​Abusos na Igreja. Daniel Sampaio desconhece discrepâncias entre lista de nomes e dados do relatório
13-03-2023 - 17:41
 • Pedro Mesquita

Em entrevista à Renascença, o psiquiatra garante que os elementos da Comissão Independente continuam disponíveis para dar informações complementares a cada um dos bispos.

Daniel Sampaio desconhece discrepâncias entre a lista de nomes enviada pela Comissão Independente (CI) às dioceses e ao Ministério Público e os dados do relatório final apresentado a 13 de fevereiro.

O psiquiatra garante, contudo, que apesar de já ter terminado a sua missão, os elementos da Comissão Independente continuam disponíveis para dar informações complementares a cada um dos bispos. "É assim que se tem feito".

Confrontado, pela Renascença com supostas discrepâncias entre a lista enviada e o relatório final, Daniel Sampaio diz que não vai entrar no detalhe dos números por achar isso "lamentável", acrescentando que a atual situação está a causar "alarme nas vítimas".

Daniel Sampaio começa por insistir, nesta entrevista, que "muito antes" da lista final de nomes "houve reuniões de trabalho sobre os nomes entre a Comissão Independente e os bispos, ou os seus representantes.

Como reage à indicação por parte do bispo de Lamego de que recebeu apenas uma lista de nomes, “dois nomes a seco” e que tem “zero informação”?

Eu não vou particularizar em relação a nenhum dos senhores bispos, mas essa frase não é verdadeira, porque em todas as dioceses houve reunião do grupo de investigação histórica. Portanto, os historiadores que trabalharam connosco reuniram com os bispos, ou com pessoas da confiança dos bispos, e os nomes foram analisados. Quer os que foram descobertos nos processos - os padres nas respetivas dioceses - quer os nomes da Comissão independente. Portanto, muito antes dessa lista final houve reuniões de trabalho sobre os nomes.

E também houve com D. António Couto?

Houve com todos os bispos ou alguém a quem o bispo delegou.

E houve sempre informação para além dos nomes que depois surgiram nas listas?

Sim, foram discutidas as situações e contextualizadas no período histórico. Outro especto que lhe quero dizer é que, apesar da Comissão Independente de ter cessado as suas funções, nós continuamos disponíveis para dar a cada um dos senhores bispos informações complementares. É assim que se tem feito.

Portanto, os padres que foram afastados temporariamente... houve contactos entre o bispo e a Comissão Independente para trabalho sobre essa situação. Qualquer um dos senhores bispos pode contactar a Comissão Independente para esclarecer algum detalhe, sempre com o cuidado de manter anónimas as vítimas. Não há nomes envolvidos, mas pode haver circunstâncias que possamos ajudar os senhores bispos a tomar as suas decisões. Continuamos disponíveis para isso.

Está, portanto, também pronta a Comissão independente para esclarecer uma outra dúvida? Tenho ouvido a crítica de que o número de abusadores que está nas listas entregues às dioceses não tem correspondido na maioria das situações ao que consta do relatório da Comissão Independente. E acrescenta-se, por exemplo, que no Patriarcado de Lisboa a tabela indica 66 clérigos e dez leigos como abusadores, mas na lista entregue só constam 24 nomes.

Olhe, eu não vou entrar nesse detalhe dos números, porque acho isso lamentável. A minha expressão é lamentável, porque essa situação está a causar um alarme nas vítimas. As vítimas ficam muito preocupadas de sentirem que a Igreja Católica não tem uma posição concertada, uma estratégia de apoio às vítimas. Isso é que é o ponto fundamental.

Mas está em condições de dizer que o número de abusadores que consta das listas entregues às dioceses tem, de facto, ao contrário do que é dito, correspondido ao que consta do relatório da Comissão independente?

Não conheço nenhuma discrepância. Sinceramente não sei do que está a falar. Se houver discrepância e se houver dúvidas, contactam a Comissão Independente e nós esclarecemos essa situação. Apesar de já não sermos Comissão. Como cidadãos e, sobretudo, como pessoas muito preocupadas, porque está a ver alarme as vítimas com toda esta ideia de que a Igreja não está a apoiar as vítimas. Esse é o ponto fundamental. Não se verifica nenhuma estratégia concertada para dizer “como é que vamos apoiar as vítimas?”. Fala-se de uma comissão, fala-se das comissões diocesanas, e as vítimas o que estão a sentir é que não há resposta. Esse é o ponto fundamental em que eu me centro.

Outra das dúvidas que têm sido colocadas é que, nas listas de nomes entregues aos bispos, uma parte dos nomes correspondem a pessoas que já faleceram.

Sim, nem podia deixar de ser, porque havia um compromisso nosso com a Conferência Episcopal no sentido de fornecermos todos os abusadores indicados pelas vítimas entre 1950 e 2022. É natural que num abuso ocorrido nos anos 50 e 60 o alegado abusador esteja morto. E o que é que isso quer dizer? Quer dizer que ele não era pedófilo? Prova apenas que faleceu. Mas as vítimas estão vivas. Esses nomes não surgiram por acaso nem foram inventados por nós. Quando dizem que “há muitos padres falecidos na lista”...poderá haver, mas isso só quer dizer que o estudo foi tardio.

Este estudo devia ter sido feito nos anos 60 ou 70: É preciso acentuar que as vítimas estão todas vivas. Essas pessoas indicaram e continuam o sofrimento. E, portanto, é da responsabilidade da Igreja Católica organizar-se para rapidamente dizer às vítimas onde é que se devem dirigir.

Nós temos recebido alguns e-mails de vítimas, que estão em sofrimento neste momento, e como a Comissão Independente terminou o seu trabalho, e o Ministério da Saúde se prontificou a colaborar e ainda não teve tempo de organizar a resposta, nós perguntarmos onde é que essas pessoas devem dirigir? E essa é a grande resposta que a Igreja tem que dar neste momento.