​Um regime com um partido único
21-07-2021 - 06:43

O PS colonizou o Estado e tutela uma sociedade civil dependente e amarfanhada a uma escala maior do que o fez o PSD no ocaso cavaquista.

Para quem acha que à direita do PS só há “fascistas”, recomendo a leitura do livro clássico de Manuel Braga da Cruz, «O Partido e o Estado no Salazarismo». Nele, o autor estabelece as distinções entre os regimes de tipo conservador/autoritário (como o salazarismo) e fascista/totalitário (o caso italiano e, ainda mais, o caso da Alemanha Nazi). E uma dessas distinções faz-se acerca do lugar e do papel do partido único. Na experiência alemã, o NSDAP tomou de assalto o Estado, destruiu as suas estruturas e criou um novo Estado totalmente controlado pelo partido (em última análise pelo Führer), que subsumia toda a sociedade civil. No caso português, foi Salazar quem, a caminho de se tornar líder do governo, criou por via administrativa e civilista a União Nacional, estrutura que não pretendia dominar toda a sociedade civil, mesmo que a espaços possa ter-se confundido com muitas das estruturas do Estado. Por isso Manuel Braga da Cruz resume que o salazarismo não foi “um regime de partido único”, mas sim “um regime com um partido único” - um híbrido antidemocrático e ditatorial, aquém do militarismo ruidoso e totalitário de Berlim.

Olhemos para Portugal neste verão de 2021. O balanço dos últimos meses acumula sinais de que o governo e o Estado de António Costa parecem um regime com um partido único, porque o Partido Socialista vai tendo irreprimíveis tiques de “União Nacional”. O PS colonizou o Estado e tutela uma sociedade civil dependente e amarfanhada a uma escala maior do que o fez o PSD no ocaso cavaquista. Um rol de questiúnculas políticas - que seriam escândalos noutro país - revela o à-vontade, a insensibilidade, a falta de responsabilidade ou de vergonha com que o governo de Costa e o PS, sua emanação direta e tentacular, pastoreia os portugueses atónitos ou indiferentes: ele é a “gestão totobola” da pandemia (poucos sabem que restrições existem, vão existir, onde, como ou para quem), ele são as “cabritices”, ele são as bravatas do ministro que gosta de brincar (e fazer-nos pagar) aos aviões, ele é o titular do Ambiente viajando na A2 a 200 Km/h num automóvel bastante poluente, ele são as declarações de Ferro sobre ir Sevilha ou para o Algarve em tempo de pandemia, ele é o maquiavelismo de Medina, com as informações sobre manifestantes e a propaganda PS em assembleias da Carris, ele é Ana Paula Vitorino nomeada para a AMT, Mário Centeno para o BdP e a tentação geral de se subjugar a independência dos reguladores, ele é Ascenso Simões querendo dinamitar o Padrão dos Descobrimentos ou um certo PS achando-se dono da memória histórica do Portugal democrático, ele é o condicionamento da opinião pública a coberto da luta contra a desinformação, etc., etc. O governo e o PS tudo podem…porque tudo se lhes permite. A extrema-esquerda está-lhes no bolso; a direita anda inofensiva. O regime, de plural e aberto, ameaça tornar-se fechado. O cartão partidário pode substituir o de cidadão. A propósito de compadrios e favores, parece que só empresários PS podem ajustar contratos com o Estado-PS, como o do fornecimento do kit de água, fruta e bolachas aos vacinados em recobro por 425 mil euros (em Lisboa). Quanto à tentação da política pelo futebol, Luís Filipe Vieira caiu: mas não era pela sua “honra” que juravam os inatingíveis Costa e Medina? Já fizeram “mea culpa”? Nem pensar.

Na era da incerteza e do medo, que domina a agenda internacional, Portugal vive num ambiente arrastado. Guterres chamar-lhe-ia talvez o “pântano 2”. Há dias, no Observador, Maria João Avillez crismou-o como “o tempo da indecência”. Apesar de tudo (ser otimista está difícil), deixo votos de boas férias a todos os leitores da RR.