Entrevista a António Costa. Falar com (quase) todos os partidos e o que separa PS e PSD
24-01-2022 - 12:45
 • Susana Madureira Martins (entrevista) , Sofia Freitas Moreira (texto) , Inês Braga Sampaio (texto) , Joana Bourgard (Fotografia e vídeo) , Inês Rocha (vídeo)

Em entrevista à Renascença, o líder do PS primeiro-ministro admite diálogo com todos menos o Chega, assume a ambição de chegar aos mil euros de salário mínimo e define meta para entrada em vigor do OE 2022.

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Na contagem decrescente para as eleições legislativas do próximo domingo, António Costa deixa, em entrevista à Renascença, porta aberta a conversações com todos os partidos, à exceção do Chega.

O líder do PS e primeiro-ministro credita que pode ter o Orçamento do Estado para 2022 em vigor em abril, caso seja reeleito, mas alerta que isso pode não acontecer em caso de derrota.

Costa afirma, ainda, que o salário mínimo nacional (SMN) pode ir além dos 900 euros prometidos no seu programa eleitoral até 2026.

Leia a entrevista completa da Renascença ao candidato socialista às eleições legislativas de 2022.

Disse que não recebe lições de Catarina Martins sobre diálogo. Passadas umas horas, recebeu um convite para reunir com a coordenadora do Bloco de Esquerda a seguir às eleições, no dia 31 de janeiro. Vai aceitar esse convite para dialogar?

Com certeza, a seguir às eleições todos vamos ter de falar com todos. Em concreto, nunca recusei conversas com o Bloco de Esquerda (BE), só tenho mesmo pena de o BE ter impedido que as conversas sobre o Orçamento tivessem continuado para além da generalidade e tivessem prosseguido na fase da especialidade. Mas ao longo destes anos, sempre falámos com o BE.

Recordo que o Bloco já em 2020 votou contra o Orçamento de 2021 e não foi isso que impediu que continuássemos a dialogar. Em temas como a reforma do SEF, que fizemos com o Bloco, na Lei do Clima, em que o Bloco também esteve envolvido, e neste Orçamento do Estado para 2022, esteve sempre envolvido, portanto, nunca tivemos nenhuma porta fechada ao Bloco. Mas, obviamente, a seguir às eleições vamos ter de falar com o Bloco e com todos os partidos na Assembleia da República.

Só com o Chega é que não há grande conversa a manter. Com exceção do Chega, com quem não há muito a falar, com todos os outros partidos vamos ter de falar, seguramente, para garantir uma boa solução de governação para o país, no futuro.

O PCP também tem trazido esse desafio. João Oliveira também lhe colocou, no Debate da Rádio, esse desafio, para dizer se está disponível para uma convergência, acusando-o de ainda não ter respondido. Quer responder a João Oliveira e ao PCP, se está disposto a uma convergência, depois de ter dito que já não confia nesta geringonça?

Acho um bocado estranho que venham para a campanha eleitoral todos fazer perguntas sobre a minha disponibilidade para o diálogo. Creio que devo ser o político português que nos últimos anos, pelo menos, maior disponibilidade para o diálogo revelou com todas as forças políticas.

Nós encontrámos em 2015 uma solução interpartidária que foi a mais longa e a mais estável que existiu em Portugal até aos dias de hoje e não foi por isso que deixámos de dialogar com o PSD em temas fundamentais, como a política externa, a política de defesa, a negociação dos fundos para a União Europeia. Portanto, ouve sempre diálogo com o PSD. Ao longo destes anos, criámos, e criei, se me permite a imodéstia, as condições para que, pela primeira vez, tivessem sido derrubados muros que, desde 1975, impediam um diálogo construtivo entre o PS e os partidos à esquerda do PS. Portanto, acho muito estranho que me façam muito essa pergunta.

Aquilo que eu disse e tenho dito aos portugueses com toda a franqueza é qual é, no meu entendimento, a melhor solução governativa. E não estar em condições de voltar a dizer aos portugueses, como disse há dois anos, que a única solução possível era a chamada geringonça, porque, depois do que aconteceu, não posso dizer que essa seja a única solução. Temos de encontrar outras soluções, temos de estar abertos para outras soluções. Acho que os portugueses sabem e sentem isso. Acho que a última coisa que desejam é uma solução de grande instabilidade. Percebe-se que não tenham um grande amor pela ideia de maiorias absolutas, pelo contrário, diria eu...

...Mas insiste nessa ideia de maioria absoluta.

Não é uma questão de insistir. Não posso dizer aos portugueses uma coisa diferente daquilo que penso que é o melhor. Mas, obviamente, também já expliquei várias vezes que, ao contrário do que outros no passado fizeram, que disseram "ou há maioria absoluta ou é o caos", "ou é a maioria absoluta ou vou-me embora", eu nunca disse nem nunca direi isso aos portugueses. Respeitarei sempre a decisão dos portugueses. E saberei, na noite do dia 30, respeitar os resultados eleitorais e, em função dos resultados eleitorais, encontrar para o país a melhor solução de governo, aquela que assegure melhor estabilidade, tendo obviamente por centralidade o programa eleitoral do Partido Socialista."

Mantém a porta aberta a um entendimento e a um diálogo também com o PSD, com este PSD de Rui Rio, pelo que percebo das suas palavras?

Eu nunca falo dos partidos como "este PSD", "aquele PSD", "este PCP", "este Bloco".

Mas é este que tem líder que existe, não é?

Os partidos são o que são e cada partido escolhe a sua própria liderança e não há nada de pessoal me impeça de falar com qualquer dos líderes partidários, pelo contrário. Tenho estima e consideração por todos. Obviamente, nestas eleições, a grande escolha que está presente é entre aquilo que são as soluções programáticas apresentadas pelo PS e pelo PSD.

O que está em causa é saber se os jovens vão mesmo pagar menos impostos já este ano, se na classe média as famílias com filhos vão mesmo já pagar menos impostos este ano em IRS ou, como pretende, o PSD só lá para 2025 ou 2026. O que está em causa é saber se mantemos o Serviço Nacional de Saúde (SNS) público e que seja tendencialmente gratuito ou se passa a ser tendencialmente pago. O que está em causa é saber se garantimos mesmo a autonomia do Ministério Público como um instrumento fundamental do Estado de Direito para o combate à corrupção e para eliminar esta ideia de impunidade que existe na sociedade portuguesa ou não. Essas são as grandes diferenças que hoje temos presentes.

Mas há uma base de entendimento? A minha questão é esta, se há uma base de entendimento que possa ser possível depois das eleições.

Na Democracia há sempre uma base de entendimento natural, que é o país. Nós vivemos todos no mesmo país, queremos todos seguramente o melhor para o futuro do nosso país, cada um tem a sua visão. Há caminhos diferentes. Eu considero que é absolutamente essencial para o nosso desenvolvimento económico uma melhoria significativa de salários. O PSD desvaloriza muito esta dimensão dos rendimentos, acha mesmo que é um erro político valorizar a procura interna e o rendimento das pessoas. Já pensava isso no passado e continua a pensar. Eu tenho uma visão diametralmente oposta. Essa é a verdade.

Agora, os portugueses poderão escolher e eu respeitarei, naturalmente, a escolha que os portugueses fizerem e, em função disso, teremos de encontrar soluções de governação. E é isso que farei. No dia 30, verei os resultados das eleições e, em função disso, veremos qual será a melhor solução para assegurar maior estabilidade do Governo.

Sobre o novo aeroporto de Lisboa, o Presidente da República já disse, por exemplo, que espera que seja possível ter um consenso mínimo nacional sobre o que há a ser definido. Não é preciso um acordo de papel passado, mas pode haver um compromisso ou não, com o PSD?

Esse exemplo é um exemplo curioso. Recordar-se-á que o Partido Socialista, durante muitos anos, defendeu uma solução, que era a solução da Ota. Depois, fez-se um grande debate nacional e, no tempo do Presidente Cavaco Silva, foi encontrada uma nova solução e um novo consenso, que era a solução de Alcochete. Depois, o Governo de Passos Coelho rompeu com essa solução de Alcochete e disse Montijo. Quando eu cheguei ao Governo, disse: "Acabou, passaram o tempo dos debates sobre o aeroporto e, portanto, vamos ter a humildade de não regressar à solução que sempre defendemos e vamos aceitar a solução que foi decidida pelo PSD de Passo Coelho." E assim fizemos.

Quando mudou a direção do PSD, o doutor David Justino convenceu o doutor Rui Rio que, afinal, a solução que o PS defendia de Alcochete é que era a boa. Quando chegámos à hora da verdade e a ANAC fez aquela interpretação absurda, que dois municípios tinham o direito de veto sobre a escolha da localização do aeroporto e nós quisemos alterar a lei, aí, o máximo que conseguimos obter do PSD foi mandar fazer uma nova avaliação ambiental e estratégica, entre a solução Montijo, Alcochete, com uma variante: Lisboa mais o Montijo, ou Montijo mais Lisboa, ou seja, qual é o principal aeroporto? É Lisboa, a Portela ou é o Montijo?

Agora, estamos nessa fase de aguardar pela avaliação ambiental-estratégica, para se poder avançar. Espero que, entretanto, as vicissitudes políticas não levem a uma nova solução que nunca ninguém pensou ou a desdizer aquilo que disseram no passado.

Portanto, aí poderia haver uma base de entendimento entre os dois partidos?

A base de entendimento já existiu. O meu Governo aceitou a decisão do Governo de Passo Coelho. Quem mudou foi o PSD dentro do PSD. Aí está um bom exemplo de como esta vida política tem estas complicações.

Há um dado positivo. Eu já falei com o novo presidente da Câmara de Lisboa, que como se recorda era o braço direito de Passos Coelho, e ele diz-me que mantém a posição que tinha no tempo em que estava no Governo e defende a solução a que o meu Governo, pacificamente, aceitou dar continuidade.

Confia que seja a mesma posição do líder do PSD?

Eu sei que a posição do líder do PSD já não é a mesma. Depende daquilo que diz a avaliação ambiental-estratégica. Agora vamos estar dependentes disso, para saber qual vai ser a posição do líder do PSD.

Se perder as eleições vai embora, já o disse algumas vezes. Entrega as chaves da liderança a alguém, e esse alguém deve ou não fazer pontes com o PSD?

Se perder as eleições, naturalmente deixarei a liderança do Partido Socialista. Convocarei um congresso e eleições diretas, e o PS escolherá a sua nova liderança. Acho que o dever de qualquer líder que sai é dar espaço a quem entra para tomar as melhores decisões. Não tenciono nem interferir, nem dar opiniões sobre isso. Se alguém mas pedir, darei com gosto.

Mas, neste momento, o cenário que eu acho que está em cima da mesa não é esse. O cenário que temos em cima da mesa nesta última semana de campanha é uma solução onde o mais provável é uma vitória do Partido Socialista.

As sondagens dão muito taco a taco entre os dois partidos e algumas sondagens mais à frente o PSD.

Outras mais à frente do PS. Ou seja, as sondagens não são o nosso campeonato. O nosso campeonato é o dia das eleições. Acho que as pessoas, friamente, a avaliação que fazem é uma avaliação positiva sobre aquilo que foi a atuação do Governo no conjunto dos seis anos. Obviamente, todos percebem que há problemas, mas todos também percebem e sentem que há uma vontade de continuar a avançar e resolver os problemas que ainda estão por resolver.

Claro que toda a gente reconhece que foi com sucesso que viramos a página da austeridade e devolvemos credibilidade internacional ao nosso país e conseguimos atingir contas certas como nunca tinha havido. As pessoas reconhecem que estes anos de crescimento, onde crescemos sete vezes mais do que nos 15 anos anteriores, é isso que nos permite ter hoje uma taxa de desemprego ao nível em que estamos, apesar da crise brutal que esta pandemia nos colocou.

Aquilo que mais ouvimos em todos os setores de atividade é as pessoas queixarem-se de haver falta de mão-de-obra, falta de recursos humanos. E toda a gente reconhece também que, perante uma calamidade como temos estado a enfrentar com esta pandemia, com toda a incerteza e surpresa que esta situação representa, não vejo ninguém a apontar o dedo e a não reconhecer que este Governo fez das tripas coração. Quer na área da Saúde, do apoio às empresas, ao emprego, o apoio a setores como o setor da Cultura, fomos tão longe quanto possível, ou, talvez até mais longe do que aquilo que muitos pensavam possível para podermos aguentar o país e responder a esta crise. A verdade é que neste momento já estamos de novo a crescer acima da média europeia, estamos com uma taxa de desemprego já inferior à que tínhamos em 2019, o SNS hoje já está a ter mais cirurgias, mais consultas do que aquelas que tinha, portanto estamos aqui a retomar uma normalidade.

Há uns dias, José Sócrates, ex-primeiro-ministro e ex-líder do PS, pedia a deferência do PS à única maioria absoluta que o partido teve, que foi com ele. O partido deve essa deferência a esse período da governação?

O PS nunca confundiu a situação judicial do engenheiro Sócrates com aquilo que é a história do Partido Socialista. Se for hoje à sede do Largo do Rato, naquele corredor com fotografias de todos os secretários-gerais do PS, não foi pelo facto de o engenheiro José Sócrates se ter demitido do PS que deixou de estar lá. Ele faz parte da história do PS, goste ou não goste, e o PS nunca o excluiu da sua história.

Nós não fazemos como no tempo dos partidos estalinistas em que, consoante as pessoas iam caindo em desgraça, iam sendo eliminadas das fotografias. A única divergência que surgiu com o engenheiro Sócrates é que ele entendeu que o PS devia uma espécie de guarda pretoriana na defesa do seu processo judicial e o PS entendeu que, independentemente das relações pessoais e de camaradagem, era uma questão que se lhe colocava e que devíamos deixar a justiça funcionar, confiando nas instituições judiciárias.

Como sabe, eu próprio ainda o visitei quando ele estava detido em Évora, a título pessoal. Ele, a partir daí, entendeu que o PS não tinha aceitado fazer um combate político e rompeu com o PS. Só temos de respeitar a decisão que ele tomou.

Tem-se falado muito do Orçamento do Estado para este ano, que já disse que irá colocar a votação sem alterações, mas o que é que se pode prever para o Orçamento de 2023? Peço que faça um bocadinho este esforço.

Afinal há quem me bata em otimismo. [risos] Ainda só estou a discutir o de 2022, já quer discutir o de 2023.

Em relação ao de 2023, o que eu gostava de saber é se, por exemplo, já consegue dizer se o aumento extraordinário das pensões pode acontecer logo em janeiro. Ou, por exemplo, um novo aumento do mínimo de existência. Se já consegue a esta distância dizer que esses aumentos extraordinários podem ser possíveis. Porque, na verdade, o Orçamento do Estado (OE) para 2022 vai ter um prazo muito curto.

Ora essa.

Não? Seis meses, pelo menos. Até ao final do ano.

Tudo depende. Depende do que sejam os resultados eleitorais. Se o resultado eleitoral for um resultado que permita ao Partido Socialista formar governo, e o que o Presidente da República tem dito é que pretende encurtar o máximo possível os prazos de formação do Governo, assim que termine a discussão do programa do Governo estamos em condições de apresentar um OE.

Lá para abril.

Não sei se é para abril. Creio que os prazos legais para apuramento final dos resultados são cerca de duas, três semanas. Se nessa altura o Presidente da República estiver em condições de dar posse a um governo, de apresentarmos o programa na Assembleia da República (AR), porque o programa está feito. Há um prazo, depois, na AR, já não me lembro quanto é que é, creio que cerca de uma semana, para a discussão do programa do Governo. Isso significa que se tudo isto for assim, nós por março podemos estar em condições de começar a discutir um Orçamento do Estado.

O OE leva sempre algum prazo para a Assembleia da República, portanto em abril poderíamos ter o Orçamento em vigor. Viveríamos três, quatro meses em duodécimos, mas não mais do que isso.

Obviamente, se o Governo for inteiramente novo, seguramente não é exigível um novo Governo que possa cumprir estes prazos. Convém não esquecer que quando nós apresentamos um Orçamento em outubro começamos a prepará-lo em maio. Um Orçamento leva pelo menos cinco meses a ser preparado antes de ser apresentado. É uma das razões que eu tenho sublinhado que, de facto, neste momento e nas circunstâncias em que o país vive, estarmos a arrastar-nos em duodécimos é estarmos a adiar o país no momento em que mais necessário era pormos em execução as medidas de política que permitem ajudar as famílias a recuperarem as suas condições de vida e melhorarem os seus rendimentos, as empresas terem melhores condições para desenvolverem a sua atividade.

A minha pergunta era exatamente se consegue manter, depois, este desempenho de aumentos extraordinários para o próximo Orçamento.

Temos tido uma regra com que nos temos dado muito bem desde 2016, que é ter sempre a ambição de avançar, mas nunca dar um passo maior do que a perna. Foi assim que nós fomos conseguindo progredir ao longo destes anos todos, fazendo coisas que muita gente achava impossível e, ao mesmo tempo, ir conseguindo uma melhor execução orçamental, até termos chegado em 2019 a termos o único excedente Orçamental da nossa Democracia.

Mesmo neste período de crise muito profunda que temos atravessado com a pandemia, nós temos mantido o controlo das finanças públicas. Na semana passada, a Comissão Europeia fez a avaliação da situação das finanças públicas e da dívida nos diferentes países da União Europeia e nós hoje, felizmente, já não estamos no conjunto daqueles países como Itália, Espanha, França, Grécia, onde se manifestam apreensões. Pelo contrário, já temos uma trajetória que iniciámos em meados de 2021 de redução do défice e da dívida.

Já conhecemos os números do último trimestre de 2021. Quando saírem os números finais do défice, constatar-se-á que já estamos com um défice inferior àquele que era a nossa previsão do ano passado, portanto estamos já numa situação de controlo. Se estas situações e verificarem, iremos conseguir continuar da mesma forma como temos feito até agora, a conseguir melhorar ao nível das pensões, ir reduzindo a tributação. É uma trajetória que podemos conseguir gradualmente, com solidez, com aquela regra fundamental: avançar sem nunca dar um passinho maior do que a perna.

Neste momento em relação ao salário mínimo nacional (SMN) o programa eleitoral do PS prevê um aumento até aos 900 euros. Na apresentação do programa foi dito que pode ir pelo menos até aos 900 euros. Há possibilidade de até ser acima disso em 2026?

O salário mínimo não está sujeito a negociação com os parceiros sociais e podemos impô-lo por lei. Isto é o que nos comprometemos a fazer.

Mas é possível ir mais além.

É, pode ser possível ir mais além. Temos verificado com muita satisfação que muitos empresários dizem que temos, de facto, de dar um salto relativamente ao salário mínimo. Tive uma reunião com empresários de todo o país e alguns disseram que, pelo menos, 1.000 euros devia ser o nível do salário mínimo nacional. Portanto, o nosso compromisso é este dos 900 euros, mas, obviamente, desejaríamos que no acordo que está em negociação com a concertação social para a melhoria da produtividade das empresas e da melhoria do rendimento dos salários ele possa ir mais além.

Tenho encontrado uma atitude positiva da parte dos empresários. Espero que isso, depois, tenha correspondência efetiva na fase da negociação e, se pudermos ir mais além, vamos.

Uma coisa é clara para todos: o país tem de dar um grande salto nos vencimentos, nós temos de ter a ambição de ter um nível de vencimentos semelhante ao europeu. Isto é particularmente importante para conseguirmos reter em Portugal as novas gerações. Foi um grande investimento que os próprios fizeram, foi um grande investimento que as famílias fizeram e é um grande investimento que o país fez e uma absoluta necessidade do país. Se queremos ser o país mais moderno, mais próspero, mais inovador, não podemos desperdiçar a geração mais qualificada que temos. Nem mantê-la frustrada em Portugal. Pelo contrário, temos de senti-la realizada, com melhores oportunidades de vida. Isso significa melhores salários, mas também melhor organização do tempo de trabalho. Hoje, a questão da vida pessoal, da vida familiar e da vida profissional é uma questão crucial para as novas gerações.

Eu digo isto não só como primeiro-ministro, mas também como pai, porque faço parte da geração que tem muitos filhos hoje nesta fase crítica, em que estão a concluir os cursos, a entrar na sua vida ativa e vivem todas estas angústias e incertezas sobre o seu futuro.


Já é possível responder às reivindicações dos professores e devolver, pelo menos, parte do tempo integral durante o qual as carreiras estiveram congeladas?

É sempre fácil e tentador ser simpático nas campanhas eleitorais, com as reivindicações que vão surgindo. Quando se deseja mesmo governar, devemos assumir os compromissos que estamos em condições de assumir.

Foi o meu Governo que descongelou essas carreiras, que estiveram anos e anos congeladas. Nunca esteve descongelada tanto tempo como tem estado. Fizemos uma negociação que nos permitiu devolver parte do tempo que tinha sido perdido. Como disse na altura, nós íamos resolver o problema para o futuro, mas não podem pedir-nos que resolvamos todos os problemas acumulados do passado.

Temos apostado muito na valorização e na carreira do professor. Os programas de flexibilização curricular, de autonomia da escola foram o maior gesto de confiança da sociedade e da administração educativa nos professores como aqueles que são os líderes do processo educativo nas escolas.

Repusemos o descongelamento. Milhares de professores, entretanto, já progrediram na sua carreira. Acho que no último escalão da carreira, o décimo escalão, não havia ninguém que alguma vez lá tivesse chegado, e agora já há vários professores que atingiram esse escalão. Essa reposição da carreira é um ganho absolutamente extraordinário relativamente ao ano passado.

Percebo que as pessoas sintam injustiça por terem perdido anos. Nós procurámos compensar parte desse tempo que tinha sido perdido. Não julgo que haja capacidade de compensar integralmente.

Rui Rio disse, há dias, que só existem condições para negociar a reposição do tempo de serviço dos professores por via de uma antecipação da idade de reforma.

Essa solução não é sem custos. Tem dois custos: acelerar um desafio que nós temos e para o qual temos de responder bem, que é a renovação da atual geração de professores. Como sabe, temos hoje um problema de transição generacional.

Para o doutor Rui Rio é mais fácil, porque ele não está preocupado, nem dá garantias de que vai manter as turmas com o número de alunos reduzido e, obviamente, se aumentamos o número de alunos por turma, como no passado, precisamos de menos professores, e esse problema não se coloca, mas agrava um problema que é a qualidade da educação, que é a questão central. E para essa qualidade, não devemos aumentar o número de alunos por turma e precisamos mesmo de mais professores. Por isso, a aposta que temos é termos um novo modelo de contratação e de vinculação dos professores. De forma a permitir aos professores vincularem mais rapidamente, estabilizarem a sua vida mais rapidamente e não andarem anos com a casa às costas.

Como sabe, a minha mulher foi educadora e lembro-me bem do que era a nossa vida durante o verão. Em agosto, começava a angústia de saber onde é que ia ser colocada. Lembro-me bem de ir para aquela escola em Alvalade, onde eram afixados os concursos das vagas das escolas no distrito de Lisboa, com números de dígitos com os códigos de concelho, de distrito, de escola, o mapa ao lado a ver onde eram aquelas terras. Eu percebo bem qual é essa vida dos professores e acho mesmo que é o mais prioritário que temos a fazer.

Não é só garantir aos professores uma vida mais estável, é garantir também às escolas melhor qualidade. Um professor que fique vinculado a uma escola e que passe a fazer parte integrante dessa comunidade educativa faz parte de um projeto, que é o projeto da sua vida.

Muita gente queixa-se que se tem falado pouco da Europa nesta campanha. Pergunto-lhe se vê algum final feliz nesta escalada de tensão entre a Rússia e a Ucrânia.

Estou muito preocupado com a situação que existe e com os riscos efetivos de poder haver um conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia. Temos estado a acompanhar, no quadro da União Europeia e no quadro da NATO, os esforços que têm sido feitos no sentido de dinamizar o diálogo político e a dissuasão do conflito.

Ontem tive ocasião de contactar a presidente [da Comissão Europeia, Ursula] von der Leyen, no quadro dos contactos que fez com o conjunto dos chefes de Estado e do Governo sobre essa posição. Tive a oportunidade de sublinhar e enfatizar que temos de ter em conta que as decisões que tomamos têm impacto não só na relação a Leste, mas também, hoje, em outras zonas onde a Rússia está direta ou indiretamente presente, designadamente nos países africanos, e aqui bem perto de nós, ou em países onde Portugal tem uma presença militar ativa nos quadros da União Europeia e da ONU, como é no caso da República Centro-Africana e do Mali.

Quando abordamos as decisões a tomar, é preciso ter em conta que as decisões geram reações, e que essas reações se geram nas mais diferentes frentes. É preciso não ignorar, porque muitas vezes olha-se só para aquela fronteira Leste, que a Europa não tem só uma fronteira Leste. Tem uma fronteira Sul e uma presença muito ativa e um diálogo muito intenso com o continente africano e, portanto, tudo o que aconteça a Leste não deixa de ter consequências em outras zonas do mundo.

Não é só por ser um otimista militante, é porque acho que aquilo que é racional é, seguramente, encontrar uma solução que, respeitando a Lei Internacional e a integridade territorial da Ucrânia, permita encontrar uma solução, com base no diálogo político e da dissuasão que está em curso.