“Depois, em fevereiro, as luzes do vulcão apagaram-se”
17-11-2020 - 06:32
 • Jeremy Muflahi-Isley*

O El Salvador tem cerca de 6,5 milhões de pessoas e já registou pouco mais de mil mortos e mais de 36 mil casos positivos de Covid-19. Um professor de matemática explica como muitos já se habituaram ao novo normal, mas o custo social, económico e de saúde mental tem sido enorme.

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Chegámos os três a El Salvador - eu, a minha mulher, Anisa e o nosso filho, Laith - no dia 1 agosto de 2019. Um novo país, novas burocracias, novas tradições, novo emprego e nova vida social a que tivemos de nos habituar, mas adaptámo-nos depressa. Os salvadorenhos são muito amigáveis e rapidamente demos por nós a cumprimentar entusiasticamente toda a gente por quem passávamos de manhã na nossa caminhada para a escola. As pessoas com quem falávamos demonstraram ter imensa paciência para com o nosso espanhol hesitante e faziam um grande esforço para nos compreender e para serem compreendidos. Tanto eu como a Anisa somos professores na mesma escola, que o Laith frequenta como aluno.

O El Salvador é um país belíssimo e que tem imensos pontos de interesse natural para visitar, desde praias espetaculares com algumas das melhores ondas do mundo e caminhadas fantásticas até ao topo de montanhas geladas e vulcões que fumegam suavemente. Da nossa casa temos uma vista ótima sobre o El Boquerón, o vulcão nos arredores de San Salvador. Desde 1917 que está dormente e apresenta uma visão magnífica da nossa janela, ainda mais à noite quando fica ilumninado pelos muitos restaurantes que lá se encontram e que são um local ótimo para ir jantar fora.

Mas depois veio fevereiro e as luzes do vulcão apagaram-se. De repente, depois de apenas alguns dias de preparação, todo o país entrou em confinamento. E foi extremamente rigoroso. Só uma pessoa por casa é que podia sair, duas vezes por semana, para comprar bens essenciais. Não nos podíamos visitar uns aos outros e não nos podíamos encontrar com qualquer pessoa de fora da nossa casa. O último dígito dos nossos cartões de identidade indicava o dia em que podíamos sair de casa. Também tínhamos de andar sempre com uma carta da nossa escola a dizer que trabalhávamos em San Salvador, bem como uma conta recente como comprovativo de morada. No início havia penalizações pesadas para quem estivesse fora de casa sem autorização, mas em breve estas foram suavizadas para uma multa e escolta policial até casa. Quem fosse apanhado sem máscara e luvas também se encontraria em sarilhos.

A nossa vida entrou numa rotina de trabalho, descanso e diversão dentro de casa, com poucas possibilidades de sair. Todas as nossas atividades sociais passaram a ser online, o que lhes dá uma sensação muito diferente, mas por outro lado aproximou-nos muito de amigos e de família no estrangeiro, com quem passávamos mais tempo online. Este tem sido, na minha opinião, um grande benefício da pandemia, que nos obrigou a abrandar e a investir tempo para renovar relações que tinham enfraquecido com o ritmo frenético da vida pré-confinamento. Compreendemos que temos a sorte de ainda estarmos a receber um salário e a viver em conforto.

O confinamento foi duro para todos, mas muito pior para todos os que têm baixos rendimentos e que não têm poupanças suficientes para sobreviver muito tempo sem emprego. Vemos mais pedintes na rua agora do que antes do confinamento e vêem-se mais pessoas agora, do que antes, na berma das autoestradas a abanar bandeiras brancas, um sinal de que estão desesperados por dinheiro e não têm para onde se virar. Há muitas pessoas a viver de subsídios e é difícil ver quando é que vão voltar a arranjar empregos, tendo em conta a forma como a economia tem sido atingida pelo vírus e o Presidente tem sido duramente criticado por isso e pelo facto de o sistema de saúde ser tão fraco que o Governo precisou de tempo para construir um hospital novo, e equipá-lo para as vítimas da Covid-19. É fácil criticar, mas é difícil ver que mais é que ele poderia ter feito para evitar uma grande taxa de mortalidade.

Em agosto o confinamento foi levantado parcialmente e deixaram-nos sair para fazer exercício, e depois abriram bares, restaurantes e lojas, desde que fossem aplicadas as regras de distanciamento social e o uso de máscara. Agora achamos estranho ver pessoas na rua sem máscara. Os salvadorenhos são um povo muito tátil e custa-lhes muito não poderem ter contacto físico e esse é outro “dom” do vírus a que estão a precisar de se habituar. A alegria que sentimos por poder sair de casa e encontrarmo-nos com amigos foi imensa. Os hotéis continuaram fechados mas os Airbnb estavam a começar a reabrir e depois de cinco meses de confinamento rigoroso até a mais simples ida à praia durante dois dias parece umas férias de sonho.

Neste momento a maioria dos locais já reabriu, exceto as escolas. Continuamos a dar aulas online e tanto nós como os nossos alunos estão habituados ao facto, mas tem havido um alto preço a pagar em termos de saúde mental. Quando dou aulas sinto-me cada vez mais um “entertainer” e conselheiro, encorajando os nossos estudantes a conversar e a trocar histórias e piadas. Ainda assim, a maioria das minhas lágrimas são de riso.

O El Salvador é um país tremendo, com imenso a oferecer ao mundo. Só espero e rezo que o vírus não seja mais uma praga que impede este povo fantástico de preencher o seu enorme potencial.


*Jeremy Muflahi-Isley e a sua mulher, Anisa, são inglês e galesa, respetivamente, e estão em San Salvador há um ano a dar aulas. Adoram viajara e antes viveram na Indonésia, no Dubai, no Egito e na Roménia. Têm um filho, Laith, que apoia a seleção galesa de rugby e a inglesa de futebol.