O elogio da "loucura, iluminada pela fé”. O que disse o Papa aos luteranos
31-10-2016 - 17:15
 • Aura Miguel , enviada especial à Suécia

Num gesto concreto que mostra os frutos do ecumenismo, a Cáritas assinou um acordo com o World Service da Federação Luterana Mundial para desenvolver acções humanitárias conjuntas.

O Papa Francisco elogiou esta segunda-feira a “loucura” de quem arrisca tudo pela fé e para ajudar os outros.

No seu discurso proferido durante uma oração ecuménica na arena de Malmö, na Suécia, para assinalar os 500 anos da reforma de Lutero, Francisco começou por enfatizar que muito mais une os cristãos católicos e luteranos do que aquilo que os separa e terminou agradecendo aos governos e a todas as organizações que se têm empenhado em receber e cuidar de refugiados.

Antes de Francisco falar houve tempo para ouvir os testemunhos de quatro pessoas de diferentes partes do mundo que ultrapassaram dificuldades e se tornaram exemplos a seguir em diferentes campos, desde a protecção do ambiente, na Índia à paz na Colômbia. Uma das mulheres que deu testemunho foi Marguerite Barankitse, do Burundi, que assumiu enormes riscos pessoais para salvar crianças da guerra civil entre hútus e tutsis, que irrompeu no país em 1993. “Toda a gente pensa que sou louca e que perdi o juízo, até a minha família”, admitiu.

Pegando neste testemunho, o Papa elogiou Marguerite e outros como ela. “Claro, é a loucura do amor por Deus e pelo nosso próximo. Precisamos de mais desta loucura, iluminada pela fé e pela confiança na providência de Deus”.

Perto do fim do seu discurso, o Papa citou como exemplo concreto desta “loucura” a coragem daqueles que permanecem em cidades como Alepo, na Síria, para ajudar os mais desprotegidos. “No meio de tanta devastação, é verdadeiramente heróica a permanência lá de homens e mulheres para prestar assistência material e espiritual aos necessitados.”

Dirigindo-se ao bispo Antoine Audo, de Alepo,precisamente, que tomou a palavra a seguir, Francisco continuou: “É admirável também que tu, querido irmão, continues a trabalhar no meio de tantos perigos para nos contares a dramática situação dos sírios. Cada um deles está presente no nosso coração e na nossa oração. Imploremos a graça da conversão dos corações de quantos têm a responsabilidade dos destinos daquela região.”

Tomando a palavra, Audo elogiou os católicos e luteranos presentes por terem conseguido ultrapassar uma lógica de acusação e de conflito, optando antes por “um novo estilo, novos e corajosos gestos que abrem caminhos de esperança para os cristãos e para a humanidade como um todo. Seguindo Cristo, com um gesto de humidade, querem que aceitemos as nossas diferenças, falemos uns com os outros e deixemos a misericórdia de Deus prevalecer sobre tudo”.


Exemplo concreto de ecumenismo

Algo que se tem tornado cada vez mais claro ao longo das últimas décadas, sobretudo desde que a Igreja Católica se abriu oficialmente ao diálogo ecuménico, por altura do Concílio Vaticano II, é que existem diferentes níveis de ecumenismo.

Há o diálogo doutrinal, que continua e é levado a cabo sobretudo por peritos e representantes oficiais de cada confissão, mas há também o nível da amizade, que passa por ultrapassar séculos de desconfiança mútua, criando novas bases sobre as quais o diálogo doutrinal pode assentar.

Igualmente importante é o nível do trabalho conjunto e foi neste nível que esta segunda-feira se deu um desenvolvimento importante com a assinatura de uma pareceria entre a Cáritas Internacional, o braço da assistência humanitária da Igreja Católica, e a World Service, que desenvolve o mesmo tipo de trabalho em nome da Federação Luterana Mundial.

As duas organizações comprometem-se a colaborar na assistência a refugiados, deslocados e migrantes; à construção da paz e reconciliação; à resposta a desastres humanitários; à implementação de objectivos de desenvolvimento sustentável e a acções de diálogo inter-religioso.

“Acreditamos que as comunidades religiosas e as organizações com as quais trabalham estão numa posição singular para combater a pobreza em todas as suas dimensões. Não só porque estas comunidades estão presentes em todo o mundo, mas também porque quando devidamente treinadas, organizadas e acompanhadas, são os melhores a responder a desastres, os melhores a promover o desenvolvimento humano integral e sustentável e a agir em defesa da vida”, lê-se no documento assinado esta segunda-feira na Suécia.

“Aquilo que nos anima é a nossa fé e, num mundo secularizado, isto faz toda a diferença: coragem, compromisso, perseverança, assumir riscos, a crença de que Deus está connosco para confrontar o mal e reconstruir vidas. Enquanto duas organizações cristãs globais a trabalhar pela dignidade humana e justiça social, optamos por juntar as mãos. Para trazer esperança. Para testemunhar e agir em conjunto, sem excluir. E para convidar os nossos membros a agir em conjunto com os seus pares e amigos a nível local”, diz ainda.

A importância deste acordo foi também sublinhada pelo bispo Munib Younan, presidente da Federação Luterana Mundial e natural de Jerusalém, que deu como exemplo a sua própria família, obrigada a refugiar-se devido ao conflito na Terra Santa.

O bispo luterano sublinhou a importância deste encontro histórico, realçando que este “não é um ponto de chegada do nosso diálogo, mas um novo início”.

A Renascença com o Papa Francisco na Suécia. Apoio: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.