26 nov, 2024 - 13:30 • Hugo Tavares da Silva
Dizem que o Brasil não é para principiantes. Essa ideia saiu da musical e açucarada mente de Tom Jobim, segundo Ruy Castro, o tal senhor que escreveu a biografia de Garrincha. Se o Brasil não é para principiantes, o que dizer do Brasileirão?
A dança de treinadores nos bancos dos clubes tem a voracidade de um embrutecido tubarão em jejum há demasiados dias. É quase perversa. É castigadora, muitas vezes injusta, noutras tantas é o vento que chega de fora que faz agitar as cartolas em cima das cabeças dos que mandam.
Muitos caem logo nos campeonatos estaduais. O que parece, às vezes, não é. As promessas de amor esfarelam-se como algodão doce na boca. O homem brilhante percorre o amargo carril em direção à estação mais próxima: a burrice. O termo “burro”, tão infantil e estranhamente doloroso, é um dos insultos predilectos nas horas más.
Dizem que o Brasil não é para principiantes. Mas até tem sido para Artur Jorge, o treinador do Botafogo que até eliminou o Palmeiras na Libertadores e que ousou tentar concretizar o que Luís Castro ameaçou, dar um título nacional àquela gente que se aquece debaixo de uma estrela solitária e que tem em Nilton Santos o norte na bússola. Essa alegria coletiva foge desde 1995. Túlio fazia maravilhas. O sonho em 2023 converteu-se em angústia aguda
Do outro lado, como se fosse uma figura omnipresente em cima das nuvens e por isso imune à chuva que todos molha, está Abel Ferreira e o seu Palmeiras, que é o oposto do que é principiante e que voltou a eleger a dama de ferro Leila Pereira como presidente. E que, apesar da igualdade pontual na liga, é líder
Em 2023, o Botafogo chegou a ter, à 27.ª jornada, 14 pontos de avanço para o "verdão". À 30.ª eram sete. Na rodada 31 encontraram-se no Estádio Olímpico Nilton Santos. A primeira parte do Botafogo, então treinado por Lúcio Flavio (sucessor de Bruno Lage), foi mítica: 3-0. Mas aquela gente de verde é feita de outra matéria. Com um sublime Endrick, que até com o joelho fintou um adversário (e fez outro golaço fenomenal), o Palmeiras virou para 4-3, com golos aos 84’, 89’ e 90’+9. "Football, bloody hell", diria Alex Ferguson.
E lá foi campeão, pois claro… Um adjunto de Abel até confessou à “Tribuna Expresso” que a estratégia comunicacional visou cutucar a tal ideia de Tom Jobim. “Vou dar-nos fora do título para o Botafogo sentir a pressão de ser líder”, definiu Abel, segundo João Martins. Quanta pressão sentiram, hein? Ainda não foi desta que Mané Garrincha dançou lá em cima.
Este Brasileirão, com um estelar Estevão (melhor marcador e maior assistente com apenas 17 anos, já assinou pelo Chelsea), começa a percorrer as minhas linhas da trama. O “fogão” chegou a ter mais seis pontos do que o gigante de São Paulo. É um grão de areia no Brasil, já sabemos. O rival dos cariocas não é brincadeira. Quando Abel chegou, o clube tinha ficado em sétimo lugar. Depois disso: 3.º, 1.º e 1.º, com duas Libertadores pelo meio (e uma Copa do Brasil e uma Supercopa). Há uma coisa que se sabe: Abel não tira o pé do pedal, para usar uma analogia do mundo que ele tanto ama. Cair sim, mas lutar até ao fim.
Resta perguntar: quantas vidas tem o Palmeiras? “Essa é uma boa pergunta”, atira Danilo Lavieri, jornalista do UOL que acompanha o dia a dia do clube, depois de gargalhar como se gargalha num chat de WhatsApp. “Desde 2020 [quando Abel chegou], o Palmeiras tem como principal característica essa resiliência. É impressionante como a equipa reaparece quando ninguém mais espera, nas diferentes competições. Mesmo nas eliminações este ano, a equipa esteve a um golo anulado no VAR, nos últimos minutos de jogo, de levar a decisão para os pênaltis na Libertadores, e por centímetros noutro golo anulado na Copa do Brasil.”
Para Lavieri, a arte de Abel Ferreira tem muito a ver com manter os futebolistas ligados. “Essa é, sem dúvida, a grande conquista dele, ainda mais no Brasil, onde normalmente os jogadores rapidamente se desmotivam depois de alguma conquista”, reflete.
Se ganhar este Brasileirão, podemos imaginar uma estátua?, questionamos em jeito de brincadeira. “O português já é considerado por quase todos o maior da história do clube e já é muito bem pago por isso. Mas uma estátua só depois de se aposentar e da certeza que ele nunca treinará nenhuma outra equipa brasileira…”
O ex-treinador do Red Bull Bragantino, Pedro Caixinha, esteve na Rádio Renascença na segunda-feira e falou um bocadinho sobre o tema com o jornalista Pedro Castro Alves. “É de excelência o trabalho do Abel, não é fácil em lugar nenhum do mundo manter aquele nível de competitividade, de assertividade, de resiliência e constância de estar constantemente a lutar pelos títulos”, garante.
Para Caixinha, o Palmeiras chega melhor do que o Botafogo a este clássico dos tempos modernos (Canal 11, 00h30), “ainda mais jogando em casa”. Não faltam elogios ao trabalho de Artur Jorge também, municiado por “muito investimento”. O Botafogo de Luiz Henrique e Thiago Almada foi, aliás, o seu derradeiro adversário no Brasileiro, quem sabe carrasco.
“A distância pontual de seis pontos foi completamente anulada”, continua o treinador, que está em fase de reflexão e que procura um clube para ganhar títulos. “E entra aqui a história contra o Botafogo, foi a história do ano passado, que se está a repetir este ano.” Não podemos esquecer que vem aí a final da Libertadores, quatro dias depois. A gestão só pode ser sensível, ao nível físico e mental, evidentemente.
“O Botafogo vai ser testado de novo no aspecto mental”, comenta Danilo Lavieri. “Se perde o jogo esta noite, chegará à final da Libertadores, no próximo sábado, literalmente com uma só chance: ou vai para o inferno ou vai para o céu. Não há meio termo.”
Os dois clubes contam com 70 pontos a três jornadas do fim. Depois deste clássico dos nossos fugazes tempos, Palmeiras vai defrontar Fluminense e Cruzeiro, enquanto o Botafogo terá pela frente Internacional e São Paulo.