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Em Ipswich os corações portugueses dividem-se, mas todos querem que Amorim tenha sucesso

23 nov, 2024 - 17:40 • Inês Braga Sampaio, enviada da Renascença a Inglaterra

Há um café em Ipswich onde os portugueses se juntam regularmente, para pôr a conversa em dia, recordar os sabores da terra mãe, refrescar noites já frias e ver futebol. No domingo, voltarão a juntar-se em torno da televisão, para ver o Ipswich Town-Manchester United, porém, nem todos estarão a torcer por Rúben Amorim.

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Há corações divididos em Ipswich. No café mais português da localidade que vai acolher a estreia de Ruben Amorim pelo Manchester United, uns mantêm-se fiéis ao azul e branco do Town, o clube que adotaram quando emigraram, enquanto outros se colocam ao lado do treinador, o seu apoio uma espécie de carta de amor ao país que deixaram para trás, mas não esquecem.

"Eu quero que o Ipswich ganhe, porque sou Ipswich. Moro aqui, tenho de ser Ipswich", afirma José Camarinha, o dono do café "O Português".

É dia de festa. Da Taça de Portugal, mas também em Ipswich. Por coincidência, horas antes de a Renascença visitar o café, houve festa de inauguração de um espaço exíguo, um mercado recheado de produtos portugueses, "para a comunidade e não só". Há clientes vestidos de gala, as cervejas passam de mão em mão e, contam-nos, esteve lá o presidente da Câmara para cortar a fita.

"A gente aqui é como se estivesse em Portugal. Metade dos meus clientes são portugueses. A outra parte não, mas a gente dá-se bem todos uns com os outros, fala, ri-se, vemos jogos juntos, bebemos uns copos", descreve José Camarinha.

"O Português", localizado bem ao centro de Norwich Road, conhecida como a "rua dos imigrantes" - de várias nacionalidades -, é o maior centro de portugalidade de Ipswich. Aqui dentro a língua mais ouvida é o português, embora haja o ocasional apoio na bengala do inglês, para esta ou aquela palavra. Também se ouvem conversas inteiras que saltitam entre as duas línguas - e são bem-vindos os ingleses que apreciam a cerveja portuguesa e a universal conversa de café.

Há quem já cá viva há mais de duas décadas. Se "O Português" une a comunidade num só local, o futebol une-a em torno da televisão e de debates tingidos por paixões clubísticas.

"O meu Sporting nunca falha", declara Carlos, escondido por baixo de várias camadas de roupa e uma barba nicolina, antes de exibir o seu "cartão de visita": um anel com o brasão do Sporting e um colar com dois pendentes: uma cruz e o escudo antigo do clube de Alvalade. "É o clube do meu coração. Sporting 'forever', 'forever', 'forever", acrescenta, com uma gargalhada.

A saída de Ruben Amorim "foi uma catástrofe" para o Sporting, no entanto, num café em que a esmagadora maioria da clientela é emigrante ou filho de, não há quem aponte o dedo ao treinador por procurar uma vida melhor.

"Ele tem o direito a ter uma oportunidade na vida. Foi uma boa despedida que ele fez aos sportinguistas, uma maravilha. Desejo-lhe toda a sorte", garante Carlos.

José Camarinha concorda: "O pessoal ficou triste, mas é outro patamar. Outra história. E a gente fica contente pelo Rúben Amorim, porque é mais um treinador no 'top' dos treinadores portugueses, como foi o José Mourinho no Chelsea."

Carlos difere, todavia, na equipa por que torcerá no domingo: "O Ruben Amorim."

Vinte e cinco anos em Ipswich não o convencem a preferir o Town ao técnico que quebrou o jejum de 19 anos do Sporting sem ser campeão: "Gosto, mas não é o meu clube."

Leonel é do Benfica. Vive em Ipswich há 15 anos, mas o trabalho obriga-o a estar constantemente em movimento.

"Sou camionista", explica, acrescentando que ouve sempre a rádio portuguesa no camião.

No domingo, não vai ao estádio, mas estará a torcer pelo Ipswich: "Ipswich e mais nada. Não tenho nada contra o Amorim, mas vivo aqui. E sou Liverpool, não Manchester."

O treinador favorito é Bruno Lage, "o melhor do mundo". E o jogador preferido? "É o Bruno Lage", atira, entre risos.

"É o Rui Costa", emenda logo a seguir.

Originária de Almada, Luís Figueiredo chegou a Ipswich em 2010, mas só assentou na localidade em 2012. Tem o próprio negócio, o "Luísa's", um salão de beleza, e é cliente habitual do café.

"Escolhi Ipswich porque a minha mãe vive aqui há 24 anos", conta à Renascença, antes de apresentar a mãe, Nazaré Inocêncio, que está sentada logo ao lado.

"Também tenho cá um filho e quatro netos. Gosto muito de Inglaterra", revela Nazaré.

Luísa acrescenta que tem família nos Países Baixos, na Alemanha, na Noruega e em Espanha; por via de casamentos, também já contam com familiares ucranianos, árabes e brasileiros.

"É uma paz mundial", declara Nazaré.

Luísa também refere que Ipswich é destino de eleição por ser uma localidade "mais segura, não tão grande como Londres", por exemplo: "A primeira vez que vim para cá não gostei muito, mas agora considero a minha casa."

"As pessoas escolhem Ipswich porque é uma cidade que acaba por ser mais segura, não é tão grande como Londres", explica Luísa.

José Camarinha já viveu em Londres. De lá, trouxe o Chelsea no coração. Em Ipswich, continua a vestir-se de azul, a cor principal do Town.

O dono do café "O Português" é fiel a quem o acolhe. Por isso mesmo, quer uma vitória caseira na receção ao Manchester United de Rúben Amorim. Também porque o Ipswich está mesmo acima da linha de água, só com uma vitória conquistada. Foi na última jornada, no terreno do Tottenham, e José Camarinha espera que a segunda chegue já no domingo.

"É difícil? Muito difícil, não vai haver hipóteses nenhumas, são praticamente nulas. Mas não quero que o Ipswich desça. Estou aqui há 25 anos e quero que ele se mantenha na primeira divisão, porque é bom para mim, é bom para o negócio, é bom para a cidade, é bom para toda a gente", sustenta.

José e Carlos não conseguiram bilhete para a partida.

"São 300 mil reis. É muita guita", brinca Carlos.

José Camarinha está a contar com um café cheio no domingo: "O pessoal vai estar aí a ver o jogo e a torcer pelo Ipswich. Vai estar tudo cheio, mesmo cá fora no estádio, à espera para ver o Amorim."

"Para ver um português", acrescenta, com orgulho.

Também há jogo prestes a começar, um Sporting-Amarante para a Taça de Portugal. À medida que o tempo passa, contudo, o café começa a esvaziar-se.

“A vida aqui em Inglaterra é diferente”, explica Mauro, um dos últimos resistentes. “Começamos a trabalhar às seis da manhã, temos de nos deitar cedo. Além disso, agora muita gente consegue ver o jogo em casa.”

José Camarinha explica: "Aqui chega-se à noite e a gente não tem muito para onde ir. Não é como eu chegar ao Porto e dizer, 'olha, vou ali a Matosinhos comer um peixe'. Aqui, não funciona assim. Os restaurantes fecham a cozinha o mais tardar às 22h00. Há uns barzitos abertos por aí, mas não tem nada a ver. Aqui é mais 'quiet', mais calmo."

Ainda assim, Mauro e Vasco não arredam pé e ficam a ver enquanto o Sporting marca um, dois, três, quatro golos, na primeira parte.

Ao intervalo, falam com a Renascença, em direto, sobre a estreia feliz de João Pereira. Vasco é mais reservado, quando questionado sobre se a primeira parte já fez esquecer Rúben Amorim.

“Isto ainda é muito do trabalho do Amorim”, assevera, salientando que só lá mais para a frente se conseguirá ver o dedo do novo treinador.

O coração sportinguista “ainda bate” por Amorim e deixa Vasco dividido sobre o jogo do fim de semana. Não sabe se há de torcer pelo Ipswich Town, de que é adepto, ou pelo Manchester United, que, além do treinador, “tem vários portugueses”.

Mauro, que entende a decisão de Amorim, porque “há oportunidades demasiado boas para se recusar”, vestir-se-á de azul e branco, as cores do clube da sua cidade.

Independentemente do desfecho da partida de domingo, ambos mostram uma certeza: “Ruben Amorim vai triunfar.”

“Penso que não será esta época, mas na próxima, se lhe derem tempo, vai ter sucesso”, vinca Vasco.

Mais 45 minutos, mais dois golos. Estreia feliz para João Pereira, sportinguistas sorridentes e saída a passo rápido, que no dia seguinte o trabalho começa às 6h00. No domingo, lá estarão todos de volta ao café, para ver o Ipswich Town-Manchester United.

Embora os desejos para o desfecho da estreia de Ruben Amorim se dividam, todos querem ver o treinador português triunfar na Premier League. Alguns preferem é que seja só depois de domingo.

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