Como se chega ao poder no PS e PSD? Um livro sobre as redes dos aparelhos
27-10-2015 - 17:39
 • José Pedro Frazão

Tudo o que os políticos dos grandes partidos fazem para conquistar o poder. É o que o jornalista Vitor Matos se dispôs a estudar e colocar em livro. O autor de "Os Predadores" explicou à Renascença como funcionam as redes de influência no PS e PSD.

Depois de assinar uma extensa biografia de Marcelo Rebelo de Sousa, Vitor Matos avançou para o complexo mundo das ligações de poder no interior de PS e PSD. Juntando e desenvolvendo investigações publicadas na revista Sábado, o jornalista mergulhou numa realidade baseada em clientelas partidárias, recompensas e muitas jogadas de bastidores. Em tempo de transição política, os aparelhos agitam-se em silêncio à espera dos próximos passos decisivos para a composição do poder executivo.

Estamos num momento de espera pelo poder. Como são os aparelhos do PS e PSD quando não estão totalmente no poder? Qual é o sentimento das hostes dos dois aparelhos?

Eles estão sempre no poder. A base dos aparelhos é construída no poder autárquico.É isso que define a base de suporte dos líderes partidários. A questão do Governo é cíclica no PS e no PSD. Sabem que a seguir a uns vêm outros. E que têm que estar bem posicionados dentro do partido para, quando chegarem ao poder, ascenderem aos cargos governamentais e nomeações para cargos de nomeação governamental. Neste momento, imagino que os aparelhos estejam bastante nervosos. Uns com a iminência da perda do poder – parece que houve imensas nomeações, como é costume nos aparentes fins de ciclo; do lado do PS, teremos imensa gente à espera de ver o que se vai passar. Abrem-se novas perspectivas de vida, embora neste caso não me parece que alguém pense que seja algo de consistente e que possa vir a durar muito tempo.

Até que ponto é importante a proximidade ao líder ou daquele que está mais próximo do líder? Por exemplo, para alguém do aparelho, não é fundamental estar próximo do próprio António Costa?

Não. Será importante estar próximo de Pedro Nuno Santos, Marcos Perestrello, Duarte Cordeiro, dos líderes distritais e das grandes concelhias que depois têm influência junto do líder. Depende do patamar de que estamos a falar. Divido os caciques em galopins, caciques e influentes. Os galopins são um espécime político que existia no século XIX, que eram operacionais dos caciques locais para arranjarem votos, aldrabarem eleições e darem poder ao cacique local. O cacique era aquele que localmente em tudo mandava, com capacidade de proporcionar poder ao chefe de cima. E depois os influentes – pessoas como Miguel Relvas ou Marco António Costa –, que são pessoas que movem todas estas peças.

Descreve as primárias do PS como um "embuste que iludiu a democracia". Porquê?

As primárias do PS foram "vendidas" à opinião pública como uma abertura do partido à sociedade e uma inversão da lógica dos aparelhos. O líder iria ser eleito não pelos militantes e caciques, mas por todos os simpatizantes do PS. Iam decidir quem seria o candidato a primeiro-ministro. Fui investigar e cruzar dados dos apoios locais, dos resultados das eleições para as federações com os resultados finais nas primárias. Verifiquei que as votações, mesmo nas primárias, são alinhadas com números abissais com a escolha do cacique local. Isso até é mais evidente entre os apoiantes de António José Seguro, invertendo os resultados da tendência nacional. Falando com várias pessoas, percebe-se que houve uma arregimentação de votantes, aos milhares, para votar em A ou B.

Houve ilegalidades?

Não estou a falar de ilegalidades. O "embuste à democracia" não é no sentido da existência de "chapeladas", mas na arregimentação maciça de simpatizantes que potencia a lógica de arranjar militantes para votar em fulano e não a abertura à cidadania, da escolha livre.

Até que ponto isso dificulta o aparecimento de alguém que queira disputar a liderança a António Costa com sérias possibilidades de o fazer?

É uma questão que coloco a mim próprio. Pergunto-me se, apesar das derrotas de António Costa, há algum "challenger" [desafiador] em posição de lhe ganhar o partido. Se houver eleições directas, só com participação de militantes, será difícil António Costa perder. E ele também vai perder as presidenciais, mesmo que não opte por nenhum candidato.

Por que razão é difícil Costa perder?

Vejamos quem são os apoios mais fortes de António Costa. A concelhia de Lisboa, que é a maior, através de Duarte Cordeiro. A federação de Aveiro, através de Pedro Nuno Santos. A distrital de Lisboa tem um peso imenso, através de Marcos Perestrello. É a concelhia do Porto – não a distrital – através do novo presidente que sucedeu a Manuel Pizarro. O Porto divide, Braga poderá também dividir. Se olharmos para onde contam mesmo as votações no PS, acho muito difícil que o adversário consiga fazer uma diferença no resto do país para lhe roubar a liderança. O que não deixa de ser curioso, porque um líder que perde as eleições normalmente é defenestrado pelo partido, que vai buscar outro. Não se perspectivando sequer um líder forte que lhe possa suceder, a não ser que haja clivagens muito sérias, ideológicas, dentro do partido, não estou a ver que António Costa seja um candidato facilmente derrotável.

Estas redes nos aparelhos, por exemplo no PSD, têm transposição para o poder? Quem apoia no partido tem um lugar à espera no Estado?

Sim, essa é a lógica tanto no PS como no PSD. Nisso, são partidos gémeos. O livro é sobre a conquista do poder, que depois dá acesso ao poder. Primeiro, conquista-se o poder dentro do partido, numa estrutura intermédia ou baixa. Depois, quando o partido tem o poder, seja nas câmaras ou no Governo, essas pessoas têm preponderância maior que as outras para ascender nos cargos. É aí que entra o "pagamento" desses apoios. A moeda de troca são os cargos no Estado, depende do nível de cada apoiante dos líderes. Pode ser uma junta de freguesia, uma câmara ou um cargo de Governo.

Quando um líder chega ao Governo, muitas vezes nem é ele que escolhe. No caso dos ministros, até há mais preponderância para abrir a independentes porque, por causa desta lógica toda, os partidos não têm suficiente massa crítica e é preciso uma "caução" da sociedade civil para com o Governo. Ao nível dos secretários de estado já temos muito aparelho. Eles por sua vez escolhem muitas pessoas para institutos, assessorias, cargos de direcção na administração pública. Na Segurança Social, isso é muito visível, clarinho como a água.

Assinou a biografia de Marcelo Rebelo de Sousa, que agora é candidato à Presidência da República. Era óbvio que o perfil de Presidente estava lá?

Sim, claro. Para ele, será a última hipótese de cumprir o destino para o qual foi criado pelos pais, sobretudo pela mãe. Foi sempre visto como um predestinado para altos cargos no país. Primeiro, pensava-se nisso ainda no quadro do marcelismo; depois, no quadro do PSD. Chegou a líder, nunca foi a eleições, nunca chegou a primeiro-ministro. Há ali um destino pessoal por cumprir. Aquilo que ele disse sobre uma missão para devolver o que o país lhe deu... há um misto de sentimento de missão – até pelo seu lado católico, que fica muito evidenciado – com um lado de ambição pessoal. Talvez não de ambição, porque eu sei que ele pensa que há uma missão divina que ele tem que desempenhar na Terra e que só se interpretar os sinais da Divina Providência é que ele avança. Ele disse-me isto nas entrevistas para a biografia. Resta saber como é que ele interpretou esses sinais e como é que ele avança tendo em conta essa perspectiva da vida.

É o mais forte candidato a Belém?

É. Como é evidente, tem uma notoriedade absolutamente esmagadora em relação a todos os outros candidatos. Resta saber se consegue transformar essa notoriedade em votos.