​A maioria absoluta e o pântano
02-10-2015 - 19:07

Há seis meses, dir-se-ia que no dia 2 de Outubro de 2015 se estaria a dissecar a previsível vitória do PS: com ou sem maioria absoluta. Seis meses depois, a dúvida sobre a absoluta maioria mantém-se, mas em vez do sucesso do PS, pondera-se a amplitude da vitória da Coligação de Passos Coelho e Paulo Portas.

Essa é, para já, a maior derrota de António Costa. O líder socialista não conseguiu segurar as expectativas que criou. Afastou-se do centro (eleitorado que define vitórias e derrotas), sem convencer a esquerda a votar útil no PS: trocou o centro por quase nada. O discurso eleitoral errático de Costa abriu mesmo espaço ao Bloco e à CDU, e às animadas campanhas de Catarina e Jerónimo.

Se nas eleições de Domingo não houver maioria absoluta, muito ouviremos falar sobre o nº1 do Artigo 187 da Constituição. Trata-se de uma norma constitucional que diz muito simplesmente que o primeiro-ministro é nomeado pelo presidente da República, ouvidos os partidos com assento parlamentar e “tendo em conta os resultados eleitorais”.

Com maioria absoluta, tenha ela a cor que tiver, a escolha é linear e a estabilidade estará assegurada. Mas se as sondagens estiverem próximas da realidade, não haverá maioria absoluta. E sem maioria absoluta, há um cenário simples e outro mais complexo.

Se a Coligação vencer e o PS conhecer uma derrota ampla, é impossível o Presidente da República indigitar outro primeiro-ministro que não Passos Coelho, mesmo sem dispor de maioria absoluta. Esse é o cenário mais simples. Claramente derrotado, António Costa terá o seu lugar em risco e o próprio partido socialista acabará por viabilizar (basta abster-se na apreciação do programa do Governo) um executivo da Coligação, mergulhando de seguida num período de previsível conflitualidade interna.

Mas há um cenário mais complexo, que algumas sondagens deixam entrever: uma vitória mais curta da PAF, em que o PS, apesar de derrotado pela Coligação, acabasse por eleger um grupo parlamentar ligeiramente superior ao do PSD. Tal resultado pressuporia uma derrota menos expressiva do PS e um grupo parlamentar do PSD menos numeroso do que o previsto, em função do acordo eleitoral de distribuição de lugares que celebrou com o CDS/PP.

Nesse caso (insólito) – vitória da Coligação, sem maioria absoluta, mas com um grupo parlamentar socialista maior do que o do PSD - o Presidente da República estaria confrontado com um dilema: Indigitar o chefe da Coligação que teria inequivocamente ganho as eleições? Ou avançar de imediato para a indigitação do líder do partido com maior expressão parlamentar se - ouvidas as formações políticas - chegasse à conclusão de que um governo da Coligação nunca seria viabilizado na Assembleia da República?

Nesse cenário, a formação de um Governo com apoio maioritário seria uma caminhada dolorosa e pantanosa, não só pela complexidade e precariedade dos alinhamentos e acordos políticos, mas também pelo factor tempo. Com os prazos legais em vigor (anacrónicos e lentos para os dias de hoje) não teríamos Governo antes do fim do ano, numa sequência política vertiginosa, em permanente curto-circuito com a campanha eleitoral para a Presidência da República. Acresce que Portugal não se pode dar ao luxo de evidenciar sinais exteriores de instabilidade e desorientação política. Nesses casos, os mercados costumam ser pouco menos que implacáveis, como todos os agentes políticos sabem e o povo também se recorda.

A estabilidade política e económica do país precisa, por isso, de uma maioria absoluta, como de pão para a boca.