ONU avisa que os refugiados "climáticos" não podem ser repatriados
20-01-2020 - 18:51
 • Tiago Palma

Em causa nesta posição inédita (o estatuto de refugiado climático não se encontra por enquanto consagrado no direito internacional) das Nações Unidas está a queixa de Ioane Teitiota, um habitante de Kiribati (arquipélago do Pacífico em risco de desaparecer com a subida do mar) que pediu asilo à Nova Zelândia, mas acabaria repatriado. Fazer refugiados climáticos regressar aos países de origem pode “expô-los a uma violação dos seus direitos”, nomeadamente o direito à vida, declara a ONU.

Pese embora as Nações Unidas estimem que, daqui por cerca de 30 anos, 250 milhões de pessoas sejam afetadas pelas alterações climáticas, o Estatuto de Refugiado (que vem já de 1951 e foi revisto pela última vez na década de 1960) não define o que é um refugiado “climático” – ou seja, alguém que se vê forçado a abandonar o seu país de origem em consequência, por exemplo, da subida do mar.

Refugiado é, portanto, quem se vê perseguido por questões relacionadas com a sua nacionalidade, raça, grupo social, orientações religiosas ou políticas. Não é o caso de Ioane Teitiota.

Teitiota, de 42 anos, é natural do Kiribati, um de vários pequenos Estados da região do Pacífico (enquanto país, Kiribati, um arquipélago que é formado por 33 pequenas ilhas, só existe há pouco mais de quatro décadas, tendo sido por vários anos uma colónia britânica) que estão em risco de desaparecer devido à subida do mar.

Teitiota pediu asilo, para si e para a sua família (mulher e filhos menores), à Nova Zelândia. Natural da Tarawa do Sul, a capital de Kiribati, o homem dizia-se afetado pela superlotação do local (a população que era de 1.641 habitantes em 1947 subiu para 50 mil em 2010), pois à medida que as ilhas vizinhas foram desaparecendo, os seus naturais foram viver para Tarawa do Sul.

Isso levou, segundo denunciou então Teitiota, ao aumento das tensões sociais, tendo dificultando igualmente o acesso a água potável e destruído as colheitas – estimando Ioane Teitiota que Tarawa do Sul se tornasse inabitável em pouco mais de uma década.

Em 2010, Ioane Teitiota mudou-se para a Nova Zelândia, pediu formalmente asilo enquanto “refugiado climático” em 2013, mas este foi-lhe rejeitado e acabaria repatriado em 2015.

Em 2016, resolveu apresentar uma queixa formal contra o governo neozelandês ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, alegando que a sua situação era idêntica “à de um refugiado de guerra” e que tinha “medo de morrer” em Kiribati.

Direito à vida "violado"

Agora, volvidos quatro anos, a ONU pronunciou-se sobre este caso, e mesmo não tendo declarado a decisão da Nova Zelândia ilegal, lembra que os refugiados “climáticos” não devem ser forçados a regressar aos países de origem, pois isso pode “expô-los a uma violação dos seus direitos”, nomeadamente o direito à vida.

“Tendo em conta o risco extremo de um país ficar submerso, as condições de vida nesse país podem tornar-se incompatíveis com o direito a viver condignamente”, acrescenta a ONU nesta sua posição inédita, que pode vir a abrir a porta para se consagre, no futuro, o estatuto de refugiado climático no que ao direito internacional diz respeito.

Quanto ao caso de Teitiota, a ONU lembra que, de facto, a ilha de Kiribati se encontra em risco de desaparecer, “mas não em 10 a 15 anos” – como Teitiota alegava; a ONU estima que tal só venha a acontecer em meados de 2050 –, pelo que “com a ajuda da comunidade internacional” o país ainda pode “tomar medidas com vista a proteger e deslocar a sua população” para outros locais.

Quem já se congratulou pela tomada de posição da ONU foi a Amnistia Internacional, que considera que a mesma “marca um precedente global”. De acordo com Kate Schuetze, investigadora da ONG, “um Estado contraria as suas obrigações quanto aos direitos humanos se repatria alguém para um país onde, devido à crise do clima, a sua vida está em perigo ou em risco de um tratamento cruel, desumano e degradante”.