Muito superior a qualquer diamante
02-02-2023 - 20:15
 • Aura Miguel , enviada da Renascença à RDC

O Papa Francisco usou em Kinshasa palavras duras para desmascarar as terríveis formas de exploração desumana, os conflitos étnicos e as tentativas de fragmentação da República Democrática do Congo (RDC).

Geograficamente situado no coração de África, a República Democrática do Congo é um país muito rico em matérias-primas e recursos naturais. A sua “luminosa beleza” foi definida pelo Papa Francisco como “um diamante da criação” que, no entanto, se enche de sangue pelo “veneno da ganância” de multinacionais e países vizinhos, sobretudo na zona leste do país, ao ponto de “os frutos da terra serem estranhos aos próprios habitantes”.

Por isso, “tirem as mãos da República Democrática do Congo”, afirmou o Santo Padre, com veemência, logo no primeiro dia da sua visita, perante as autoridades do país. “Não se deixem manipular nem comprar pelos que mantêm a violência para explorar negócios vergonhosos”.

No entanto, mais forte ainda do que as denúncias, foram as palavras e gestos de Francisco para com este povo. “Todos vós sois infinitamente mais preciosos do que qualquer bem deste solo”, sublinhou o Papa.

“Estou aqui para vos abraçar e recordar que tendes um valor inestimável, que a Igreja e o Papa têm confiança em vós.” E acrescentou, como se falasse a cada um: “Coragem! Levanta-te, retoma nas mãos, como um diamante puríssimo, aquilo que és, a tua dignidade, a tua vocação de guardar na harmonia e na paz a casa que habitas”.

É nesta perspetiva que acontece o ponto alto da visita. Sim, só o facto do Papa ter vindo à RDC, onde há seis milhões de deslocados e 26 milhões de pessoas que enfrentam fome severa, já é importante e foi notícia. Mas, desta vez, Francisco foi mais longe e mostrou-nos a realidade aterradora vivida por vítimas inocentes e desprotegidas do ódio e da violência extrema. Têm nomes e apelidos e o mundo inteiro pôde ver os seus rostos e seguir, em direto, os relatos das dolorosas atrocidades que sofreram.

Cada caso foi testemunhado com realismo e grande dignidade, apesar das horríveis circunstâncias testemunhadas na primeira pessoa, e das feridas profundas que persistem. E é aqui que se introduz a poderosa mensagem de perdão e reconciliação que Francisco trouxe à RDC.

É que, perante relatos destes, tão cruéis e aterradores, estas vítimas, algumas delas mutiladas, manifestaram o seu perdão. No final de cada testemunho colocaram aos pés de uma Cruz, simbolicamente colocada ao lado do Papa, alguns objetos de triste memória relacionados com os crimes sofridos, como catanas, machados, lanças, e fardas militares.

Basta ouvir ou ler as descrições destas atrocidades crimes para nos revoltarmos. Mas a Igreja na RDC nunca abandonou as vítimas e, com a sua sabedoria e fé viva, ensinou-as a perdoar aos seus carrascos.

“Santidade, em tudo isto a Igreja continua a ser o único refúgio que cura as nossas feridas e consola os nossos corações através dos seus múltiplos serviços de apoio e conforto”, disse Mukumbi Kamala, uma destas vítimas, da cidade de Goma, raptada por rebeldes e violada, várias vezes ao dia, durante 19 meses, na floresta. "A vossa presença, Santidade, dá-nos a certeza de que toda a Igreja cuida de nós. Muito obrigado por ter vindo”.

Em silêncio, Francisco saudou com delicadeza cada um destes homens, mulheres e adolescentes, testemunhando assim como a sua vida e dignidade tem um valor inestimável muito superior a qualquer diamante. E, quando chegou a sua vez de falar, o Papa assegurou que “a Igreja está e estará sempre da vossa parte. Deus ama-vos e não Se esqueceu de vós; oxalá se recordem de vós também os homens!”