Em Portugal, cerca de 25 mil pessoas estão diagnosticadas com a doença de Crohn - uma doença inflamatória do intestino que, uma vez diagnosticada, dura a vida inteira. Caracterizada por ser uma doença altamente “debilitante e incapacitante”, afeta sobretudo jovens em idade ativa. Os sintomas comuns são diarreia, dor abdominal, fadiga, perda de peso, entre outros.
Nos últimos anos, em Portugal e em todo o mundo, tem-se assistido a uma incidência crescente desta patologia que ainda não tem cura.
Uma investigação internacional com origem portuguesa descobriu uma alteração no sangue que poderá prever quem vai desenvolver a doença de Crohn anos antes do seu desenvolvimento.
À Renascença, Salomé Pinho, investigadora e coordenadora do estudo, explica que “o caráter transformador” da descoberta foi “a capacidade de identificar uma alteração molecular no sangue - um biomarcador - que poderá prever quem vai desenvolver a doença de Crohn anos antes do seu desenvolvimento e do seu diagnóstico”.
A investigadora acredita que a descoberta “pode ter um impacto transformador na medicina e no manejo clínico e terapêutico destes doentes”.
Desde 2017 que esta equipa do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), em colaboração com o Departamento de Defesa Americano, estudou pela primeira vez o que acontece na transição da saúde para a doença.
Para isso, a equipa teve acesso ao sangue dos militares do Exército americano, numa fase ainda pré-clínica, ou seja, antes de se saber da existência da doença.
Uma vez que estes militares são todos os anos monitorizados clinicamente, com análises ao sangue, conseguiram ter acesso a milhares de soros - um constituinte do sangue - até seis anos antes do diagnóstico, quatro anos antes, dois anos antes e ao diagnóstico.
Essas amostras permitiram à equipa “identificar uma alteração molecular num anticorpo”, explica Salomé Pinho. Essa alteração no sangue só foi verificada em indivíduos que anos depois desenvolveram a doença de Crohn.
“O que nós identificamos foi uma glicoforma, ou seja, estes anticorpos normalmente estão modificados, estão decorados com açúcares, não é o açúcar convencional, são açúcares quimicamente mais complexos e, portanto, nós verificamos que os indivíduos que desenvolviam anos mais tarde a doença de Crohn tinham uma alteração na composição destes açúcares”, explicou.
Essa glicoforma pode ser detetada através de uma amostra de sangue. A investigadora acredita que a descoberta “vai ser revolucionária para a predição e prevenção da doença de Crohn”.
“Se nós conseguirmos prever e estratificar o risco de quem vai desenvolver a doença de Crohn anos antes do seu desenvolvimento, podemos prevenir e podemos tentar intercetar aquilo que é um dos fatores que levam à ignição do processo inflamatório”, acrescentou.
O próximo passo é perceber as verdadeiras causas que levam a esta alteração molecular, e depois tentar bloquear a montagem deste processo inflamatório que está a acontecer ainda quase uma década antes do diagnóstico.
No âmbito do projeto europeu GlycanTrigger, também liderado por Salomé Pinho, e com base nestas descobertas vai arrancar em 2025 um ensaio clínico com doentes com a Doença de Crohn que removeram cirurgicamente parte do intestino. O objetivo é tentar intervir nesses doentes de modo a “prevenir o reiniciar do processo inflamatório”, a recidiva da doença, algo comum em doentes com Crohn. O recrutamento de doentes vai começar no Hospital da Luz de Lisboa.