D. João I, por Carta Régia de 25 de agosto de 1395, determinou que: «Se algum fogo levantasse, o que Deus não queira, todos os carpenteiros e calafates venham aquele lugar, cada um com o seu machado, para atalhar o dito fogo. E que todas as molheres que ao dito fogo acodirem, tragam cada uma seu cantaro ou pote para carretar auga para apagar o dito fogo. E porque muitos acodem e vêm ao fogo para roubar, os cem correctores que há na cidade se desloquem com suas armas para o local para prevenirem que se não faça roubo.»
Assim, se crê que tenha sido por determinação de D. João I que se assistiu à criação do primeiro corpo de bombeiros, esses anjos da guarda que teimam em cuidar de todos e de cada um de nós, contrariando as adversidades e com o foco na proteção das pessoas, animais e bens materiais, desconsiderando a sua própria vida para valorizar e proteger as populações.
Desde os verões da minha infância, nas serras de Pampilhosa da Serra, que os bombeiros são uma presença constante e amiga no nosso dia-a-dia.
Lembro-me de numa noite o sino da aldeia tocar a rebate e de a avozinha dizer: “agora ficam em casa com o avozinho, que não pode andar, e a avó vai juntar-se aos demais para combater o fogo que já chegou a Praçais, os bombeiros precisam de nós. Fiquem aqui sossegadinhos e apenas sairão de casa se alguém vos disser para sair e não se esqueçam de obedecer às ordens que vos derem”.
Nem imaginam o medo que tive em não voltar a ver a avozinha e quando fui à janela dizer adeus, então, vi os tios e os primos a caminhar, apressadamente, com enxadas e com sachos e entre si iam sussurrando “isto está um perigo”.
A avozinha regressou no outro dia de manhã, sã e salva, assim como os restantes habitantes, e todos conseguiram salvaguardar a aldeia do “lume”, mas um bombeiro havia morrido…, consumido pelas chamas…, terá dito “salvem-me, por favor, não me deixem morrer”! Mas as chamas foram superiores à vontade, à determinação, ao trabalho e à dedicação de todos. O “lume”, as “labaredas”, com o intenso vento, com um tempo muito seco e com pouca humidade, ganharam (e ganham) vida própria e destroem quase tudo, inclusivamente as vidas humanas que se atrevem a desafiar tal monstruosidade.
Nunca me consegui esquecer daquele bombeiro que conhecia, bem como dos seus familiares. E hoje quando fazemos memória dos bombeiros que recentemente perderam as suas vidas para salvar as vidas e os bens dos outros (a tal “Vida por vida”) que tenhamos a coragem de não olhar para estas tremendas perdas com discórdia, com aproveitamento político. Honremos, antes, as suas vidas, as suas partidas, em pleno exercício de funções, com a adoção de políticas que permitam “contribuir para diminuir o risco e a perigosidade de incêndios rurais em colaboração com os agentes do território”.
Em Portugal existe um universo de cerca de 472 Corpos de Bombeiros, distribuídos por Corpos de Bombeiros Sapadores, Corpos de Bombeiros Municipais, bem como por Associações de Bombeiros Voluntários e Corpos de Bombeiros Privativos. E ainda que o número total de bombeiros tenha diminuído (e aqui se incluindo os bombeiros voluntários), a verdade é que temos cada vez mais bombeiros profissionais em Portugal.
Que tenhamos, assim, cada vez mais bombeiros e que juntos consigamos fazer-nos ao largo para combater o bom combate!
Paula Margarido, Advogada e Deputada da XVI Legislatura