China e Vaticano perto de acordo sobre nomeação de bispos, diz especialista
10-03-2018 - 10:35

Solução pode seguir o modelo vietnamita, em que o Governo e o Vaticano colaboram para encontrar os bispos para cada diocese.

A China e o Vaticano estão prestes a quebrar mais de meio século de antagonismo com a assinatura de um primeiro acordo, afirmou Francesco Sisci, especialista nas relações entre Pequim e a Santa Sé.

"Estamos perto", diz Sisci, numa entrevista à agência Lusa, na sua casa em Pequim, um dos raros “siheyuan” – típicas residências chinesas construídas em torno de pátios espaçosos –, que não foi arrasado para dar lugar a construções em altura.

"Acompanho isto há muitos anos. Muitas vezes tratou-se apenas de diálogo, mas nos últimos tempos gerou-se um 'momentum'", acrescenta.

China e Vaticano romperam os laços diplomáticos em 1951, depois de Pio XII excomungar os bispos designados pelo Governo chinês. Pequim reivindicava o direito a nomear os bispos católicos, considerando que a nomeação a partir de Roma representava uma ingerência inaceitável nos seus assuntos internos.

Os católicos chineses dividiram-se então entre duas igrejas: a Associação Católica Patriótica Chinesa, aprovada por Pequim, e a clandestina, que continuou fiel ao Vaticano.

A divisão esmoreceu-se nos anos 1980, quando o Papa João Paulo II reconheceu 30 bispos designados pela igreja oficial chinesa. Em 2007, Bento XVI apelou a uma reconciliação entre a igreja clandestina e a oficial, mas em algumas áreas do país continuaram a existir divisões.

Sisci, que está radicado na China desde 1988, mas que passou o último ano e meio entre Roma e a capital chinesa, garante agora que a questão da nomeação dos bispos está resolvida.

"Existe já um acordo, no qual o Estado [chinês] e a igreja católica reconhecem os bispos", diz Sisci, que há dois anos realizou a primeira entrevista ao Papa Francisco exclusivamente sobre a China.

Francisco celebra a 13 de março cinco anos de eleição para Papa, sucedendo a Bento XVI. A celebração de um acordo seria um enorme avanço e um triunfo para o pontificado de Francisco, embora já se tenham feito ouvir muitas críticas por parte de vozes da Igreja que consideram qualquer cedência a Pequim uma traição.

Vários observadores sugerem que o acordo poderá ser semelhante ao assinado em 1996 entre o Vaticano e o Vietname, país vizinho da China e também governado por comunistas. Neste caso, a Santa Sé propõe três bispos a Hanói, e o Governo vietnamita escolhe um deles. Em entrevista à Renascença, um missionário que teve vários anos na China, mas prefere não ser identificado, diz que a China quer uma solução ao estilo vietnamita, mas ao contrário, com Pequim a propor três candidatos e Roma a escolher um. “Parece a mesma coisa, mas não é”, diz o missionário, que em todo o caso se confessa muito cético sobre a assinatura de um acordo para breve.

Francesco Sisci também considera o caso chinês "mais complicado" que o de Vietname.

"No Vietname, não existia a Associação Patriótica. E aqui, o grande obstáculo à normalização das relações tem sido o futuro da igreja oficial", lembra.

O italiano nota ainda que o Partido Comunista do Vietname guarda boa memória da igreja católica: "Em muitos aspetos, os líderes [vietnamitas] não foram antagonizados pela igreja, alguns até estudaram em escolas católicas", aponta.

Já na China, existe "uma suspeição" face à igreja.

"Quando os comunistas tomaram o poder, em 1949, o núncio papal [representante diplomático permanente do Vaticano] ficou em Nanjing [a capital chinesa antes da revolução] e recusou-se a ir para Pequim", lembra.

O Vaticano terá assim tomado partido pelo antigo Governo nacionalista chinês, que se refugiou então na ilha de Taiwan, onde se continua a identificar como governante de toda a China. "Existe esse ressentimento", conclui Sisci.