A direita portuguesa
01-12-2021 - 13:26

Hoje por hoje, o PSD rioísta e centrista está mais distante da IL do que do PS; a IL é ainda pequena e algo estrangeirada, e o Chega ainda é demasiado extremista e trauliteiro

A dissolução do parlamento e a convocação de eleições legislativas para janeiro aceleraram o debate acerca do lugar e da substância da direita no campo político português. A disputa entre Rui Rio e Paulo Rangel redundou numa vitória do primeiro, no que muitos consideraram ser a afirmação das bases sociais-democratas sobre o aparelho, do “povo laranja” sobre os “barões elitistas” do partido, dos pragmáticos a quem já cheira a poder sobre os puristas da ideologia (qual é ela?) do PSD. Mas em todas estas semanas e meses, na verdade há anos, o problema é o de sempre – discute-se o lugar da direita, e não a sua substância.

À direita portuguesa tem faltado uma definição positiva, pró-ativa, diferenciadora e agregadora. As mais das vezes, ela é o que a esquerda deixa ser, ou seja, são de direita os que não são de esquerda. Mas os que não são de esquerda querem, como Rui Rio, o centro (onde há muito se instalou a esquerda), ou pretendem, como Rangel, a Iniciativa Liberal ou o Chega, definir-se como “não-socialistas”? Repare-se que definir um projeto ideológico para a política, a economia e a sociedade como simplesmente “não-socialista” pode dar a medida do que se recusa, mas é algo vago acerca do que se afirma. Os bem-pensantes foram rápidos a crucificar Ventura por ele ter lembrado o “Deus, Pátria, Família e Trabalho” do extinto salazarismo. Se a direita não quer isso, ou não é isso, então o que é? Libertar a sociedade civil do estatismo socialista? Essa era a bandeira da AD e tem 40 anos. Lutar contra o politicamente correto e as causas fraturantes do BE e PCP? Mas com que valores e discurso para a sociedade, a família, a cultura ou o indivíduo? Tudo é bastante nebuloso e, hoje por hoje, o PSD rioísta e centrista está mais distante da IL do que do PS; a IL é ainda pequena e algo estrangeirada, e o Chega ainda é demasiado extremista e trauliteiro (embora a extrema-esquerda também tenha os seus excessos… e só não é trauliteira porque já se aburguesou com o cheiro de poder que a Geringonça lhe deu!).

O problema da insubstantividade estrutural da direita portuguesa é muito mais fundo. Uma direita democrática moderna pode ser conservadora ou popular, mais democrata-cristã num caso, mais liberal no outro. Em Portugal, no entanto, há duzentos anos que não há reais condições para nenhuma delas. Desde que a revolução liberal liquidou o antigo regime, a monarquia tornou-se uma convenção, a aristocracia desapareceu, o catolicismo secularizou-se, o nacionalismo e o patriotismo tiveram de ser refeitos. Pouco havia, no sentido tradicional, para conservar em Portugal e, desde 1834 até 1926, toda a gente foi progressista, inovadora, revolucionária.

Quando por cá houve “direita” no poder, ela foi, sobretudo, uma vincada reação à anarquia demoliberal republicana, assumindo as vestes de uma ditadura salvífica – o Estado Novo – cujo caráter repressivo e a extensa duração tornaram maldita a palavra “direita” até hoje. Removido o Estado Novo, o PREC inchou a esquerda e empurrou o centro social-democrata para a posição de uma direita envergonhada (o PPD-PSD), ou minoritária (o CDS). E a AD, o cavaquismo ou o passismo foram, respetivamente, um projeto civilista que Camarate deixou interrompido, um fôlego neo-fontista de tecnocracia e progresso, e um plano de resgate nacional, demasiado condicionado pela conjuntura. Numa palavra: não há “toryism” em Portugal, nem o PSD é o mesmo que o PP espanhol. E enquanto a direita portuguesa não se livrar do seu complexo de inferioridade perante os putativos donos do regime, continuará a discutir que posição pode ter perante eles e não o que fazer, de original e diferente, para lá deles.