20 jun, 2024 - 07:45 • Inês Braga Sampaio
O "look" é reminiscente dos defesas dos anos 90 e 2000: cabelos longos, uma fita fina a manter a melena longe dos olhos, 1,88 metros de altura e o "5" de Cannavaro ao peito. O estilo, porém, é o dos centrais modernos, que gostam de ter bola e lançar o ataque, quiçá até descurando o aspeto defensivo. Riccardo Calafiori impressionou na estreia oficial pela Itália, com a cara de Maldini e Nesta e os pés de avançado.
"É uma surpresa também para os adeptos italianos", confessa o jornalista Paolo Tomaselli, do "Corriere della Sera", em declarações à Renascença.
A Itália chegou à fase final do Europeu com duas baixas importantes no centro da defesa, devido a lesão: o experiente Francesco Acerbi, de 36 anos, do Inter de Milão, habitual titular, e o promissor Giorgio Scalvini, de 20 anos, da Atalanta. Os dois até chegaram a fazer dupla durante a qualificação. Com os dois de fora, Luciano Spalletti foi obrigado a encontrar novas soluções e, no jogo de estreia, diante da Albânia, fez alinhar Calafiori ao lado de Alessandro Bastoni.
Com somente 22 anos, o jogador do Bolonha impressionou, na vitória por 2-1 sobre os albaneses, pela serenidade em campo, que não deixaria adivinhar que se tratava do primeiro jogo oficial pela Itália - a terceira internacionalização, ao todo, depois de ter alinhado nos dois particulares de preparação para o Euro.
Calafiori fez "uma temporada magnífica" no Bolonha, pela mão do antigo médio Thiago Motta. Há somente um ano, contudo, era suplente de Scalvini na seleção italiana de sub-21 que foi eliminada de forma precoce do Europeu e "ainda estava à procura da sua posição em campo e da sua melhor forma".
"Tudo mudou no Bolonha, com Thiago Motta. Ele mudou tudo no papel de Calafiori, que era um lateral e agora é um central. É muito bom no ataque, porque tem bom controlo de bola, tem uma personalidade ofensiva, tem boa visão de jogo. Confia muito em si próprio e nas suas capacidades", assinala Tomaselli.
Os dois golos e cinco assistências registados esta época pelo Bolonha, que se apurou para a Liga dos Campeões pela primeira vez em 60 anos, dão conta disso mesmo. Calafiori não só se destaca pela capacidade de passe, como pela bravura e capacidade para avançar com bola controlada e servir como mais um médio. Características que levaram Luciano Spalletti a convocá-lo pela primeira vez e a dar-lhe logo a titularidade ao primeiro jogo do Euro 2024.
Aos 16 anos, em 2018, Riccardo estava longe de imaginar que aqui chegaria. Na altura, nem sabia se voltaria a jogar futebol, depois de ter ficado com um joelho "destruído" numa lesão grave. Paolo Tomaselli acredita que essa contrariedade ajudou o central a ter "uma mentalidade forte e a ser maduro para a idade".
De facto, essa força mental foi necessária para resistir à deceção na AS Roma. O jovem Riccardo foi formado no clube da capital italiana e, em 2019/20, foi lançado na equipa principal pelo português Paulo Fonseca. Na temporada seguinte, fez oito jogos e um golo e fez sonhar os adeptos. Porém, em 2021/22, entrou José Mourinho para o comando e, aos olhos do "Special One", Calafiori não era nada de especial.
"Os três defesas que eu tinha no banco eram o [Bryan] Reynolds, o [Marash] Kumbulla e o Calafiori", lamentou-se o técnico português, após uma derrota frente à Juventus. Mourinho estava certo em duvidar das capacidades dos dois primeiros, todavia, no caso de Calafiori, faltava observá-lo com outros olhos.
Riccardo Calafiori demorou a encontrar os olhos certos. Foi emprestado ao Génova, na segunda metade de 2020/21, e fez apenas três jogos. Brilhou no Basileia, na época seguinte, com um golo e duas assistências em 34 jogos, e em 2023/24 o Bolonha foi resgatá-lo à Suíça, por quatro milhões de euros. Sob o olhar de Thiago Motta, "um treinador revolucionário", Calafiori floresceu e tornou-se barato.
Tanto assim é que já despertou o interesse de vários clubes da Premier League, assim como da Juventus, o novo clube de Motta, segundo a imprensa internacional. O Bolonha pede mais de 35 milhões de euros para libertá-lo. Paolo Tomaselli revela que Calafiori "quer sair" e, no seu entender, o destino devia ser Turim, porque "seria melhor continuar no futebol italiano".
"A Juventus tem o 'calcio' defensivo, mas agora mudaram de treinador e terão Thiago Motta. Seria muito importante para o Riccardo jogar com um treinador que o conhece muito bem. O estilo defensivo na Premier League é diferente, é mais um para um. Em Itália defende-se mais com todos ao mesmo tempo, a equipa é montada para jogar sem bola", sustenta, nestas declarações a Bola Branca.
Apesar dos elogios, Calafiori desperta dúvidas. Não pela habilidade com a bola, mas pelo que faz sem ela: "Ainda temos de ver como é como defensor puro."
"A Itália ganhou o Euro há dois anos com Giorgio Chiellini e Leonardo Bonucci e eles eram os campeões da tradição defensiva de Itália. Agora, com Calafiori, e Bastoni a seu lado, estamos a falar da modernidade do futebol. No fim do jogo com a Albânia, Rey Manaj ficou muito perto de marcar o golo do empate por causa de um erro de Calafiori, por isso, em Itália gerou-se um debate: será ele bom a defender? Veremos com a Espanha", atira Tomaselli.
O jornalista italiano refere que a "Squadra Azzurra" até tem centrais "que são melhores no um para um defensivo", como Gianluca Mancini - nada a ver com o ex-selecionador italiano, que conquistou o Euro 2020, para lá do apelido -, da Roma, e Alessandro Buongiorno, do Torino, "defesas mais puros". No entanto, "Spalletti quer jogar a partir de trás, o que é uma espécie de revolução para o futebol italiano".
"Os adeptos apreciam esta revolução, mas veremos a reação a este primeiro erro de Calafiori. A tradição defensiva em Itália ainda está muito enraizada. Para nós, um defesa tem de defender primeiro e só depois, talvez, atacar", vinca.
Ainda assim, Tomaselli entende a popularidade súbita de Calafiori, nem que seja pelos cabelos sedosos ao vento: "Pode ver-se nas redes sociais. É um rapaz bem-parecido, como eram Alessandro Nesta, Fabio Cannavaro e Paolo Maldini, com os seus cabelos longos. Mas é demasiado, demasiado, demasiado cedo - repito três vezes - para compará-lo com tamanhos gigantes do futebol italiano."
"Espero que consiga fazer o mesmo caminho, não apenas pelo 'look'. O futebol era diferente na altura e Cannavaro, Maldini e Nesta eram dos melhores defesas da Europa. Por isso, o Riccardo ainda tem um longo caminho a percorrer. Este é apenas o primeiro grande capítulo da sua carreira", remata.
O teste do algodão - ou do champô - chega esta quarta-feira, no Espanha-Itália, às 20h00, na Veltins-Arena, estádio do Schalke 04, em Gelsenkirchen.