Presença da extrema-direita nas polícias está a ser investigada
07-06-2018 - 00:00
 • Celso Paiva Sol (Renascença) e Ana Henriques (Público)

Em entrevista à Renascença e ao “Público”, Margarida Blasco, responsável pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), fala também dos inquéritos aos incêndios do ano passado e da falta de meios para fiscalizar 50 mil polícias.

A “Polícia das polícias” diz que não pactua com comportamentos racistas das forças de segurança. “Somos intransigentes”, assegura a juíza Margarida Blasco, que conta com menos de dezena e meia de inspectores para inspeccionar 50 mil polícias. Estes são alguns dos destaques da entrevista à Renascença e ao “Público” da responsável pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

Foi a primeira mulher a exercer o cargo de directora-geral do Serviço de Informações de Segurança (SIS), já lá vai mais de uma década. Enquanto juíza, passaram pelas suas mãos casos como o de Camarate, onde morreu o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro; Dona Branca e ainda o do então director da Polícia Judiciária Fernando Negrão, demitido devido a uma fuga de informação sobre uma investigação à Universidade Moderna. Um caso que acabou por arquivar.

Aos 62 anos, Margarida Blasco está a iniciar o seu terceiro mandato à frente da IGAI, que também nunca tinha sido dirigida por uma mulher. Sem conseguir dar uma data para a conclusão dos inquéritos aos incêndios do ano passado, a magistrada admite que a presença da extrema-direita entre as forças policiais faz parte das suas preocupações. O último Relatório Anual de Segurança Interna aludia a "grupos criminosos violentos e organizados" ligados à segurança privada, com especial incidência no sector da diversão nocturna.

A IGAI está a investigar o desempenho da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) nos incêndios do ano passado. Como está esse trabalho?

Existem dois inquéritos para apurar responsabilidades disciplinares, um sobre Pedrógão Grande, que está a ser levado a cabo na sequência de um inquérito levado a cabo pela direcção de auditoria da Autoridade Nacional de Proteção Civil, e outro pedido pelo autarca de Mação e que foi determinado à IGAI pelo ministro da Administração Interna. E há uma auditoria ao desempenho da ANPC nos incêndios de outubro.

E resultados? E responsabilidades?

São processos em curso que se encontram em sigilo. Não posso dar uma ideia de quando estarão terminados.

A nova época de incêndios que está a começar foi planeada e vai ser executada pelas mesmas pessoas que no ano passado conduziram as operações. No distrito de Leiria, o primeiro e o segundo comandantes nacionais são arguidos no inquérito judicial em curso e mantêm-se em funções. Não era suposto já haver resultados?

A colocação do dispositivo [de combate a incêndios] no país foi preparada de forma diferente este ano.

Os seus inspectores estão a avaliar o quê exactamente?

Vão tentar perceber o que falhou a nível das acções ou da falta delas no terreno, que deveres funcionais deviam ter sido feitos. Se a actuação de cada um foi consentânea com o papel que lhe era exigido pela administração. Em outubro houve 600 e tal pontos de ignição praticamente simultâneos e temos de avaliar praticamente tudo situação a situação.

Concorda com a permanência em funções de pessoas sobre as quais impedem graves suspeitas, sejam bombeiros ou polícias?

As pessoas são responsáveis pelos actos que cometeram, mas é preciso apurar se tinham condições [para actuar de outra forma] e se os cometeram assim ou não. Para mim, como magistrada, uma pessoa só é responsável com trânsito em julgado de determinada decisão judicial. Enquanto estiverem a ser coligidos factos é prematuro da minha parte fazer um juízo de valor relativamente a essas pessoas.

Defende então que se mantenham em funções?

Não defendo, constato uma situação de direito. Estamos num Estado de direito. Temos que explicar às pessoas que os indícios têm que ser investigados. Têm que haver factores que nos digam que aquela pessoa é completamente desadequada ao lugar [que ocupa].

Da IGAI esperam-se ainda respostas ao comité anti-tortura do Conselho da Europa, que no seu último relatório colocou Portugal como um dos países da Europa ocidental com mais violência policial. O que lhes disse?

As propostas do comité passavam por dotar a IGAI de um corpo de inspectores mais elevado. Temos 14 inspectores no quadro e neste momento estão preenchidos 11 lugares. Obviamente concordo que é necessário ter mais inspectores.

Catorze inspetores para quantos polícias?

Cerca de 50 mil pessoas.

O comité entende que a IGAI devia ser um órgão autónomo com capacidade para fazer investigações criminais. Acha que isso traria eficiência? De que meios carece a Inspecção para ser mais rápida?

A IGAI é um órgão autónomo de controlo externo de todas as instituições do Ministério da Administração Interna. Tem no seu corpo inspectivo magistrados quer judiciais quer do Ministério Público, oficiais superiores das forças de segurança e outros técnicos altamente especializados. Tem competência para abrir averiguações e inquéritos. Ainda não a tem para abrir processos disciplinares, como quer o comité.

Quanto à recomendação para fazermos processos de inquérito de natureza criminal isso levou a grande discussão no seio da IGAI, porque em termos constitucionais o órgão que faz a investigação criminal é o Ministério Público. A IGAI apenas tem competência para os processos de natureza disciplinar.

O que pode ter conduzido a fenómenos como aquele que faz sentar no banco dos réus neste momento 17 polícias, acusados de racismo e tortura contra vários jovens da Cova da Moura?

Não vou comentar um processo judicial em curso. A IGAI abriu de imediato um inquérito a esses factos. Ainda não tinha terminado quando foram abertos processos disciplinares a nove agentes da PSP da esquadra de Alfragide. Foram aplicadas penas de suspensão a dois agentes e a um deles até uma sanção acessória de transferência de posto.

Há outros casos: o do assaltante morto a tiro pelos GOE, grupo de operações especiais da PSP, em Queluz, em dezembro passado e, no mês anterior, o da imigrante brasileira morta por engano pela polícia. Como pôde isto suceder?

Por isso é que existimos. A IGAI tem tomado medidas para evitar estas situações. Quem pratica este tipo de atos e é condenado deve, como é evidente, ser erradicado. Queremos forças e serviços de segurança que cumpram intransigentemente os direitos humanos. E nisso somos intransigentes. Podemos compreender determinados fenómenos mas não pactuamos com eles. E queremos ir a fundo.

Há racismo entre as forças de segurança?

Se há racismo? Tem que perguntar ao cidadão que tem meios para dizer se acha que foi vítima de racismo.

O Relatório Anual de Segurança Interna de 2017 detectou a infiltração de pessoas de extrema-direita no sector da segurança privada. Também estão presentes nas forças de segurança?

A IGAI tem um papel pequeno relativamente à inspecção das empresas de segurança privada. Se detetar algum membro das forças de segurança a prestar serviço numa destas empresas actuará. É uma situação que tem sido muito fiscalizada, até porque há departamentos na PSP que fazem esse controlo. A IGAI acompanha estes fenómenos a par e passo, para evitar que se instalem o progridem.

Mas há ou não infiltração da extrema-direita nas polícias portuguesas?

Não tenho indicação de que exista uma infiltração organizada, em forma de associação criminosa. Tenho queixas que são analisadas e investigadas. Não vou dizer qual o resultado de investigações que estejam em curso.