Afegão a viver em Portugal diz que minoria hazara foi deixada para trás e denuncia genocídio
05-10-2021 - 10:30

Os hazara são de maioria xiita e por isso perseguidos com particular dureza pelos talibãs.

O afegão Ali Akbar Ahmadi, a viver em Portugal há quase três anos, denunciou um possível genocídio contra o povo hazara, minoria à qual pertence, apontando que os talibãs farão tudo para os expulsar do Afeganistão.

Ali Akbar Ahmadi chegou a Portugal com um visto de trabalho há mais de dois anos, depois de ter passado pela Suíça e de ter vivido muitos anos no Irão, onde tem a maior parte da família, que deixou o Afeganistão quando ele ainda era criança por causa das perseguições e discriminações de que eram alvo no país por pertencerem à minoria étnica hazara.

Em entrevista à Lusa, Ali disse que não quer perder a esperança, mas criticou o facto de os Hazara terem sido "deixados para trás".

"Quando um membro hazara for morto ninguém vai querer saber da sua morte, vão ser mortos, é tão simples quanto isso, não nos consideram pessoas. Podem dizer que não, mas esta é a realidade, é tão simples quanto isso. Se [os hazara] viverem, vivem, mas se morrerem, morrem", apontou.

Admitiu que não serão apenas os hazara o alvo dos talibãs, mas recordou que esta é uma minoria há muito perseguida, desde que no século XVIII "um rei matou quase metade da população hazara porque não lhe queriam obedecer".

"Desde aí que há sempre uma vontade por parte da etnia que está no poder, os Pachtun, em eliminar-nos", apontou, sublinhando que os talibãs farão tudo para que os Hazara acabem por abandonar o país.

Segundo Ali, os hazara são "reconhecidos pelos traços do rosto e pela maneira como rezam", tendo em conta que esta população é muçulmana xiita, enquanto no Afeganistão predominam os sunitas.

A propósito, contou que no momento em que os talibãs invadiram e tomaram o poder do país, tinha uma irmã ainda a viver lá, que trabalhava para as forças norte-americanas e que imediatamente tentou sair, explicando que mesmo se a irmã optasse por ficar, pelo facto de ser da minoria hazara "seria como morrer dia após dia".

"Não se está a viver, vive-se apenas para morrer e isso acontece para quase todos os Hazara no Afeganistão, principalmente as mulheres e sei de raparigas que tentaram sair do país, mas não conseguiram. (...) Não é fácil para nós, pode ser fácil para outros grupos étnicos, mas não é para nós", sublinhou.

Ali não tem medo das palavras e acredita que se está perante "uma espécie de genocídio" contra o povo hazara que, além de não se poder movimentar no país nem ter qualquer liberdade, também não tem quaisquer direitos nem está representado ao nível do poder central, o que fará com que também não tenha acesso a qualquer tipo de ajuda humanitária internacional que venha a chegar ao país.

Na perspetiva deste afegão, os talibãs "não sabem nada sobre governar um país", nem estão interessados em ajudar as pessoas: "Apenas lhes interessa estar no poder e dizer que são eles os verdadeiros muçulmanos".

Ainda assim, Ali disse esperar que os talibãs consigam fazer alguma coisa em vez de destruir apenas o que foi construído nos últimos 20 anos, apesar de o desanimo ser mais forte e de acabar por admitir que não se pode acreditar que "um grupo militar mude numa noite".

Durante a conversa recordou os dias em que acompanhou a entrada dos talibãs no Afeganistão e a crescente preocupação com a irmã porque "foi tudo muito rápido" e porque tudo o que tinha sido construído acabou "completamente destruído, pelo menos para as mulheres e para as crianças".

"Nessa altura a minha preocupação principal era a minha irmã, planeávamos retirá-la do país. Ela foi muito corajosa e teve amigos que a ajudaram a sair, mas durante três a quatro noites eu não dormi muito bem", recordou.

Apesar de a irmã ter conseguido fugir e estar agora nos Estados Unidos, Ali sublinhou que não se trata só da irmã, mas de todas as 16 milhões de mulheres afegãs que agora estão obrigadas a permanecer em casa.

Para o futuro, Ali disse não ter desejos nem esperança, mas antes a certeza de que nos próximos anos nada vai mudar, admitindo três cenários possíveis para o país: Um cenário de fome e de êxodo generalizado, um segundo cenário em que o país entra em guerra civil ou um terceiro em que o Afeganistão se divide em duas fações e haverá "muito sangue derramado".