O vermelho não é uma ordem para muitos peões
22-07-2016 - 16:03

Passar no vermelho dá coima, mas raramente é aplicada. Os peões cometem esta infracção com frequência, mas evitam fazê-lo quando estão acompanhados de crianças.

Dois locais, uma cidade, o mesmo cenário: peões a passarem no vermelho. Não falta quem ignore o sinal que manda os peões parar. É assim em Lisboa e em todo o país.

A Renascença fez o teste junto à estação do Rossio e ao Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa. Bastaram dez minutos no primeiro lugar, em pleno centro da capital, pelas 17h00 de uma quinta-feira, para assistirmos à passagem de 50 peões num sinal vermelho.

Em 2014, o último ano sobre o qual há dados da Associação Nacional de Segurança Rodoviária, indica que os acidentes resultantes do desrespeito dos peões pelo sinal fizeram um morto, sete feridos graves e 90 feridos leves.

“Isto significa que não chega a 1,5% do número total de feridos e mortes resultantes de atropelamentos. Não tem uma representação muito grave em termos de sinistralidade rodoviária”, afirma o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), José Miguel Trigoso.

Atravessar a passadeira com o sinal vermelho é uma infracção cuja coima vai do valor mínimo de 4,99 euros até ao máximo de 24,99 euros. A PSP não forneceu números à Renascença, mas admite que a quantidade de multas aplicadas devido a este comportamento é residual.

O comissário da Polícia de Segurança Pública (PSP) Pedro Pereira acredita que a mudança de “comportamento não passa tanto pela fiscalização, ou pelo acto de passar a multa, mas sim pela sensibilização e educação junto dos peões”.

A PSP fiscaliza “o cumprimento de todas as normas rodoviárias, mas existe uma fiscalização mais intensa para os chamados ‘comportamentos de risco’, associados sobretudo aos acidentes de viação com consequências graves”. Nem todas as infracções rodoviárias apresentam o “mesmo risco para a produção de um acidente de viação”, lembra Pedro Pereira.

Para José Miguel Trigoso, deve haver “uma maior pressão para que os peões atravessem nas passadeiras e não cinco metros ao lado”. Mas, mais importante, deve-se pressionar “os condutores para que haja cedência de passagem”.

Na Noruega, um país com bons indicadores de sinistralidade, um peão passar com o sinal vermelho não é proibido por lei. “Há um entendimento entre os condutores e os peões”, diz o presidente da PRP.

A pressa manda

No Rossio, encontrámos Raúl Almeida, empregado de balcão, na sua pausa de trabalho. Quando não vê carros, acredita que pode “passar em segurança”. Não o faz “pela pressa”, mas “por ser uma coisa natural”, “um instinto”.

Junto a uma passadeira nas imediações do centro comercial Vasco da Gama, João Luciano, estudante de 18 anos, confessa que só comete “a infracção quando” está “atrasado”. Já Joana Mealha, 22 anos, passa no vermelho “todos os dias”. A pressa é, uma vez mais, a justificação.

Maria Alves, de 75 anos, reformada, é uma excepção. “Eu não passo, mas até as pessoas já reformadas vão com muita pressa e passam no sinal vermelho. Isto já é um hábito”.

Vítor Costa, reformado, emigrante na Austrália, tem uma teoria: em Portugal, o “cidadão é desobediente por natureza”. Mas “ninguém é perfeito” e também ele, uma vez, “distraído”, teve o impulso de “avançar na passadeira com o sinal vermelho”. “Muito envergonhado”, voltou atrás.

A maioria dos peões ouvidos pela Renascença admitiram que há riscos em não respeitar o sinal vermelho, mas ainda assim cometeram a infracção.

Um quarto dos cerca de dois mil condutores observados num projecto da Prevenção Rodoviária Portuguesa, divulgado em 2014, não cedeu passagem aos peões nas passadeiras. Já 22% dos 2.149 peões observados atravessou fora das passadeiras.

Sinal respeitado quando há crianças

A postura muda quando os peões estão acompanhados de crianças. Nesse caso, “não atravessam a passadeira com o sinal vermelho”, revela José Miguel Trigoso.

Os peões confirmam. João Luciano explica que, “mais do que educar a criança”, trata-se de a proteger. “Com crianças eu não passo”, garante Beatriz Sança. “Nunca vou pôr a minha irmã de dois anos a passar no vermelho porque não quero que lhe aconteça algo de mal.”

José Miguel Trigoso considera que as escolas têm papel preponderante, mas defende que são as famílias que devem assumir a figura principal na prevenção rodoviária: “A escola não chega porque as crianças aprendem algumas normas, mas não as praticam.”

“É muito importante que as escolas tenham projectos pedagógicos que aflorem esta temática e que trabalhem na sensibilização das famílias para que estas eduquem as crianças”, diz.

A PSP desenvolve “acções de sensibilização e educação rodoviária sobretudo dentro da comunidade escolar, durante o ano lectivo”, explica o comissário Pedro Pereira. “A cultura de cumprimento deve ser incutida nos mais jovens”.