Camarinhas. Estas bagas crescem nas dunas e podem ajudar a combater o cancro
14-04-2021 - 06:19
 • Liliana Carona

As camarinhas só existem na orla costeira da Península Ibérica. Por serem raras e pouco conhecidas, um grupo de 20 investigadores está, desde 2018, a estudar o seu valor nutricional e contributo na inibição de células tumorais, algo já confirmado em ensaios preliminares.

De cor esbranquiçada, as camarinhas são bagas que nascem espontaneamente nos pinhais, dunas e nos penhascos – por exemplo, em Aljezur, Quiaios, Murtinheira, Mira (Palheirão).

Com um sabor ácido e doce, refrescante, mais intenso do que a uva, “ou se apaixona ou se odeia”, assim descreve quem prova desde infância as camarinhas, na praia de Mira.

Aida Moreira da Silva, de 57 anos, coordena uma equipa de investigação composta por 22 académicos, que tentam decifrar as potencialidades de uma baga que é única na Península Ibérica.

Há, inclusivamente, uma subespécie, que só se encontra nos Açores e, por isso, tão pouco estudada, sendo uma planta autóctone em vias de extinção.

Aida Moreira da Silva, da Unidade de Química e Física Molecular da Universidade de Coimbra, revela o valor nutricional da camarinha: “são ricas em minerais, em hidratos de carbono e têm efeito antioxidante, ou seja, inibem a formação de radicais livres que são responsáveis por várias doenças e pelo envelhecimento”, afirma a investigadora, salientando em particular o papel desta baga na inibição de células tumorais.

“Usámos os extratos da planta para ensaiar em células modelo de vários tumores, já começámos com os cancros do cólon, já fizemos em estômago e agora em cancro da mama. E uma parte da planta da camarinheira revelou, em ensaios 'in vitro' preliminares, que havia inibição da replicação das células, inclusive indução de morte”, anuncia, clarificando que se trata “do início de um longo processo, do levantar a ponta do véu”.

O projeto IDEAS4life – novos ingredientes alimentares de plantas marítimas, que foi aprovado pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) contempla nesta fase a tentativa de criação de um fármaco, a partir da camarinha.

“Estamos a fazer ensaios em células de cancro de estômago e cancro da mama com extratos preparados de diferentes maneiras; estamos na fase de tentar identificar/criar algum fármaco”, esclarece a também docente da Escola Superior Agrária, do Instituto Politécnico de Coimbra, acrescentando que “estão a identificar os vários componentes e a verificar quais destas frações tem essa ação inibidora. São resultados preliminares e isto demora tempo”, destaca.

Reintrodução da camarinha na dieta portuguesa

Além de um eventual contributo para a medicina, o estudo quer recuperar o uso da camarinha na culinária portuguesa.

Aida Moreira conta que está em curso o desenvolvimento de novos pratos que envolvam estas plantas. A valorização dos recursos endógenos, da orla marítima, o caso das plantas halófitas e da camarinha é um dos principais objetivos do projeto.

“Aquilo que fizemos com a camarinha foi estudar uma planta que ainda não tinha sido estudada. Estamos a contribuir para ser criada uma nova cultura e que seja viável ao nível económico na orla costeira. Há vários chefs interessados. Já estabelecemos uma colaboração com o restaurante 'Can the Can', no Terreiro do Paço, onde há pratos confecionados com essa baga. Que estas plantas possam ser alimentos do futuro e aumentar a diversidade da dieta. Eu faço geleia, faço gelados, refrescos, mas não fui eu que inventei”, garante, sublinhando que “há um prato da Figueira da Foz que consiste em acompanhar lombo assado com a geleia de camarinha, à semelhança dos países nórdicos”, conclui, recordando que se trata de um alimento ancestral que já viajava no tempo dos descobrimentos, nas caravelas, como fonte de vitamina C”.