Os movimentos contra as vacinas
18-12-2020 - 06:08

Dantes, desconfiava-se das vacinas por ignorância. Hoje, os anti-vacinas desvalorizam a ciência, porque descreem na razão. Preferem acreditar em mirabolantes teorias da conspiração, como ligar vacinas a autismo. A vacina não defende apenas a pessoa que a toma: contribui para que outros não sejam infetados. Só um individualismo egoísta não o entende.

Desde que a Covid-19 se tornou uma pandemia, passou a esperar-se ansiosamente pelo aparecimento de uma vacina contra este vírus. E, de facto, várias surgiram, felizmente, em tempo “record". Mas uma sondagem da Universidade Católica indica que quase um terço dos portugueses pretende adiar a vacina e 8% rejeitam a tomada da vacina.

Noutros países europeus a rejeição da vacina contra o novo coronavírus é mais elevada. É o caso da Hungria, da Polónia, da Itália, da França, etc. E nos EUA existe uma importante corrente contra as vacinas, esta e outras.

A rejeição de vacinas não é de hoje. No séc. XVIII muitos franceses não queriam tomar vacinas, suscitando a ira de Voltaire. E no séc. XIX, em Inglaterra, houve tumultos quando o governo decidiu tornar obrigatórias algumas vacinas.

É irracional rejeitar um dos maiores sucessos da medicina e da produção farmacêutica nos últimos séculos. As vacinas permitiram erradicar inúmeras doenças, que por vezes causavam a morte – varíola, tosse convulsa, sarampo, tétano, etc. Podemos apontar como principal causa dessa irracionalidade o facto de a grande maioria da população, nos séculos XVIII e XIX, ser inculta ou mesmo analfabeta em muitos países considerados desenvolvidos.

Hoje, porém, não é a ignorância que leva a rejeitar vacinas. É uma certa descrença pós-moderna na ciência, derivada da desvalorização da verdade. Os populistas, como Trump, vivem dessa desvalorização, difundindo mirabolantes teorias da conspiração.

A ciência teve um enorme e justificado prestígio há um século. E algumas vezes iludiu-se quanto à sua capacidade de tudo vir a explicar – o sentido da vida, por exemplo. Mas no nosso tempo já não se sobrevaloriza a razão – pelo contrário, há quem pura e simplesmente não acredite em coisa alguma, ou melhor, acredita nas coisas mais inverosímeis.

A ideia de que as vacinas são perigosas também se liga a um sentimento anticapitalista. Os colossos da indústria farmacêutica apenas querem ganhar dinheiro, diz-se, enganando os consumidores. Claro que nem sempre as grandes empresas foram verdadeiras. Basta pensar no aliciamento de figuras relevantes da medicina que a indústria do tabaco conseguiu captar em meados do século passado, para afirmarem que fumar não fazia mal algum.

Foi uma triste história, mas não se pode generalizar. É que se não houvesse alguma confiança na indústria farmacêutica ela fatalmente iria à falência. E é absurdo descrer da ciência médica e farmacêutica e ao mesmo tempo acolher ideias fantasiosas, como, por exemplo, a de que tomar vacinas provoca autismo.

Em Portugal, ninguém é obrigado a tomar vacinas contra a Covid-19. Hoje, entre nós, apenas as vacinas contra o tétano e a difteria são obrigatórias. Mas, no passado recente, outras eram obrigatórias – sem o que não se teriam erradicado numerosas doenças.

A vacina não defende apenas a pessoa que a toma: contribui também para que outros não sejam infetados. Só um individualismo egoísta não o entende.