O destino cruel de quem nasce pobre
10-03-2020 - 18:26

Uma em cada cinco crianças em Portugal estão, à partida, condenadas a um destino, no mínimo cruel: continuarem a serem pobres. 125 anos para conter este surto é, de facto, muito tempo.

Em Portugal, sonhar, infelizmente, não é para todos. “Mais de um quinto (21,9%) dos menores de 18 anos em Portugal encontravam-se, em 2018, em risco de pobreza ou exclusão social, um valor ligeiramente abaixo da média da União Europeia (23,4%), segundo dados da Eurostat divulgados pela Renascença.

Apesar dos valores estarem a melhorar, o que estes dados nos indicam é que estamos a perpetuar o ciclo de pobreza e a transmiti-la de uma geração para outra; uma em cada cinco crianças em Portugal estão, à partida, condenadas a um destino, no mínimo cruel: continuarem a serem pobres. 125 anos para conter este surto é, de facto, muito tempo…

De facto, hoje sabemos que os efeitos da pobreza começam antes do nascimento, acumulam-se ao longo da vida e, normalmente perpetuam-se pelo menos por cinco gerações.

A pobreza infantil tem impactos negativos na saúde das crianças, no seu desenvolvimento cognitivo, no desenvolvimento social, emocional e comportamental e nos resultados educativos.

Estudos internacionais, que na essência não devem diferir do que acontece em Portugal, indicam que estas crianças nascem com menos peso (cerca de 200 g menos), têm mais probabilidade de morte súbita durante a infância, de sofrerem de obesidade entre os quatro e os cinco anos, de terem doenças crónicas, de morrerem de acidente e/ou de sofrerem de problemas mentais.

Além disso, uma criança que nasça numa família pobre e com baixa escolaridade materna, revela atividade cerebral mais fraca, o que poderá significar dificuldades de aprendizagem mais significativas.

Uma infância pobre tem, de facto, repercussões de longo alcance e duradouras que se estendem ao longo de todo o ciclo vital - maior risco de morrer de cancro, doença cardíaca ou doenças causadas por consumos aditivos. Além disso, a esperança de vida das pessoas que nascem e crescem em zonas mais carenciadas é cerca de 9,2 anos menor do que a restante população.

Os determinantes socioeconómicos de saúde no Reino Unido indicam uma situação gravíssima, talvez por incompetência minha não tenha encontrado dados para Portugal, mas, infelizmente, estou a crer que não seriam significativamente melhores.

Saber que uma em cada cinco crianças vive uma situação de pobreza em Portugal é assustador, saber que em média serão necessários 125 anos para quebrar este ciclo é desanimador.

Apesar disso, talvez este diagnóstico possa ser útil na tentativa de mudar esta realidade. Assim, embora o impacto de nascer pobre pareça aprisionar as crianças num ciclo inter-geracional de miséria, a verdade é que o nosso país conseguiu transformar, de forma absolutamente surpreendente, os indicadores da mortalidade infantil. Talvez agora, devamos fazer desta “morbilidade social” a nossa bandeira. Este é o futuro de todos nós.


Ana Sofia Carvalho
Professora do Instituto de Bioética
Universidade Católica Portuguesa