelo histórico e oferecemos soluções adaptadas”.

As aplicações no mercado viradas para a educação pegam em LLM já existentes e programam-nos virados para uma sala de aula. Apesar dos esforços e da atenção constante, os “erros ainda são muitos”, nomeadamente na tradução, já que muitos dos modelos são em inglês.

Cristóvão pede, por isso, a Montenegro para sonhar além do Mediterrâneo e facilitar o acesso dos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) ao futuro LLM feito na língua de Camões: “todos saímos prejudicados”.

Mas a mexida no mercado pode servir para muito mais – nomeadamente, para tornar Portugal pioneiro na regulação destas ferramentas e na redução dos riscos que trazem às escolas, como o plágio.

“Esses riscos são reais e agora é o momento certo para criar leis para isso. Enquanto empresa, por exemplo, nós garantimos que aquilo que oferecemos é seguro: limitamos o acesso à internet, por exemplo. (…) Mas é preciso mais e se vamos lançar um LLM há espaço para avançarmos com isso”, remata.

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