​Os Panamás de todos nós
07-04-2016 - 06:40

O Panamá é só um sintoma. O que precisa de ser mudado é muito mais vasto e está há muito diagnosticado.

As revelações vindas a público esta semana – e que levaram já à demissão de um chefe de governo num país europeu – sobre as operações financeiras envolvendo o Panamá não podem, com franqueza, surpreender nenhum político em nenhum governo ou Parlamento deste planeta. E não podem surpreender nenhum funcionário bancário. E não podem surpreender nenhum advogado. E não podem surpreender nenhum jornalista. Todos sabem. Todos sabemos. O Panamá não é um erro, um problema, uma irregularidade. Pelo contrário, o Panamá é a norma. Aquele pequeno Estado e todos os outros paraísos fiscais (curiosa esta ligação semântica que todos fazemos, quase sem dar conta disso, entre um espaço de iniquidade e algo de bom, de incrivelmente bom) foram ‘inventados’ pelas grandes instituições financeiras do planeta (em estreita colaboração com políticos, legisladores, reguladores e entidades transnacionais) precisamente para fazer o que agora se percebe que fazem. E tudo está bem, porque tudo é legal.

Importa, por isso, não ligar muita atenção ao rasgar de vestes que alguns políticos, responsáveis por actuais ou anteriores governações, possam agora fazer na nossa frente, em ecrãs de televisão, quando se pronunciam sobre o caso. E importa não deixar que nos tentem convencer de que tudo funciona com deve ser, à excepção destes malandrecos do Panamá. E importa ainda que não lhes seja permitido aproveitar a embalagem para nos dizer que é preciso criar umas comissões ou discutir uns planos de acção, ou ajustar umas regras de funcionamento.

O Panamá é só um sintoma. O que precisa de ser mudado é muito mais vasto e está há muito diagnosticado (o último político português a tentar fazer aprovar legislação contra este tipo de situações foi praticamente repudiado não apenas pelos partidos da oposição mas até pelo seu próprio).

Precisamos de políticos que assumam, sem adoçante, um passivo tenebroso e provem o seu empenho em mudar rapidamente o muito que pode ser mudado rapidamente. E precisamos de um jornalismo célere e persistente no trabalho de revelação das inúmeras ligações do nosso sistema financeiro e a estes enormes sacos azuis.

Até agora, os ‘parceiros’ nacionais na investigação ainda só traduziram o que os outros publicaram a ainda só nos mostraram um tal Sr. Idalécio. Mas, até porque falamos do Panamá, deve ser apropriado dizer que ‘chapéus assim...há-de haver muitos...’.