Coronavírus. Altas sem realizar testes “podem colocar em causa a saúde da população”
02-04-2020 - 09:45

Presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos fala de um "problema gravíssimo" e alerta para casos em que o vírus persiste 28 dias na orofaringe.

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O presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (SRNOM) desconhece mas admite que haja pacientes recuperados de Covid-19 a terem alta sem que sejam feitos novos testes, como indica a Direção-Geral da Saúde. A notícia, avançada esta quinta-feira pelo "JN", dá conta de que "perante as dificuldades de marcação de testes para rastreio de Covid-19, os médicos da Região Norte estão a receber indicação para considerarem recuperados os doentes que passam 14 dias sem sintomas".

“Não tenho conhecimento disso, mas acredito que possa estar a acontecer porque há uma falta muito grande de testes no nosso país. Estamos com um problema gravíssimo na questão da disponibilidade dos testes. Dos oito mil [casos] identificados, nós, provavelmente, teremos um número muitíssimo superior de pessoas infetadas. Este racionamento de testes, embora tenha algum substrato científico, no sentido de podermos deixar os indivíduos que estavam infetados sem a realização de teste, é evidente que coloca em causa a saúde desses indivíduos e da população. Podem estar a disseminar a doença aos familiares e companheiros de profissão”, alerta António Araújo em entrevista à Renascença.

Na terça-feira, o sub-diretor geral da Saúde esclareceu que "só são considerados recuperadas as pessoas que tenham dois exames negativos". Diogo Cruz acrescentou que o dia da repetição do teste varia de pessoa para pessoa e alertou que há casos em que o vírus persiste 28 dias na orofaringe.

A Direção-Geral da Saúde remete novos esclarecimentos sobre os doentes dados como curados que estarão a sair do isolamento sem novos testes para a habitual conferência de imprensa de atualização da situação da pandemia em Portugal.

Convidado do programa "As 3 da Manhã", o presidente da SRNOM reforça a ideia de que Portugal terá um número de pessoas infetadas com coronavírus muito superior ao número oficial, fixado em 8251 casos.

“Neste momento não conseguimos identificar quantas pessoas assintomáticas estão infetadas. Temos oito mil, mas provavelmente existirão quatro ou cinco vezes mais infetados de que não temos conhecimento. Daí que o distanciamento social é tão importante”, recomenda.

Equipamentos de proteção individual também estão em falta nos hospitais, exceto máscaras cirúrgicas: “Há uma falta generalizada de EPI’s. As máscaras cirúrgicas têm vindo a aparecer nos hospitais, mas todos os dias gastam-se milhões destas máscaras. Tem havido falta muito grande de material específico, que leva a algumas soluções mais caseiras de cada hospital”.

Medidas deveriam apertar no estado de emergência

António Araújo continua a ver aglomerados de pessoas nas ruas. Nesse sentido, defende que a renovação do estado de emergência deveria apertar com as medidas de confinamento social.

“O distanciamento social é fundamental para mitigarmos a infeção. A declaração do estado de emergência tem uma importância muito grande para controlar a doença. As medidas deveriam ser mais fortes, porque continua a ver-se pessoas a passear e a conviver em espaços públicos”, explica.

O Norte continua a ser a zona mais afetada, com quase cinco mil casos confirmados e 95 mortes, segundo o boletim de quarta-feira da Direção-Geral da Saúde. “O Norte sempre teve um tecido industrial muito grande, com ligações muito fortes a Itália, Espanha e China. Recebemos muitos emigrantes de França e Espanha e tudo isto traz muitos focos de contágio e dispersão da doença”, diz.

Em comparação à media europeia, Portugal tem, à data, uma reduzida taxa de mortalidade da doença, com 187 óbitos confirmados. António Araújo acredita que há bastante idosos que não vivem em lares e destaca as medidas tomadas.

“Portugal tomou medidas mais cedo para consciencializar as pessoas do que deveriam fazer, no distanciamento e higiene. Apesar de termos muitos idosos em Portugal, há muitos integrados na estrutura familiar em casa. A disseminação muito grande em lares como se viu em Espanha, aqui foi mais mitigado. Há alguns casos de lares fustigados pela epidemia, mas há muitos idosos que continuam a viver na estrutura familiar e isso é uma mais-valia para controlarmos a doença”, termina.