Acordo Ortográfico. Marcelo foi "inoportuno e precipitado" ou "corajoso e prudente"?
04-05-2016 - 13:32

Declarações do Presidente renovaram as esperanças dos opositores do AO. Marcelo diz que é "prematuro" falar em mudanças, mas o tema está de novo no debate público. Malaca Casteleiro diz que o PR "está a pôr o carro à frente dos bois".

O "cidadão Marcelo Rebelo de Sousa" é contra o novo Acordo Ortográfico (AO) e o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vê na hipótese de Moçambique e Angola não ratificarem a nova grafia “uma oportunidade para repensar essa matéria”.

Esta quarta-feira, Marcelo foi mais cauteloso. Disse ser "prematuro" falar de eventuais mudanças nesta matéria "no quadro português", sem que haja "elementos precisos" sobre o AO vindos de Angola e Moçambique.

Mas a polémica voltou. Comentando as declarações de terça-feira, o linguista Malaca Casteleiro, favorável ao novo AO, considera que o Presidente "está a pôr o carro à frente dos bois" na questão, enquanto o escritor Mário Cláudio saúda uma declaração “acertadíssima e prudente”.

Malaca Casteleiro acusa Marcelo de ter tido "uma declaração prematura e inoportuna". "Com todo o respeito, acho que o senhor Presidente da República, usando uma expressão dele, está a pôr o carro a frente dos bois, porque o governo de Moçambique já aprovou o acordo, que está para ratificação no parlamento", declara o professor de Letras, em entrevista à Renascença.

"Não se percebe esta declaração prematura e inoportuna, sinal de precipitação", reforça Casteleiro, argumentando que não se pode "andar para frente e para trás numa questão como esta, que é muito séria".

"Foi tão difícil chegar aqui...Andamos numa guerra ortográfica quase cem anos, desde 1911", desabafa o linguista.

"Não se percebe porque é que essa questão é agora levantada, quando o acordo está em vigor em Portugal, no Brasil, em Cabo Verde e em São Tomé, estando em vias de estar também em Timor-Leste e em Moçambique, país que já elaborou o vocabulário ortográfico nacional, que é um requisito necessário", acrescenta.

Malaca Casteleiro lembra ainda a existência do "Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que é um organismo da CPLP, que tem a sua frente, como directora executiva, a professor Marisa Mendonça, moçambicana, que está a desenvolver o seu trabalho no sentido de o acordo ser implantado em todos os países".

Um acordo que "não funciona"

Opinião oposta tem o escritor Mário Cláudio, opositor do novo acordo, que encara a declaração presidencial como "uma decisão muito corajosa e desejada pela maioria das pessoas"

"Este acordo que suscitou paixões - muito mais do lado dos detractores do que do lado dos defensores - não funciona e não funcionará, nem cá nem lá, nos outros países de língua portuguesa", antevê o escritor do Porto.

Mário Cláudio lamenta ainda que "continuemos divididos na escrita, entre os que respeitam e não respeitam o acordo", situação que classifica como "anómala e pouco saudável para a língua portuguesa".

"Não restará nada da continuidade desta espécie de divórcio entre 'acordistas' e 'não acordistas'", adverte o vencedor do Prémio Pessoa 2004

Neste quadro, a declaração do Presidente da República "introduz algum clima pacificador", sendo "acertadíssima e prudente". Para Mário Cláudio, tudo fica agora "dependente da reunião de alguns factores” para que o gesto de Marcelo tenha o efeito que pretende, que é a anulação do acordo.