Há um barco de refugiados afundado. É um alerta e é arte
05-03-2016 - 10:55
 • Fotos cedidas por Jason deCaires Taylor/CACT Lanzarote

O escultor britânico Jason deCaires Taylor não quer fazer um simples memorial às vítimas, mas recordar a responsabilidade da comunidade internacional no drama dos refugiados.

Qualquer semelhança com "A Jangada da Medusa", do francês Géricault, não é pura coincidência. O escultor britânico Jason deCaires Taylor inspirou-se na pintura a óleo do início do século XIX para criar "A Jangada de Lampedusa", uma das obras que constituem o primeiro museu subaquático da Europa, ao largo de Lanzarote, Espanha.

Se Géricault se inspirou no naufrágio da fragata “La Méduse”, uma moderna embarcação da Marinha Francesa que se terá afundado em 1816 sem nunca ter cumprido a missão de tomar posse da colónia do Senegal, a inspiração de Taylor é bem mais actual.

Segundo o artista, a escultura é uma "representação angustiante da crise humanitária em curso", traçando um paralelo entre o "abandono sofrido por marinheiros num naufrágio e a crise dos refugiados actual".

O paralelo entre as duas obras salta à vista. Quando a fragata francesa afundou, no século XIX, não havia botes salva-vidas suficientes para todos a bordo. O capitão e outros dignitários partiram então nos botes existentes, deixando 147 pessoas a bordo uma jangada instável.

Depois de 13 dias no mar em condições desumanas, que incluíram assassínios em lutas sangrentas, pessoas atiradas ao mar e actos de canibalismo entre os sobreviventes, apenas 15 homens resistiram. O caso tornou-se um escândalo internacional e a pintura realista de Géricault, que chegou a entrevistar sobreviventes e a construir uma maquete da jangada, foi vista como uma crítica à monarquia francesa e ao sistema político.

Agora, em pleno século XXI, Jason deCaires Taylor diz não querer fazer um simples tributo ou memorial às vítimas, mas recordar "a responsabilidade colectiva da nossa comunidade global" em resolver o drama dos refugiados.

Algumas das figuras da peça criada por Taylor foram mesmo inspiradas em pessoas que fizeram esta perigosa viagem.

Arte e natureza em constante diálogo

O "Museo Atlantico" abriu ao público na semana passada. A 14 metros de profundidade, mergulhadores ou barcos que possuam um fundo de vidro podem ver mais de 300 figuras espalhadas pelo fundo do mar ao largo de Lanzarote, nas ilhas Canárias, Espanha.

A instalação principal, "The Rubicon", mostra 35 pessoas que, empunhando iPads e telemóveis, caminham em direcção a outro mundo, um lugar de onde parece não se regressar. As figuras não prestam atenção ao caminho – algumas têm os olhos fechados, outras estão a tirar "selfies", outras estão concentradas nos seus telefones.

Taylor diz que este trabalho é sobre as alterações climáticas e como a humanidade avança cegamente em direcção a um ponto sem retorno.

O artista está ainda a trabalhar num jardim botânico subaquático, respeitando a flora natural da ilha – bem como em híbridos de humanos com cactos, que sugerem a harmonia entre a humanidade e a natureza.

Jason deCaires Taylor foi também responsável pela primeira exposição deste tipo, em Granada, no mar das Caraíbas, que entrou nas 25 maravilhas do mundo para a "National Geographic".