Pedrogão, três anos depois dos incêndios
Pedrogão, três anos depois dos incêndios
Três anos depois dos incêndios, vários eucaliptos já cresceram mais de quatro metros.
 

Pedrogão, três anos depois dos incêndios

A oportunidade perdida para o Interior

As 66 mortes, os mais de 250 feridos, as 500 casas destruídas e os 193 milhões de prejuízos são números que gelam e que que deram corpo à comoção geral de um país. Pedrógão e o Pinhal Interior eram proclamados prioridade nacional. Nada podia ficar como dantes, bradava-se em cada discurso público. Mas ficou. Há coisas que até conseguiram ficar pior. O retrato de um país e de uma região que sofreu, prometeu a mudança, mas que é incapaz de a concretizar.

João Carlos Malta, Joana Bourgard

 
 

Mergulhar de carro na nacional 236-1 − que ficou na memória como a “estrada da morte” por ali terem morrido 47 das 66 vítimas dos fogos de 17 de junho de 2017 – mostra que a ligação entre Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos voltou a ser o que era: uma via em que o verde é frondoso e altivo. Já o negro dos fogos apenas se vê, aqui e ali, nos esqueletos queimados de troncos que ainda não foram limpos. São já poucos.

No entanto, um olhar mais atento, mostra já as árvores muito próximo das estradas, bem mais perto do que os 10 metros que a lei prevê. À vista desarmada também se percebe que o eucalipto voltou a reinar, e as rainhas dos terrenos são as acácias − vegetação infestante e altamente combustível. A natureza fez o seu trabalho de regeneração, mas o homem parece nada ter feito para a ordenar.

Há três anos, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, asseguraram que a tragédia era definitivamente um marco para um necessário ponto de viragem. Aquela seria uma região-piloto para o novo capítulo que se teria de abrir na floresta nacional. O país tinha de ter aprendido uma lição. Prometeram-se mundos e fundos para a região.

Mas em 2020, sair das estradas principais e entrar pelas vias secundárias que ligam as aldeias mais fustigadas pelos fogos de 2017, é ver as promessas a esbarrar na realidade. Avista-se a cada quilómetro um cenário ainda mais carregado de árvores, que quase caem para cima do alcatrão. Por ali, os populares − usam a imagem que mais lhes assoma à cabeça – veem a crescer “um barril de pólvora”.

Aos 62 anos, o comandante dos Bombeiros de Castanheira de Pera, José Domingues, conhece como ninguém as estradas da região ou não somasse à liderança dos Voluntários da terra, o papel de instrutor de uma escola de condução. Não esquece o incêndio, nem essa memória o deixa em paz.

 
 

“Ando muito tempo sozinho. Às vezes, venho de noite de Pedrógão ou de Figueiró pela serra a pensar com os meus botões e começo a sentir uma carga no peito. Abro os vidros e às vezes grito”, revive.

O pensamento é, invariavelmente, sobre o que se poderia fazer para melhorar as condições no terreno, qual seria o projeto necessário e a forma de lhe dar corpo e sustentabilidade. O apoio, defende, devia vir daquele que acha ser culpado de tudo o que aconteceu: o Estado.

Quando calcorreia as vias da zona, a paisagem oferece-lhe o mesmo do passado pré-fogos, uma floresta em que quase nada mudou. “O que temos aí são eucaliptos e pinheiros plantados à beira das estradas em que passam os carros”, critica.

E acrescenta que uma pequena volta pela região mostra “estradas completamente obstruídas por madeira de 2017. Em 2019, depois dos vendavais, ficaram pinheiros no meio da estrada em que carros ligeiros não conseguiam passar. São estas pequenas grandes coisas que põem em causa a dimensão do incêndio ou um ataque inicial bem ponderado”, explica.

A isso junta-se as dezenas de troncos “estacionados” na berma das vias rodoviárias, em vários lotes, que depois de tirados da floresta, o coronavírus impediu que fossem escoados sobretudo para Espanha. Mais um fator de risco se as chamas voltarem.

Bráulio Henriques também faz dos cantos e recantos dos montes e vales da floresta dos três concelhos − atingidos pela tragédia há três anos − uma segunda casa. Há seis anos que descobriu a paixão pela apicultura, que é agora a segunda atividade do homem que lidera uma empresa de informática. Aos 55 anos faz das 200 colmeias um hobby bem sério.

Por isso, diz-se muito atento à biodiversidade, que o eucalipto está a arrasar. Não é contra a espécie, mas é contra a monocultura. E se nada for feito, são as suas abelhas que estão em risco. “Ao matá-las deixamos de ter polinizadores, e assim deixamos de ter frutos e outros produtos que precisamos para comer”, lembra.

 
À saída da aldeia do Nodeirinho, a vegetação volta a tomar conta do espaço à volta das estradas.
 

Bráulio não tem dúvidas de que há um “problema gravíssimo” em Pedrogão, que se alastra a toda a região Centro. As propriedades são muito pequenas e de difícil exploração económica. Sem apoios, o resultado é o de que “tudo fica abandonado”.

“As pessoas não vão tirar rentabilidade e não vão ter dinheiro para fazer as limpezas”, argumenta. Para este empresário agrícola, não é preciso fazer mais planos, nem mais estudos para a floresta. “Andamos a fazê-los há 40 anos e não os executamos”, concretiza.

 
 

O que se disse em 2017. As promessas que o tempo diluiu

 
 

Em 2017, os responsáveis políticos disseram que o tempo era de ação. O primeiro-ministro, António Costa, prometeu que aquela região seria um exemplo para o país. “Começámos a preparar aquilo que de estrutural tem de ser feito. Temos de usar este território para fazer um projeto-piloto no que é estrutural, no reordenamento da floresta, na revitalização do Interior”.

E disse mais: “A pior coisa que pode acontecer é a floresta crescer como estava, porque hoje todos sabemos bem que deixar a floresta crescer livremente é criar condições para que ela seja combustível”.

A promessa de Costa foi forte e decidida, mas no terreno Jorge Fernandes, presidente da APFLOR – associação que junta mais de 600 proprietários de terrenos florestais da região − observa uma outra realidade. Não houve mudanças estruturais, nem sequer conjunturais.

“Neste momento, não posso dizer que tenha mudado grande coisa. Se mudou foi para pior, no sentido das infestantes que estão a desenvolver muito”, avança.

Ali, o crescimento da floresta faz também aumentar o medo. Se o pinhal, neste momento, ainda não tem dimensão − segundo este engenheiro − para um fogo de grandes dimensões, “mais alguns anos e começa a ser bastante preocupante”.

 
Limpeza de terrenos em Pedrógão Grande.
 

No Pinhal Interior, os proprietários estão envelhecidos, são pobres e muitos terrenos nem se sabe de quem são. Isso torna tudo mais difícil, mas os que lá estão aguardam que as medidas não sejam só letra de anúncios políticos, e cheguem à terra. “Continuamos à espera de umas medidas que foram anunciadas no ano passado, que visavam apoiar os proprietários a investir em espécies autóctones, e apoiá-los ao longo de 20 anos. Mas que eu tenha conhecimento, essas medidas não estão em vigor”, avança.

Além da falta de capital dos titulares dos campos, há várias características daquela zona que concorrem para o abandono a que os terrenos estão votados. Uma das mais evidentes é um universo em que minifúndio impera, condição que reduz a rentabilidade. Tudo isto concorre para que o eucalipto ganhe a corrida − e que quem vive da terra não pense duas vezes na hora de optar.

O castanheiro, o sobreiro, o carvalho, defende Jorge Fernandes, precisam de apoio público para poderem ser uma realidade. Mas até agora é apenas uma miragem.

“Não podemos esperar que seja o proprietário a investir a fundo perdido, ainda por cima pessoas com pouca capacidade financeira. Sabemos que se quisermos adaptar os campos para espécies pouco rentáveis, isso é um investimento. Não é só o inicial, é a longo prazo”, reflete.

Um apoio à região que foi garantido por Marcelo Rebelo de Sousa. Em outubro de 2017, numa comunicação ao país feita em Oliveira do Hospital, o Presidente começou por dizer que nunca esqueceria o que ali se passou. “Vou reter para sempre as imagens de Pedrógão Grande”. “Estes mortos não mais sairão da minha consciência”.

Marcelo foi perentório a dizer que esta era “a última oportunidade para levarmos a sério a floresta e para a convertermos em prioridade nacional, com meios para tanto, senão será uma frustração nacional”. “Se houver margens orçamentais que se dê prioridade à floresta e aos fogos”. O mais alto magistrado da nação apelava ainda a um consenso político, porque “os governos passam, mas a prioridade deve manter-se”.

No mesmo discurso, assumiu ainda que o Estado falhou porque houve portugueses que viram que os poderes públicos não foram o garante da sua segurança. O Presidente queria romper com os erros do passado, e dizia que quem não o fizesse, não tinha “entendido o que se passou”. Marcelo garantiu ainda que aquele era um pilar decisivo do seu mandato e que se empenharia totalmente nele.

 
Nos incêndios de 2017 morreram 11 pessoas da aldeia do Nodeirinho.
 

Chegou a dizer que, o que ali acontecesse, seria decisivo para uma nova eleição presidencial em 2021. “Voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria, só por si, no meu espírito, impeditivo de uma recandidatura”, disse em entrevista à Renascença e ao Público na altura.

 
 

Regresso ao passado

 
 

Em Castanheira de Pera, sentado no restaurante do hotel Lagar do Lago está José Domingues Conceição. Era em 2017, e é agora também, o gerente daquele espaço hoteleiro. Vestido de preto e olhar sempre no infinito, focando o horizonte, o pai do bombeiro Gonçalo − uma das vítimas mortais do fogo− é incisivo. “Voltámos ao antigo. E o que se dizia na altura, tem de se limpar isto, tem de se limpar aquilo, ficou tudo por limpar…. as estradas, não se vê nada”, observa. “Até fico parvo, vou a Vila Facaia, à associação das vítimas, e mesmo ali onde houve aqueles mortos todos, aquilo tudo... Já se passaram três anos, e a limpeza nas estradas… nada”.

Uns quilómetros depois, no salão nobre da Câmara Municipal de Pedrogão Grande − local que albergou muitas das reuniões entre os mais altos responsáveis da nação e os autarcas locais − o presidente Valdemar Alves – arguido no processo de reconstrução das casas na região – concorda que “não está a ser feito nada” para reordenar a floresta. E tem um discurso cheio de críticas ao poder central. As promessas de descentralização de serviços, diz, saíram furadas.

Também na limpeza dos terrenos assume as dificuldades do município. Afirma ter esperado pela ajuda de Lisboa, mas nada aconteceu. Por isso, avançou: “os proprietários, os senhores dos eucaliptos continuam aí como pavões. O eucalipto tem o seu lugar para a sua produção, mas se há regras que dizem que há 100 metros das zonas industriais, temos que limpar. Só o conseguimos com a presença da GNR. E à beira das estradas vamos começar agora, para os que não limparam”, argumenta.

O relator da comissão independente que fez a investigação aos fogos de Pedrógão Grande e docente da Universidade de Coimbra, Xavier Viegas, também faz um balanço pouco positivo em relação a aspetos centrais do documento que produziu a pedido do Governo. Sentado ao pé da fonte de Nodeirinho, onde muitos aldeões se salvaram, mas onde 11 morreram nas estradas da povoação, lamenta que os avisos que fez não tenham produzido efeitos.

 
Três anos depois, a paisagem da região ainda é marcada pelos incêndios de 2017.
 

“Nesta aldeia, e na sua envolvente morreram pessoas, porque as estradas não estavam bem tratadas. Voltando cá passados três anos vemos a regeneração da florestação que ardeu nessa altura, os eucaliptos que tinham ardido, nessa altura, têm dois ou três metros de altura. Vão criar um matagal se nada for feito. São coisas em que acho que não se aprendeu”, afirma.

Ali perto mora Steve Robinson, um inglês radicado naquela aldeia há nove anos. Sair da África do Sul e vir para Portugal com a mulher, assume, “foi a melhor coisa que fiz na vida”. Mesmo assim, não consegue conter a revolta que o consome nos últimos meses. À volta da casa em que vive, os terrenos não estão limpos como manda a lei. Nas imediações os eucaliptos estão a menos de 10 metros da estrada que dá acesso ao local em que vive, e as copas não respeitam os quatro metros de distância que têm de ter entre copas.

Por isso, o homem de 64 anos já fez três queixas oficiais, à GNR e à Câmara de Pedrogão. Ao local foram guardas “que concordaram comigo”, “as árvores tinham de ser cortadas”.

“Mas disseram também que não conseguiam encontrar a quem pertenciam. Fiz também uma queixa online, a GNR veio outra vez e disse quase o mesmo. Isso não faz com que isto seja aceitável. Se não conseguem encontrar os proprietários dos terrenos, têm de fazer outra coisa. E o Governo deu dinheiro às câmaras para pagar a limpeza destas áreas”, salienta.

O coronavírus fez saltar o prazo de limpeza dos terrenos de 15 de março para o fim de abril, e depois para o final de maio. O técnico da Proteção Civil da autarquia de Pedrógão, Rui Alves, acompanha ali mesmo, em Nodeirinho uma das ações de limpeza que a câmara tem a decorrer. Assume que a Covid-19 atrasou um pouco o processo. Faz em poucos minutos a lista de empreitadas camarárias, e garante que estão a executar as faixas de estrada da rede secundária, a que soma as limpezas feitas na zona industrial da Graça, zona em que a edilidade limpou os 100 metros à volta das fábricas de madeira.

Alves diz que a gestão é para ser feita ao longo de três anos, e que não se consegue fazer tudo, em tão pouco tempo, numa área tão extensa. O mesmo sublinha que só em 2019 se limparam 119 hectares junto às estradas, num investimento de quase 155 mil euros.

O técnico avança também que, ali, a “quase totalidade” da floresta é de gestão privada. Rui Alves justifica com o abandono a falta de cuidados com a floresta. “Há parcelas que, provavelmente, não têm dono conhecido, e o município não tem por si só força. Não há nenhum instrumento que nos permita fazer todo esse trabalho, e mesmo que o houvesse era impossível os municípios substituírem-se aos privados para fazer essa gestão”, afiança.

 
Só este ano é que urze voltou com alguma abundancia, permitindo aos apicultores voltarem a produzir o mel típico da região.
 

Mais abaixo, no vale da aldeia, Steve não aceita os argumentos. “Três ou quatro homens com instrumentos manuais nunca vão ser suficientes para limpar esta aldeia. As árvores e as plantas vão crescer mais rápido do que eles conseguem trabalhar. Têm de haver muitos mais homens, e material pesado”, explica.

O britânico não percebe que Portugal introduza leis para cortar as árvores e proteger as pessoas em relação aos fogos, e depois essa legislação “não esteja a ser cumprida”. Até é sensível às condicionantes, mas crê que as câmaras e outras autoridades “podem limpar os terrenos de qualquer maneira”.

O sexagenário alerta depois para o perigo que todos os dias lhe entra pelos olhos quando passa na estrada que vai de sua casa à aldeia de Adega. Percorrê-la é ver o alcatrão torneado de árvores, sem qualquer distância de segurança. Steve exclama, com emoção, que os eucaliptos não param de crescer desde o incêndio de 2017. “Em três anos, foram cinco, seis ou sete metros. Como será em cinco ou dez anos? Como será se houver fogos? Mais mortes? Não pode acontecer”, pede.

 
 

Da solidariedade à desconfiança

 
 

O esquecimento de algumas promessas pode estar relacionado, segundo muitos locais, à polémica em que a região se viu envolvida com o processo de reconstrução das casas, e das alegadas ilegalidades cometidas nas moradias de segunda habitação. O caso está a ser dirimido na justiça, mas na boca das pessoas a solidariedade transformou-se em desconfiança.

A ideia é assinalada pelo presidente da Associação Empresarial Penedo Granada, António Domingues. O rótulo de desonestidade começou a queimar sobre os habitantes da região. “Era o que sentia quando saía daqui. Por mim falo enquanto cidadão. Ia a Coimbra, dizia que era de Pedrógão... acabou por transparecer uma imagem para o exterior que nada favoreceu o nosso concelho e as pessoas daqui”, reconhece.

Em termos empresariais e do comércio local, sublinha, pouco se alterou. As coisas estão paradas, como antes acontecia. “Os autarcas tiveram nas suas mãos a possibilidade para pedir e exigir, mas para isso era importante que se tivessem sentado e apresentado um plano estratégico”, explica. Não houve união, e pouco se avançou.

O presidente da autarquia, Valdemar Alves, − que está no olho do furacão do processo das casas de Pedrógão – não quer crer que essa é a razão que levou a que os projetos não saíssem do papel. “Se é por isso que não querem ajudar Pedrogão, não é digno. Será vingança? Nem eu, nem quem trabalhava comigo fizemos nada de mal, pelo contrário”, sustenta.

O professor Xavier Viegas tem uma visão muito diferente. “Pedrogão trouxe os melhores e os piores exemplos da nossa generosidade. A seguir ao incêndio houve uma campanha a que a população reagiu de uma forma única, em poucas semanas juntaram-se 13 milhões de euros. E depois vimos como esse dinheiro foi desbaratado, foi mal aproveitado. Aqui perdeu-se a confiança dos portugueses”, lembra.

 
Na região do Pinhal Interior, caracterizada por terrenos compartimentados, os financiamentos são difíceis de conseguir.
 

Passou-se da solidariedade à indiferença, explica o professor, muito crítico sobre a atuação da autarquia local, e a forma como esta deixou arrastar a aprovação do Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios − apenas fechado em 2018 − que serviu de argumento para que empresas como a EDP e a Ascendi justificassem a falta de limpeza dos terrenos.

 
 

Para onde voaram os milhões?

 
 

A questão do dinheiro e a forma como foi investido é um tema a que é difícil fugir. Os números apontavam para apoios de mais de 303 milhões. O presidente da associação empresarial local, António Domingues, diz que “houve muita promessa”, “houve aparentemente um montante avultado de donativos”, e dinheiro que se destinava à revitalização da zona. Mas em que é que isso se transformou? “Tenho alguma dificuldade em responder. Se andar aí pela região e olhar não conseguimos encontrar grandes evidências daquilo que poderia ter sido um aproveitamento”, lamenta.

Valdemar Alves vocifera que “o dinheiro nunca cá chegou”. “Foi para várias entidades. Abri uma conta dos incêndios no BPI de 300 e tal mil euros, que estão na conta do Revita. Pensei era pegar nesse dinheiro e limpar a região dos casebres, das ruínas, para apagar uma imagem feia que nós temos”, ilustra.

“O dinheiro foi dado para a RTP, à Santa Casa da Misericórdia, à Gulbenkian, e à SIC Esperança. Esses receberam milhões, que está a ser empregue nas casas”, afiança.

Pela região, há um desalento que se começa a apoderar das pessoas. Em Castanheira de Pera, a gestora da Serração Progresso, Sandra Carvalho, garante que se se “olhar à volta não se vê grande coisa”. “Os apoios são poucos ou nenhuns”, identifica.

“O concelho ficou mais pobre, as pessoas continuam a emigrar ou a sair para as cidades, postos de trabalho continuam a não existir - os que temos, são praticamente aqueles que existiam. Continuamos a ter um Interior abandonado, a floresta está abandonada e desertificada”, sublinha.

No quartel de bombeiros, o sentimento de desilusão é o mesmo. “Prometeu-se isto e aquilo, e disse-se que isto foi uma marca, e agora a marca já não tem significado”, sublinha o comandante José Domingues.

Em relação às promessas dos políticos, uma frase: “sinto-me defraudado”.

Valdemar Alves é político, mas também está indignado com outros políticos: “Tudo o que prometeram está na palma da mão. Prometeram mundos e fundos neste salão, e isso acabou. Apareceram outras coisas, o vírus, que deram mais antena. E o Interior continua no esquecimento”.

O sentimento de oportunidade perdida começa a adensar-se. O presidente da APFLOR acha que, no início, “as pessoas estavam com uma mente muito aberta a mudar”, mas com o tempo a passar “se calhar cada vez estão menos”. “Começam a esquecer-se do assunto”, teme.

“Houve muitas pessoas a investir do próprio bolso, sem financiamento do próprio bolso. Houve pessoas que o quiseram fazer nos terrenos, e que disseram saber que nunca iam tirar rendimento nenhum, mas iam mudar as propriedades. Isso existiu”, lembra.

Num país em que o poder central e local não se coordenaram, em que as entidades não comunicaram, e em que as prioridades não duram muito tempo, a floresta precisaria de anos para recuperar o tempo perdido. Algo que é difícil no Interior, segundo o professor Xavier Viegas.

“Estes territórios facilmente são esquecidos e estes cidadãos são considerados cidadãos de segunda. Notámos isso bem durante o incêndio ao andar pelo território. Esse tipo de atitude não me parece que tenha mudado. Apesar dos anúncios de descentralização de instalar organismos no interior, isso são apenas coisas de fachada”, remata.

 
 

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Junho de 2020 – © Renascença

Em 2017 arderam perto de meio milhão de hectares de floresta e matos.
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