Mário Ferreira. “Para mim [as ações da Cofina] são lixo”
19-05-2020 - 07:00
 • João Carlos Malta

É o homem do momento na comunicação social em Portugal. Após ter comprado 30,22% da Media Capital, diz à Renascença que, se aparecer outro bom negócio, não enjeitará voltar a investir no setor. Nesta entrevista, Ferreira dispara em todas as direções: na do ex-amigo e ex-parceiro de negócios Paulo Fernandes, na da ex-deputada Ana Gomes e na do Partido Comunista Português. Em relação ao futuro, não podia estar mais confiante.

Aos 52 anos, Mário Ferreira está na crista da onda. O termo não poderia ser mais adequado para um homem que o programa de televisão da SIC “Shark Tank” consagrou como “tubarão”.

Com uma fortuna de centenas de milhões de euros que começou nos cruzeiros do rio Douro, que continua a dominar, tem um império empresarial de mais de 40 empresas em vários setores de atividade, do turismo, às energias renováveis ou seguros.

Garante que nas suas empresas ninguém ganha menos de mil euros e que esse devia ser o salário mínimo em Portugal.

Num momento em que investe 10,5 milhões euros na dona da TVI, aponta o rumo para o futuro da empresa. Considera que não é um disparate investir num setor que todos dizem dar prejuízo, porque agora “é uma loucura mais barata”.

O processo de compra da Media Capital fica ainda marcado pelo romper da relação de amizade com o dono da Cofina, Paulo Fernandes, com quem diz que não voltará a trocar uma única palavra.

Num momento de fogo cerrado com o ex-parceiro de negócios, qualifica os 2,5% que detém na Cofina e no Correio da Manhã - que nos últimos dias tem publicado várias notícias sobre ele, algumas relacionadas com investigações judiciaiscomo - “lixo”.

Sem papas na língua, diz que a frontalidade não lhe fecha portas, “dá-lhe paz de espírito”.

O Mário Ferreira tem uma fortuna avaliada em cerca de 600 milhões de euros. O que é que o motiva? Ainda é o dinheiro ou agora é uma questão de poder?

Se calhar, nem uma coisa, nem outra (risos). Acho que continua a ser o que me movia quando ainda era bastante jovem e já gostava de fazer coisas. Gosto de agarrar projetos das mais diversas áreas. Mas, no final do dia, gosto de transformar um edifício velho numa obra de arte. Gosto de construir uma empresa de cruzeiros, gosto de poder aproveitar e agarrar oportunidades. Construir, transformar e realizar sonhos é o que me move neste momento.

Era visto como alguém que, no passado, agia e investia muito por impulso ou “feeling” e que, com os anos, acrescentou a isso uma maior capacidade de análise e de estudo dos investimentos. A compra da participação na Media Capital é mais emoção ou razão?

É a soma das duas, se o impulso está correto. O empresário empreendedor, se guiar toda a sua vida apenas pelas páginas de Excel - que os técnicos produzem a bem e com esforço -, tem um problema. Tem que ir ao terreno, tem de perceber, tentar compreender, ter um “feeling”. Isso é fundamental. Por isso, neste caso, é racional e emocional.

Explique melhor…

É emocional porque tenho o “feeling” de que, quando toda a gente diz que investir nos media é uma loucura, eu, pelo contrário, acho que é a altura para investir no setor. Em primeiro lugar, porque o valor da loucura já está a desconto. Os valores estão baixos, já não estamos com preços em que investir poderia ser muito arriscado. Um preço mais reduzido permite entrar e poder investir. Só tendo a capacidade de investimento - para poder transformar e assim criar riqueza futura -, poderá ser um projeto vencedor. Estar a comprar muito caro, no pico, já via como arriscado.

Quando falo da parte racional, é óbvio que estudamos os números e as tendências e estamos a estudar os dossiers e os bons resultados de bons projetos internacionais [do setor]. Nem tudo é negativo, embora exista uma onda negativista em relação à rentabilidade dos media em Portugal. Mas penso que isso é uma questão de conjuntura e que [os órgãos de comunicação social] terão de ser reinventados.

Muitos dos melhores negócios, já o disse, são feitos na crise, o que aliás é uma máxima de muitos gestores. Mas se essa crise se mantiver muito tempo, tem tempo para esperar que o negócio que agora fez com a Media Capital possa ter sucesso?

Não acredito em mal que sempre dure, nem sol que perdure. Isto terá de ter um fim. É uma situação grave que apanhou toda a gente de surpresa, mas isto vai ser ultrapassado. Se não for pela vacina, acho que ainda antes da vacina existirá um medicamento que vai controlar esta doença. Temos de olhar e acreditar, e apostar nesse lado positivo, em especial este medicamento israelita que estará para sair em breve e controlará a doença.

Tem, portanto, tempo para perder dinheiro durante algum tempo?

É óbvio que este será um ano muito negativo. Mas são os anos negativos que nos permite preparar e investir para esperar pelos anos risonhos que se anunciam.

Quando fala da compra da participação na Media Capital, ouço-o sempre enfatizar a questão da produção de conteúdos. Já disse várias vezes que esse é o futuro, porque com a revolução tecnológica as pessoas vão ter mais tempo livre. A “Plural” é para si o negócio com mais potencial, ao qual vêm apegadas marcas de informação?

Não queremos desvalorizar nenhum dos quatro pilares em que estamos a apostar: um é a TVI, o outro são as rádios, outro o digital e o quarto a Plural e a produção de conteúdos. As rádios estão fantásticas, a produzir, com bons resultados, há sempre melhorias que se poderão obter, mas é um produto para continuar como está, bem e de parabéns por ser líder de mercado.

Na TVI, há trabalho a fazer para repensar o futuro e a estratégia. A Plural é a que está mais subaproveitada, tem uma infraestrutura muito grande, muitos equipamentos, mas pouco utilizados. Produz apenas para a TVI e o potencial que achamos que tem vai muito para além do que se tem feito até à data e que tem de ser visto, até para que se possa tornar uma empresa exportadora de conteúdos.

A Boston Consulting está a apoiar-nos na criação de um grande estudo de estratégia futura e isto só terá sucesso se houver uma estratégia de médio e longo prazo, não vamos esperar resultados já amanhã. O que queremos é capacidade de gestão e investimento para que este grupo, como um todo, possa funcionar melhor como media nacional, e com aspirações de poder fazer alguma coisa no estrangeiro.

Em janeiro, num debate organizado pela revista "Visão" com o outro "tubarão" Marco Galinha [dono do grupo Bel também com presença na comunicação social e com quem partilhou o palco dos jurados do programa da SIC “Shark Tank”], disse que não vai haver qualquer problema de gestão na Media Capital “porque o problema era não haver gestão”. Qual é a visão que tem para o grupo, que ideias quer ver implementadas?

Na altura, quando estava a falar, ainda estava na situação de ser parceiro da Cofina e quem estava a liderar o processo era o engenheiro Paulo Fernandes [presidente da Cofina]. Hoje, é diferente e já não posso falar da mesma forma porque as condições alteraram-se. Neste momento, o modelo de gestão que está a ser estudado terá de ser avaliado e discutido com a Prisa, que é a maior acionista. E, depois, terá de ser aprovado em Conselho de Administração. Na altura, a ideia era de que a Cofina ia comprar 100% do capital.

"Existe uma gestão muito débil [na Media capital] (...) A empresa está há 10 anos para ser vendida, pelo que grandes quadros e grandes gestores não se iam colocar numa situação de estar ali temporariamente "

Mas isso não lhe coloca um problema com os seus parceiros atuais, quando disse que no grupo não havia gestão?

Não.

Já não mantém a mesma ideia?

O que dissemos é que a gestão tem muita margem para ser melhorada. Não disse dessa forma: “não há gestão”. Existe uma gestão muito débil. Falta-lhe a segunda parte da resposta que dei altura em que disse que não havia gestão, porque o que estava a acontecer no passado era uma gestão direcionada para a empresa ser vendida. A empresa está há 10 anos para ser vendida, pelo que grandes quadros e grandes gestores não se iam colocar numa situação de estar ali temporariamente.

Cada um que tentou comprar a Media Capital tinha umas ideias e começavam a tentar ver como iam fazer. A Cofina esteve tão perto que até mandou colocar alguns funcionários na gestão − que lhe interessava para ver o que podiam fazer de futuro − , e, se calhar, são pessoas muito bem escolhidas, que continuam, e continuarão. O que queremos é que quem está possa ter uma estratégia de futuro, e não pensar que vão ser vendidos daqui a um mês ou dois.

O que tem em mente para o grupo comporta ter o mesmo número de trabalhadores que agora existem, cerca de 1.300?

Sim, provavelmente até comporta ter mais. Se temos um plano para crescer.

Compromete-se de que não haverá reduções de pessoal no grupo?

Tem alguma piada, porque os jornalistas adoram arranjar casos onde eles não existem. Hoje já li num jornal uma expressão que disse antes, de que um jornal que tenha 350 [trabalhadores] e só precise de 50, obviamente que não é viável. Estava a falar pensando num título de imprensa escrita, mas alguém tentou agarrar isso e colar. Se calhar está a fazer-me essa pergunta por ter sido induzido em erro.

Não, por acaso não li essas declarações...

O que posso dizer é que não se fazem omeletes sem ovos. Uma estratégia de crescimento, e reestruturação não se fará isso sem bons profissionais. Mas um mau profissional, não tenha ilusões, será sempre um mau profissional esteja na comunicação social, seja ator, técnico de luz ou engenheiro. Nós o que fazemos é dar mérito e crédito a todos os que são bons. Os que forem bons não se têm de preocupar com rigorosamente nada, porque a gente conta com todos os que queiram fazer parte de uma equipa motivada, e que queiram trabalhar.

O negócio da Media Capital, como já disse, começa por ser pensado com o engenheiro Paulo Fernandes, com quem passava férias regularmente, e acaba consigo a avançar a solo depois de uma desistência para a qual não foi consultado. Para o Mário Ferreira é mais importante um bom negócio do que um amigo?

É óbvio que não. Essa pergunta tem de a fazer ao engenheiro Paulo Fernandes. Eu, e o engenheiro Paulo Fernandes teve provas disso, sempre fui amigo e leal. Ele convidou-me, pensava eu pela amizade que me tinha, agora tenho dúvidas fruto do que se passou ontem [quinta-feira] e se passa hoje [sexta-feira] de ter decidido fazer um ataque com mentiras dentro do que é o estilo do Correio da Manhã, arrastando todos os outros meios, até credíveis, como o Jornal de Negócios e a Sábado, para um ataque pessoal, e sem disfarçar.

"Depois dessa altura [desistência da Cofina de comprar a Media Capital] nunca mais voltei a falar. Não tenho sequer intenções de falar"

Dizia no próprio ataque − das mentiras fabricadas sem qualquer novidade editorial, nem notícia nova, histórias fabricadas − que eu seria concorrente de uma oferta da Cofina. O que aconteceu é que o engenheiro Paulo Fernandes só não ficou com a Media Capital porque não quis. Não há outra razão aparente. Ele sabe disso, todos sabemos disso, e o resto que possa vir são histórias. Que ele se tenha arrependido, acho que todos temos o direito de nos arrependermos de alguma coisa, a forma é que está errada.

É óbvio que se ele me tivesse ligado e dito: “ias ser o segundo maior acionista deste grupo, mas esta vai ser a nossa decisão, o que é que achas?" Eu teria de dizer: "tenho de concordar com vocês”. Se fui convidado, em princípio, estaria alinhado com o que seria a estratégia do grupo, mas ele assim não quis fazer infelizmente. Preferiu agora, depois de eu ter sido esquecido e abandonado deste negócio e ter continuado só, arrepender-se e apresentar uma proposta. Nem fiquei preocupado com isso. Fiz o meu trabalho e a minha proposta. É a melhor maneira de estar na vida. Mas, longe de tudo, acreditaria ou pensaria que o engenheiro Paulo Fernandes daria ordens aos seus funcionários para fazer um ataque daqueles.

Depois da desistência da Cofina, não voltou a falar com o engenheiro Paulo Fernandes?

Não.

Nunca mais...

Não, porque achei que a falar devia ter sido antes. Depois dessa altura nunca mais voltei a falar. Não tenho sequer intenções de falar, depois do que se passou ontem a remota chance que poderia haver de voltarmos a falar desapareceu.

Em declarações ao Expresso sobre esta matéria, já disse que ele tem mau perder, e acusou a Sábado e o Correio da Manhã de escreverem mentiras. Vai continuar a ser acionista de um grupo que tem meios que acusa de mentir, ou está vendedor?

É muitos simples. Fiquei agarrado a 2,5% da Cofina, sou acionista de referência porque tenho mais de 2%. Mas só tenho porque o engenheiro Paulo Fernandes, numa altura em que achou que lhe daria jeito ter um acionista como eu, me pediu para investir, e ir ao aumento de capital. Disponibilizei 20 milhões de euros meus, da minha empresa, para investir nesse negócio. Fui comprando ações, estavam a um preço bastante mais alto, mas como ele abandonou o negócio da forma como abandonou, as ações passaram para metade.

Obviamente não as quero para nada, para mim são lixo, como é o jornal de que ele é proprietário. Mas tenho-as porque estou a perder umas centenas de milhares de euros nas ações, e neste momento não faz sentido nenhum vendê-las. Vou aguentando. Tenho poucas esperanças, a ver se o preço melhora. Se não acontecer qualquer dia vendo-as, não sei.

Investiu no Eco, na Cofina, agora na Media Capital. Considera esta área de negócio fechada em termos de investimentos para si? Ou está a estudar mais oportunidades?

Da maneira que pergunta até parece que tinha como estratégia investir nos media, nunca tive. Fui convidado para investir no Eco, pelo diretor António Costa, e achei que era um projeto interessante e com valor, e investi, sem qualquer tipo de interesse. Em relação à Cofina e ao aumento de capital, para a aquisição da Media Capital, investi porque era um desafio do engenheiro Paulo Fernandes e achei que o projeto fazia sentido, acreditei no que ele me disse. Agora se me disser que pode haver uma rádio, um jornal, que esteja isolado, e que seja uma marca muito boa e que possamos ajudar, acho que sim, se for necessário.

Vê algum órgão de comunicação social no mercado que encaixe nesse perfil?

Posso estar a ver, mas não lhe ia dizer, neste momento.

É frequente ouvir que a entrada de um homem poderoso na Comunicação Social serve apenas para legitimar os negócios que já tem, porque é um setor em que se perde dinheiro. É isso que está a fazer?

Não concordo nada com a pergunta, e já sabe qual é a resposta. Só entro porque sei que é um grupo com quatro grandes pilares, e um setor em que acredito que será bastante rentável como aliás foi até ao ano passado. A Media Capital teve lucro todos os anos, e distribuiu dividendos durante uma série de anos. Este é que é [um ano] atípico para todos, mas para o ano já voltará a bons resultados.

"[Vai voltar a levar Ana Gomes e tribunal porque] é a única forma que temos de demonstrar que a senhora é uma mentirosa compulsiva"

A ex-deputada, Ana Gomes tem sido para si uma crítica pública voraz. Já lhe colocou um processo do qual foi ilibada, mas a ex-deputada voltou à carga agora pedindo a ERC e CMVM para não tolerarem “testas de ferro”. Como lida com estas acusações? Vai voltar a tribunal?

Vamos voltar certamente a tribunal, porque existe outro processo pendente. O primeiro não foi bem, bem, ilibada. É uma regra que é colocada a interpretação dos nossos juízes do direito comunitário, e que diz que a senhora não apresentou prova de nada, contudo tem a liberdade de se exprimir mesmo usando palavras mais fortes. É o direito à liberdade de expressão, e foi isso que lhe foi consentido. O tribunal acha que ela pode dizer o que quiser, pode-me chamar seja o que for, pode insinuar o que quiser, não tem de fazer prova de rigorosamente nada.

Foi o que o tribunal disse, é o que é. Se me pergunta se acho bem ou mal? Não acho nada, estamos num Estado de Direito. Se é assim, será assim para eu lhe chamar as mesmas coisas e insinuar o mesmo, coisa que não faço, porque o meu pai me ensinou de maneira diferente. Mas isso são outras histórias.

Vai voltar a tribunal…

Em relação a voltar a tribunal, obviamente irá voltar outra vez, porque é a única forma que temos de demonstrar que a senhora é uma mentirosa compulsiva. Algum dia, algum juiz verá que é uma perseguição, e que a senhora fruto do seu estatuto de comentadora − que é o que ela é e mais nada − se aproveita de todos os casos que pode e pessoas que estejam na berra.

Obviamente, em muitos casos, terá as razões dela, embora não acredite que ela dê grandes novidades a ninguém, o que ela faz é aproveitar-se de situações que até estarão a ser investigadas pelas autoridades competentes, mas passa um atestado de anormalidade a muitas dessas entidades, aparecendo como tendo descoberto grandes coisas, sem descobrir nada. Mas tem o dom de falar da maneira que fala, e há um conjunto de seguidores que gosta desse estilo. Não me identifico com esse estilo. Um dia a senhora irá provar o seu próprio veneno. Tanto há de mentir que um dia terá de pedir desculpa por todas aquelas mentiras.

Mas vai a tribunal por ter dito que era um “testa de ferro”...

Não, nem me vou maçar com isso. Não vale a pena. Testa de ferro? Não sei o que isso é, nunca soube, nem preciso. Se a senhora fosse minimamente inteligente − vamos lá a ver ela inteligente é − mas se não se quiser fazer de burra o que teria feito era pegar nos jornais e via os últimos negócios que fiz o ano passado e veria que vendi um hotel por 40 milhões de euros − onde fiz uma grande mais valia e paguei os meus impostos − via que vendi por 250 milhões um conjunto de ações parciais de uma sociedade e que ganhei muito dinheiro, e coloquei de lado para poder investir no que quisesse. São informações públicas.

Por isso, é tão ridículo que ela ache que eu precise de alguma coisa. Se ela quisesse era muito fácil, bastava ver o que paguei de IRS pessoal em 2019, é mais do que ela pagou em toda a sua vida. Isso devia-lhe dar uma ideia da diferença que existe entre o contribuinte Mário Ferreira e a senhora comentadora. Estamos em patamares diferentes. Temos de ignorar. No entanto, ninguém pode gostar de situações destas, é óbvio que é desagradável, todos nós. Os meus filhos sabem ler, já têm idade para ver este tipo de coisas, e a senhora devia-se enxergar, mas lá chegará a altura em que ela meterá a mão na consciência e verá a asneira que está a fazer.

Mudando de assunto e falando dos seus outros negócios. A pandemia lançou toda a economia numa crise profunda, mas as áreas em que está o core da sua atividade são as mais afetadas, nomeadamente o turismo e hotelaria. A Organização Mundial de Turismo prevê quebras até 80% no setor. Sem viagens e sem turistas como vai sobreviver? Que impacto terá nas suas empresas?

Vão sobreviver dentro da maneira possível, com a contenção possível e bem organizadas, usando as poupanças que temos na sociedade − por não ter distribuído grandes dividendos dessas sociedades. Somente o fizemos na náutica, ao contrário do que o Partido Comunista apregoa, obviamente cegos pelas suas ideologias, dizendo que numa empresa, como a dos cruzeiros, em que temos quase mil pessoas paradas, 500 estão em lay-off.

É uma sociedade em que temos 60%, e obviamente está tudo parado com zero de receitas, e eles acham que é uma injustiça essa empresa, parada e sem receitas, ter alguém em lay-off − que é um direito que assiste a todos os portugueses.

E acham que − das reservas pessoais e poupanças que tenho − não deveria estar a investir porque é um sacrilégio. A toda essa gente digo que somos um negócio sólido, que terá um ano afetado. Mas continuaremos a investir nos navios que estamos a construir nos estaleiros de Viana, mesmo com o negócio parado, continuaremos a investir os 100 milhões que tínhamos previsto investir. Estamos a continuar a investir no hotel novo em Gaia com 120 quartos.

Continuamos a investir e a acabar a reabilitação de 14 apartamentos na zona histórica do Porto, e assim continuaremos porque somos uma empresa sólida e acreditamos no futuro. Não é um ano difícil que nos abana e nos afetaria. Este será o ano para aproveitar as oportunidades que vão aparecer.

"Os portugueses têm de aprender a poupar e a manter alguma poupança para dias como estes"

Permita uma pequena provocação. Costumam dizer que o primeiro-ministro, António Costa, é um otimista irritante, já lhe disseram o mesmo?

Não me disseram, mas tive sempre uma atitude positiva para a vida. Sempre me senti bem com a vida que tenho. Por isso, é que se calhar tenho sucesso, as nossas empresas têm sucesso, e sou uma pessoa feliz.

Já disse anteriormente que, num cenário de “faturação zero”, o grupo não iria, ainda assim, despedir ou parar os investimentos. Como é que isso se faz?

É muito fácil, não entrando dinheiro, vive das poupanças. Como somos poupados e como tivemos bastantes resultados positivos nos anos passados, e não andamos a derretê-los em fetiches, podemos usar essas poupanças, não da maneira que queríamos, porque queríamos ter um ano fantástico nos cruzeiros, como íamos ter. Nos outros setores, das 40 empresas que tenho, muitos estão a funcionar bem.

Os portugueses têm de aprender a poupar e a manter alguma poupança para dias como estes, os antigos sempre assim o fizeram. E não estamos a falar ao meu nível, olhe o meu falecido pai nunca quis ter um cartão de crédito. Ele disse: "filho nunca deves gastar aquilo que não podes".

Ele tinha um bom ordenado, o banco estava sempre a mandar cartões, e ele no dia a seguir ia lá e devolvia. “Não quero o cartão, quero pagar e usar o dinheiro que tenho”, dizia. Nos dias de hoje, já não vou tão longe, acho que se deve ter um cartão de crédito, mas, no meu caso, nunca na minha vida, e tenho-o desde os 18 anos, usei um dia de crédito do meu cartão. Apenas usei o que podia pagar direitinho no final do mês.

Em 2014, disse que os ordenados estão muito baixos – basta ver o ordenado mínimo, indigno de um país europeu. Belmiro de Azevedo dizia que sem mão-de-obra barata não havia trabalho em Portugal. Qual é a mediana salarial do seu grupo?

Olhe, tem que ser superior, muito, muito, superior a mil euros, porque nós na festa de Natal deste ano declarámos, bem ou mal, que este ano ninguém teria, fosse alguém na copa, fosse um motorista de autocarro, ninguém teria menos de 1000 euros de salário. Por isso, eu acho que isso lhe responde à sua pergunta. E eu acho que neste momento, Portugal, era nessa meta que devia estar.

Num país macrocéfalo como Portugal, ter começado no Porto ainda é um handicap em termos de legitimidade?

Não, eu não compro essas guerras. Olhe, vivo no Porto, como podia viver em Londres, como podia viver em Lisboa, como podia viver em Cascais ou em Sintra. Eu acho que, nós somos um país pequeno, acho que às vezes desenvolvem-se essas guerras, seja pela forma clubística, seja pelo que for, mas não me sinto diminuído por continuar a viver no Porto e é aqui que quero continuar a viver.

Nunca sentiu isso no contacto com decisores políticos ou económicos?

Não.

Num exercício de auto-avaliação, defina-se em três palavras?

A mim? Olhe, é muito simples, nem preciso explicar porque elas são muito simples: trabalhador, chegar a horas e ser uma pessoa honesta. Teria mais para dizer: frontal, destemido – e acho que chega.

Essa sua frontalidade e o facto de ser destemido, dá-lhe mais alegrias ou dissabores?

Olhe, acima de tudo, dá-me paz de alma.

Não lhe fecha portas?

Acho que não.