Como interpretar o gráfico de António Costa? E que indicadores foram excluídos?
12-03-2021 - 13:52
 • Joana Gonçalves

“O esquema que o primeiro-ministro mostrou está sobressimplificado, porque dá a ideia de que só temos dois cenários, mas nós apresentámos vários”, afirma Manuel Carmo Gomes, um dos responsáveis pelo relatório de recomendações enviado à Ministra da Saúde. O professor de epidemiologia da Universidade de Lisboa acredita que o Rt pode ultrapassar em breve o valor limite definido pelo Governo.

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O primeiro-ministro apresentou na quinta-feira o plano para o desconfinamento faseado do país e deixou um alerta: "Se chegarmos à zona vermelha, temos mesmo de andar para atrás."

Mas o que é a zona vermelha e que cenários podem comprometer a reabertura do país? Sem legenda e "sobressimplificado", o gráfico apresentado por António Costa suscitou algumas dúvidas sobre que indicadores estariam representados em cada eixo e quais “as linhas vermelhas” que ditariam uma paralisação ou até um retrocesso no plano de desconfinamento.

Este retângulo colorido guarda as respostas que vão determinar o ritmo de reabertura de Portugal. Nele foram identificados quatro cenários, correspondentes a três níveis de alerta.

Risco mínimo

O índice de transmissibilidade e a incidência cumulativa a 14 dias, são os dois indicadores a ter em conta. Só com uma incidência abaixo de 120 casos por 100 mil habitantes e um Rt inferior a um é que Portugal terá condições para avançar com o desconfinamento, como definido esta quinta-feira.

Ao dia de hoje, o índice de transmissibilidade (Rt) em Portugal fixa-se nos 0,8.

Risco intermédio

Noutro cenário, o plano será paralisado se ocorrerem uma de duas coisas. Por um lado, se a incidência ultrapassar os 120 casos por 100 mil habitantes e o Rt se mantiver inferior a um. Por outro, se a incidência for inferior a 120 casos por 100 mil habitantes, mas o Rt superar um.

De acordo com a última atualização do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, a região de Lisboa e Vale do Tejo integra este nível de risco, uma vez que, apesar de contabilizar um Rt inferior a um (0,75), apresenta uma taxa de incidência de 125,5 casos por 100 mil habitantes, que supera o valor limite definido pelo Governo.

Risco máximo

Por fim e na pior circunstância, a incidência ultrapassa os 120 casos por 100 mil habitantes e o índice de transmissibilidade supera a um. Esta dinâmica entre os dois indicadores é fundamental para avaliar o tempo que o país levaria a atingir um número de casos diários que o coloque próximo de um cenário semelhante ao que se viveu nos últimos meses.

“Quando o Rt é igual a um isso significa apenas que o número diário se manterá igual. Esse planalto pode ser baixo, médio ou alto. Agora tenderíamos para um planalto se nos mantivéssemos todos confinados, mas é óbvio que já não estamos, os índices de mobilidade estão a aumentar. A partir de segunda-feira vamos desconfiar ainda mais. É natural que o Rt chegue a um e ultrapasse esse valor”, explica Manuel Carmo Gomes, em entrevista à Renascença.

Para o professor de de epidemiologia e um dos especialistas consultados pelo Governo desde o início da pandemia em Portugal, “o esquema que o primeiro-ministro mostrou está sobressimplificado, porque dá a ideia que só temos dois cenários, mas nós apresentámos vários”.

Para além dos indicadores apresentados por António Costa, os especilistas sugerem que, "paralelamente, sejam acompanhados outros quatro indicadores".

Foram definidos quatro indicadores secundários:

  1. Taxa de positividade (<4%)
  2. Isolamento e rastreamento de contatos nas primeiras 24 horas (>90%)
  3. Atrasos na notificação de casos confirmados (<10%)
  4. Controlo das novas variantes de preocupação

De acordo com os indiadores secundários apresentados pelos especialistas, a percentagem de casos positivos face ao total de testes diários não deverá ultrapassar os 4% e a percentagem de casos confirmados que não dão origem a rastreio ou isolamento em 24 horas não deve ultrapassar os 10%.

Também os atrasos entre a confirmação do teste positivo por um labortório e a sua notificação no Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) deve ser inferior a 10%. E todos estes indicadores devem ser acompanhados de um controlo apertado das novas variantes de preocupação que circulam no país, como as variantes do Reino Unido ou do Brasil.

Para além disso, Carmo Gomes adianta que a matriz principal apresentada pela equipa de especialistas consultados pelo ministério da Saúde, era "mais completa", "onde admitíamos, por exemplo um Rt entre 1,05 e 1,1 e nessa situação - que é uma situação onde vamos cair provavelmente em pouco tempo - é necessário avançar com uma monitorização muito cuidada da situação de risco do país. Quer do país como um todo, quer das regiões".

"Nessa zona [com um Rt entre 1,05 e 1,1,] é necessário acompanhar diariamente os restantes indicadores e responder de imediato mal eles comecem a subir", defende o professor de epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Durante as próximas semanas o ritmo de desconfinamento do país dependerá da evolução destes seis indicadores. Dia 15 de março reabrem as creches, o pré-escolar e 1.º ciclo. Também o comércio ao postigo será retomado e os cabeleireiros, manicures e similares voltam a abrir portas. Consulte aqui o programa completo de desconfinamento.