Uma cimeira inédita
12-03-2018 - 06:17

O primeiro encontro da história entre um presidente americano e um líder norte-coreano, a concretizar-se, envolverá sérios riscos.

Na quinta-feira passada o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-Un, enviou uma mensagem ao Presidente Trump através de uma delegação sul-coreana: a proposta de uma cimeira com Trump dentro de poucos meses.

A proposta não é novidade – há décadas que a Coreia do Norte anseia por um encontro ao mais alto nível com o Presidente dos EUA. Inesperada foi a imediata resposta de Trump: sim.

Trump não consultou os seus conselheiros nem os seus ministros antes de responder. Depois, a Casa Branca veio dizer que a cimeira fica dependente de “passos concretos” da Coreia do Norte.

Mas Pyongyang já tinha prometido à Coreia do Sul suspender o lançamento de mísseis enquanto decorressem negociações entre as duas Coreias, na sequência do “degelo" durante os Jogos Olímpicos de Inverno. Curiosamente, parece que a população da Coreia do Norte ainda não sabe da concordância de Trump quanto à cimeira.

Muita gente ficou preocupada e com razão. Trump considera-se a si próprio um exímio negociador. Há tempos tinha dito publicamente que o ministro americano dos Negócios Estrangeiros, Rex Tillerson, perdia o seu tempo a tentar negociar com a Coreia do Norte. Porquê, então, aceitar sem condições (pelo menos inicialmente) o primeiro encontro da história entre os líderes dos EUA e da Coreia do Norte?

Trump é vaidoso, como se sabe. E agrada-lhe poder dizer, agora, que foram as sanções impostas por ele (formalmente, pela ONU) à Coreia do Norte que levaram Kim Jung-Un a baixar a tensão na zona.

As sanções económicas são, na verdade, severas. 90% das exportações norte-coreanas ficaram afetadas. Mas a China ainda vai fornecendo petróleo e alimentos à Coreia do Norte. E a dinastia familiar que tiraniza este país desde o princípio, há 70 anos, jamais se preocupou com o sofrimento do seu povo, grande parte do qual morreu literalmente à fome no passado recente para satisfazer as ambições bélicas dos seus governantes.

O pai e o avô de Kim Jung-Un fizeram acordos com os EUA, prometendo parar o investimento em armas nucleares e mísseis em troca de auxílio económico americano. O auxílio concretizou-se, mas não parou a corrida norte-coreana ao nuclear. Custa a acreditar que será diferente desta vez.

Em Washington, e no resto do mundo, sabe-se muito pouco sobre o que se passa na Coreia do Norte. O que torna uma cimeira Trump-Kim um risco considerável. Mas agora Trump não deve recuar, porque iria ser acusado pela Coreia do Sul, pelo Japão e pela China de ser ele o obstáculo à paz na península coreana. E Kim Jong-Un poderia dizer: eu bem tentei, mas Trump não quis a paz...

A realizar-se, a cimeira exige uma preparação extremamente cuidadosa. Sobretudo para evitar precipitações de Trump, que costuma classificar de grandes êxitos os seus encontros com líderes estrangeiros. Trump diz que “a cimeira será um tremendo sucesso”.

Oxalá, mas para isso o Presidente americano tem que ouvir e ler as opiniões e sugestões de quem percebe do assunto. E já não restam muito conhecedores do problema coreano na Casa Branca, nem entre os diplomatas do Departamento de Estado.