Uma das figuras que mais terá influenciado Cavaco Silva – pela percepção sobre a gestão da coisa pública e, sobretudo, pela clara semelhança de percursos – terá sido Margaret Thatcher que disse, um dia, algo deste tipo: ‘crio uma opinião sobre outra pessoa em dez segundos e muito raramente a altero’.
Aqui chegados, ao fim de 20 anos de presença na política ativa, poder-se-á dizer com alguma certeza que a maioria de nós terá demorado um pouco mais do que os tais dez segundos, mas, nesta altura, tem uma ideia sobre o político, o que fez e o que deixou que se fizesse. Mesmo que seja com dúvidas.
Se exceptuarmos a primeira maioria absoluta como líder do PSD, a existência política de Cavaco Silva foi uma lenta progressão no sentido da cada vez menor relevância, que deixou pelo menos duas marcas profundas no nosso sistema político e na nossa economia.
A primeira delas foi a sedimentação de um modelo de desenvolvimento assente no crescimento mútuo e tendencialmente especulativo de dois sectores - a banca e a construção civil - com impactos na gestão pública, desde o nível da junta de freguesia ao Estado Central, e com impactos na promoção de fantasias megalómanas um pouco por todo o país. Foi Cavaco que impôs o modelo e foram as distorções por ele criadas que nos afunilaram as opções.
A segunda foi a promoção de uma nova elite política – que se encavalitou também, de forma substantiva, nos dois sectores acima mencionados – formada, em grande medida, por pessoas com mais ambição pessoal do que talento e disponibilidade para trabalhar em nome do bem comum. Cavaco Silva fez deles gente, promoveu-os, beneficiou com os seus negócios e deu-lhes medalhas.
Os média - de quem se diz nunca terem gostado dele - recordam-nos, por estes dias, alguns dos momentos mais trágicos da sua existência política, como o hastear da bandeira ao contrário, o bolo-rei, o episódio das escutas ou o (tão revelador) detalhe de abdicar do salário presidencial em favor de uma reforma mais simpática. São instantes. Alguns duram menos do que os dez segundos da srª Thatcher. Mas ajudam-nos a construir a imagem de um político em permanente conflito com a natureza plural da vida política, de um agente em constante estado de alerta relativamente a "ataques", de uma figura, enfim, que sabendo muito pouco sempre viveu como se soubesse tudo.
É curioso perceber, nestes momentos finais, que até alguns dos seus apoiantes de todas as horas parecem construir um discurso que anda em torno de uma ideia-chave - foi um excelente primeiro-ministro mas, porque se agarrou demais a uma visão institucionalista do cargo, teve presidências apagadas, sem chama. É uma argumentação frágil que nos diz muito mais sobre uma carreira que se foi arrastando para um estado moribundo do que qualquer crítica forte produzida por um adversário político.
O Cavaquismo partiu num sopro manso. Nunca poderia ter sido de outra forma. Feche-se bem a porta logo a seguir.