20 out, 2024 - 23:00 • Carlos Calaveiras
O presidente do Sporting, Frederico Varandas, em entrevista à RTP3, fala sobre a saída de Hugo Viana, da contratação de Rúben Amorim e da cláusula de rescisão de Gyokeres. O líder dos leões deixou ainda fortes críticas às presidências de Pinto da Costa e de Luís Filipe Vieira. Quanto ao perdão da banca, "foi um bom negócio".
Quais foram as medidas decisivas para que o Sporting não morresse em 2018/2019?
Eu resumia essas três medidas a uma só: fazer o que era necessário fazer pelo clube. Não pensarmos em nós, direção/administração, e pensarmos no que era de facto necessário fazer pelo clube. E isso foram ene, ene, ene medidas a partir daí.
Clube estava no caos
“Utilizou o termos refundação, eu não sei também se é demasiado forte, mas de facto hoje vivemos uma fase que eu em 45 anos nunca vivi. E pessoas mais velhas também têm mais dificuldades em lembrar-se. E de facto estamos… Por factos, falando nos últimos 4 anos, dois títulos nacionais, várias taças; nos últimos 5 anos o clube deu lucro quatro vezes, o único ano que não deu lucro foi em ano de Covid; recuperámos o clube financeiramente; recuperámos e garantimos a maioria do capital da SAD, reforçando em 88%; requalificámos e investimos no nosso património, Estádio e Academia, como nunca antes; e temos o maior número de sócios de sempre com quotas em dia e hoje, para este estádio mais de 8 mil pessoas em espera para adquirir um lugar. Por isso, de facto, lembrando o ponto de partida e pensando que apenas passaram 6 anos, de facto, o trabalho da minha equipa é extraordinário.”
Difícil contratar em 2018/2019
“Relembro-me bem que, por exemplo, para fechar o Nuno Santos, estamos a falar de um valor de 3,5 milhões de euros, à data, foram quase cinco dias para fechar o negócio, e o Rio Ave, através do seu presidente na altura, exigia garantias do pagamento do IVA. Ou seja, isto é para as pessoas perceberem a credibilidade que o Sporting tinha, aliás, não tinha à data. Não tinha. E a dificuldade que tínhamos só para contratar um jogador de 3,5 milhões de euros. Foi um percurso, para chegar hoje até aos 20 M€, foi um longo percurso”.
Contratar Rúben Amorim foi um ato racional ou foi uma loucura?
“Foi um ato 100% racional. E quando muito se elogia Rúben Amorim também muito se critica o que estava para trás, e hoje já estamos com quase 6 anos de distanciamento dessa fase e posso dizê-lo”
Foi preciso pagar 10 milhões
“Mas não era só. Ele também teve a coragem de aceitar este cargo. E recordo que quando muitos de nós éramos criticados. ‘Sim, apostaram no Rúben Amorim, mas falharam antes’… E eu posso dizer aqui, sem qualquer problema, Leonardo Jardim, Abel Ferreira, Rui Jorge, Quique Setién, Unai Emery (com quem o Viana tinha uma ótima relação), todos, por diferentes razões, agradeceram, mas não queriam vir. Estamos a falar nesse período de 2018 a 2020. E de facto, em 2020, quando desponta Rúben Amorim e temos, do ponto de vista racional, a decisão mais acertada, do nosso entendimento, o Rúben Amorim não hesitou, ao contrário dos outros. E aí eu também tenho de reconhecer a coragem de um jovem treinador que viria, teoricamente, para um cemitério de treinadores.
A dupla Frederico Varandas/Rúben Amorim em 2024 representa no futebol português o que representou a dupla Pinto da Costa e José Maria Pedroto?
Um dos exercícios que eu faço para mim mesmo desde que sou presidente do Sporting é ligar muito pouco ao que dizem de mim. Já fui insultado de tudo, durmo bem com isso. Mas, de facto, essa comparação com o senhor Pinto da Costa se calhar (risos) está a um nível mais difícil de superar. Não por falta de inteligência, não por falta de competência, não por astúcia, mas sim por uma razão muito simples, do meu ponto de vista, e não quero magoar ninguém. Para mim, toda a competência que uma pessoa possa ter, toda a inteligência, vale zero, para mim é uma fraude, se não for alicerçada em valores e na ética. E, por isso, para mim, na minha conceção de ser, seria horrível se eu fosse comparado a esse presidente. (Pausa) Em relação à comparação Rúben Amorim/Pedroto, isso não me diz (respeito), isso é mais para o Rúben Amorim responder.
E se no final da época tiver de perder um de dois e esses dois forem Rúben Amorim ou Gyökeres, o que é que prefere?
“Sabe que uma das maravilhas de ser adepto e sócio é eles poderem desfrutar do presente. É o papel deles. Eu não desfruto do presente.
Porque tem de pensar no futuro?
“O nosso papel enquanto administradores é estar a viver no futuro. E eu quando estou a viver no futuro estou já há vários anos preparado para se aquela peça sair que peça é que vai entrar. Com uma garantia para mim: a qualidade do processo de trabalho interno tem de se manter. Por isso, quando é que vou perder Rúben Amorim, se é este ano, se é para o próximo, eu oiço esta pergunta há mais de 4 anos. O que para mim – e acho que isto devia orgulhar todos os sportinguistas e até para toda a comunicação social –… é questionar como é que um dos melhores treinadores do Mundo está há 5 anos no Sporting, isso é que é fantástico.”
A peça principal, Rúben Amorim.
“O treinador passa sempre. Numa estrutura onde todas as peças são importantes, é a peça mais importante daquela estrutura. É a minha conceção.”
É impossível o Gyökeres sair no mercado de inverno?
“Eu diria que é muito, muito, muito difícil. Impossíveis não há, não há na vida. Agora, eu diria que é muito, muito difícil. Já marcou muitos, continua a marcar. Seria muito, muito, muito difícil. Muito difícil.
E terá mais força Frederico Varandas a segurar Rúben Amorim ou Hugo Viana a convencê-lo a ir para o City?
“Foi um triângulo fundamental para o crescimento e para o retomar do verdadeiro Sporting. Isto é história. Ficou. Ficará para sempre. Rúben Amorim e Viana foram fundamentais, fundamentais, neste arranque. Obviamente, Hugo Viana é o assunto do momento. Hugo Viana, obviamente, e aqui do ponto de vista pessoal, merece tudo. Não só do ponto de vista profissional, da parte humana. Vai para, provavelmente a par do Real Madrid, vai para um dos clubes mais poderosos do Mundo. Algo que nunca aconteceu em Portugal, um dirigente português a ir para o patamar máximo dos máximos, e isso é mérito dele, mas também é muito mérito de como hoje o Sporting é visto lá fora. E muitas vezes cá em Portugal ligamos muito à trica, àquela telenovela, mas lá fora os clubes organizados, os clubes vencedores olham e veem um clube que se reinventou, veem um clube que dá lucro financeiro e veem um clube que ganha títulos e que valoriza os seus ativos. Por isso, obviamente, este é o patamar de excelência em que o Sporting é visto lá fora. E para nós, Sporting, é muito importante que o Hugo Viana tenha sucesso no Manchester City. Muito importante porque é isso que nós queremos, ser vistos lá fora desta maneira.
Hugo Viana
“Repare, hoje, e dá-me um certo gozo pessoal, hoje ver muita gente a alertar e de uma forma até dramática como é que vai ser sobre a saída do Hugo Viana e etc. Gosto de relembrar que essas pessoas há 6 anos criticavam o Hugo Viana, porque não sabia fazer planeamentos, não sabia organizar o plantel, etc. Fico muito reconhecido, até pelo Hugo. Essas pessoas hoje, sem o dizerem publicamente, é uma certa confissão que estavam enganadas. O que eu lhe posso garantir… E o Hugo Viana naquela altura tinha trabalhado poucas semanas como diretor desportivo de um Belenenses. Era esta a sua experiência pessoal. Mas nós acreditámos no Hugo Viana e eu sabia o potencial que ele tinha. Da mesma forma que as pessoas que o vão substituir eu tenho a certeza que daqui a 4/5 anos estará um City da vida a querer contratá-los. Isso eu também não tenho qualquer dúvida.”
Mudança na estrutura
“A estrutura é diferente, o resultado será o mesmo. Repare, ficou muito claro que vamos ter um diretor geral e um diretor de scouting/diretor técnico. O diretor geral será sempre a pessoa mais o diretor operacional de toda a máquina, e depois o diretor de scouting/diretor técnico será a pessoa que continuará a fazer o que fazia e também aconselhará… será o braço-direito do treinador na elaboração do plantel juntamente com o presidente. Nada alterou em relação”.
Manchester City
“Nós temos uma ótima relação com a administração do grupo, do City Group, não só a nível desportivo mas também a nível do CEO e administração, mas não. Nunca foi… A segunda pergunta nunca foi tema entre o City e o Sporting. O Sporting já foi claro, no nosso plano estratégico, sobre o que é que nós pretendemos. Mas não está identificado qualquer parceiro, até ao momento.”
Benfica suspenso
(Pausa mais longa) Hoje acredito pouco. Hoje acredito pouco. Pelo que eu vi do futebol português, como adepto, como diretor clínico e hoje como presidente. Eu penso que independentemente da decisão judicial que venha a acontecer é inegável que a mancha está lá. É inegável. E isto é mais um sinal, mais uma confirmação, do que vem a ser, podemos chamar, o segundo período negro do futebol português. Houve um período negro chamado Apito Dourado. Hoje não sei se vai ser recordado como o Caso dos Emails, ou não, mas a verdade é que são duas fases negras do futebol português e onde não há que ter medo de dizer que esses dois períodos têm dois rostos: Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira. Está claro. E de facto hoje eu penso que é muito, é muito, é muito… Estes casos que vêm são patentes do que… de todas, todas, as más práticas, toda a falta de ética, que esteve aqui durante anos, anos e anos. E, atenção, eu enquanto presidente do Sporting, reconheço que há muita culpa própria do insucesso do Sporting nestes 40 anos. Mas isto é a prova, para mim, porque o Sporting acredita nisto, que o jogo estava viciado à partida. Que era muito difícil. Era muito difícil.
Sporting perdeu porque os adversários diretos viciaram o jogo?
“Repare uma coisa, algum português ao ouvir as escutas do Apito Dourado tem dúvidas do que é o Pinto da Costa? E agora, agora, um assunto mais recente. Vi, passou quase entre as linhas, que um agente, um segundo agente, vai ser acusado por corrupção ativa de jogadores do Marítimo para perderem contra o Benfica. Já reparou como o caso do César Boaventura era um caso extraordinário (ironiza)! É um caso de amor, onde um empresário decide gastar centenas de milhares de euros para corromper um clu… (corrige) um jogador para favorecer o Benfica. E agora apareceu um segundo! Isto ainda mais extraordinário é! E de facto, para mim é claro, houve, há um período do Apito Dourado onde, volto a dizer, Pinto da Costa tinha toda a sua teia, toda a sua estrutura montada. E mais tarde aparece um Luís Filipe Vieira, onde talvez cansado de investir e não conseguir ganhar faz uma ‘portização’ do Benfica, onde vai buscar pessoas que toda a gente conhece, nomeadamente esta pessoa que é denominador comum em todos os processos, Paulo Gonçalves. Fez parte da sociedade do Porto, curiosamente foi para o Boavista, onde o Boavista foi campeão. Curiosamente sai do Boavista quando o Boavista desce de divisão no caso Apito Dourado, e ele passa entre os pingos da chuva. E Vieira vai buscá-lo. E é preciso pôr os nomes aos bois. E obviamente, e eu aqui não desresponsabilizo a culpa, a falta de competência, porque houve, do Sporting, mas houve aqui muita viciação do jogo. E obviamente enquanto presidente do Sporting…
“Portização”
Enquanto presidente do Sporting não digo isto por querer acicatar guerras entre clubes. Não. Eu digo isto porque é o meu dever enquanto presidente do Sporting, proteger os direitos do Sporting.
Esse julgamento será feito pelos sócios do Benfica, pelos adeptos do Benfica. Essa parte não me diz respeito. Diz-me respeito, sim, enquanto presidente do Sporting, garantir que se faça Justiça. E nós acreditamos, e nós acreditamos, nós, Sporting, acreditamos que durante estas décadas não houve verdade desportiva.
Haverá Justiça?
(Pausa mais longa) Digo-lhe, como respondi, tenho muitas dúvidas. Tenho muito dúvidas, embora há sempre a esperança quando vejo países lá fora como Itália, vejo uma Juventus que desceu de divisão, vejo ainda agora recentemente a Premier League, clubes a perderem pontos… Eu não… Mas também entendo a dificuldade do Ministério Público em conseguir provar. Agora, uma coisa é o que é provado, outra coisa é o que… Um português com dois dedos de testa sabe bem o que se passou.
Nova liderança no FC Porto?
“De experiência pessoal, muito positiva. Para o futebol português também muito positiva. Também tenho de lhe dizer que nós, o Sporting, para nós, e esse acho que é o nosso segredo, os valores estão a base do nosso sucesso. A dignidade, a integridade e o desportivismo, para nós, estão acima de qualquer título ou acima de qualquer conquista. Também é verdade que na nossa história o Sporting se desviou recentemente desses valores. Mas a verdade é que foi o Sporting também a expelir e a resolver esse problema. Mas nós não negamos essa fase. Independentemente das conquistas e dos feitos dessa fase, nós não elogiamos publicamente essa liderança. Depois, porque eu acho que tem de existir alguma coerência moral. Ou seja, eu, se preconizo e se adoto e divulgo que nós agimos sob determinados valores e transparência, então não faz sentido elogiarmos publicamente quem representa o oposto disso tudo.
Perdão de 100 milhões
“Aqui foi um trabalho, um trabalho duro, longo, onde o mérito tem de ser todo dado ao meu administrador Francisco Zenha e à sua equipa. Mas, atenção, isto só foi feito porque no final de contas foi bom negócio para todos. Eu sei que as pessoas podem… ‘Mas o que é um bom negócio?' A verdade é que foi um bom negócio para o Sporting e um bom negócio para a banca. Se não fosse, não o teríamos feito. Isso não há qualquer dúvida.
“Eu acho que a banca. Acredito muito na competência dos seus administradores e fizeram o melhor que podiam para defender as suas instituições.
Sporting vencer a Champions?
“Se me disserem a mim, a um sócio do Sporting, que eu acredito que o Sporting vai vencer uma Liga dos Campeões, estaria a mentir. Não acredito. Não acredito. E não é pela falta de competência que a minha equipa tem, que a minha estrutura tem, mas simplesmente nós temos de ter a consciência do que é que somos, enquanto país, e a economia que somos e com quem competimos. Por isso, para um Sporting poder ganhar uma Liga dos Campeões teria de correr-nos tudo espetacularmente e os nossos concorrentes serem profundamente incompetentes.