As greves e as expectativas
17-12-2018 - 06:21

O fim da austeridade foi proclamado vezes sem conta pelo governo. O que gerou expectativas que, agora, são frustradas.

Em Portugal, não há memória de uma tão grande onda de greves em plena quadra natalícia, atingindo sobretudo entidades do sector público. O Presidente da República afirmou, no sábado, que, por vezes, há expectativas que são geradas e que suscitam a “ideia de que é possível rapidamente convertê-las em modificações da situação social”. E apontou, além deste, outros dois factores para a presente vaga grevista: o debate do Orçamento do Estado e o facto de 2019 ser um ano eleitoral.

Ficando apenas pelo “factor expectativas”, vale a pena recordar quem as criou. Foi o PS, com destaque para o primeiro-ministro António Costa, que logo no início do seu mandato governamental começou a proclamar que tinha acabado a austeridade. E ainda há dias, na reunião em Lisboa do Partido Socialista Europeu, A. Costa foi vivamente felicitado por ter descoberto uma nova maneira de cumprir as exigências orçamentais do euro e simultaneamente colocar a economia a crescer.

Ora esta é uma versão enganosa do que se passou. Com certeza que o governo PS reverteu os cortes nas pensões e nos salários dos funcionários públicos. Mas porque não faria o mesmo, embora mais gradualmente, qualquer governo de outra cor política?

Aliás, o PIB, que caiu três anos consecutivos com os resgate financeiro e a “troika”, recomeçou a subir já em 2014, antes de A. Costa perder as eleições e chegar a primeiro-ministro (manobra politicamente habilidosa, sem dúvida) no fim de novembro de 2015. Depois acentuou-se naturalmente nos anos seguintes a melhoria da economia e do emprego. O “boom” do turismo estrangeiro deu uma ajuda.

A propaganda governamental proclamava até há poucos meses o “milagre” que Costa e Centeno haviam operado. Nos últimos tempos, perante tanto descontentamento na praça pública, insistem menos na “cassette”. É que as pessoas foram-se dando conta de que a redução do défice orçamental foi sobretudo conseguida travando (com cativações e outras manobras) despesa do Estado, a começar pelo investimento público.

Mas não é positivo baixar despesa pública? Claro que é, desde que tal se concretize através de reformas do sector público que permitam cortes racionais. Como não houve reformas dignas desse nome, os portuguesas foram cada vez mais confrontados com o caos nos serviços públicos, incluindo na saúde e na educação, e com o quase colapso do transporte ferroviário, além de outras desgraças.

As radiosas expectativas criadas há três anos pelo governo de A. Costa, por vezes com o apoio tácito ou até explícito do próprio presidente Marcelo, foram substituídas pela frustração. Por isso muitos fazem greve.