Marcelo, Costa e Angola: “Só faltava terem dançado apopleticamente"
17-05-2018 - 00:19
 • Susana Madureira Martins (Renascença) e David Dinis (Público)

Os responsáveis políticos portugueses não deviam reagir a decisões de tribunais, lamenta Sousa Pinto, presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros.

Pediu à conferência de líderes que os votos em matéria de política externa passassem pela comissão a que preside, de Negócios Estrangeiros. Disse até que há "falta de ponderação, rigor e sentido de equilíbrio" em muitos deles. Por influência do PCP e BE?

Isso é injusto, dizer que a responsabilidade era do PCP ou do BE. As responsabilidades são partilhadas, porque os votos sobre matéria de política externa que vão a plenário são feitos pelos diferentes partidos, não são objeto de uma análise na comissão competente. Portanto não se preocupam em suavizar certas afirmações, tratar com complexidade e fazer justiça às situações com a cautela que seria desejável. E depois acabamos por aprovar textos que são embaraçosos para o Parlamento. Eu lembro-me da última, na semana passada...

Sobre o acordo nuclear com o Irão, em que votou desalinhado da sua bancada.

Votei, votei.

O Parlamento devia ter tido outra posição?

Eu acho que sim. E nós votamos uma coisa que não foi discutida. Os votos aparecem, nós lemos os votos e votamos aqueles que se aproxima mais do nosso ponto de vista, mas não há nenhuma discussão política sobre o conteúdo. E votamos coisa absurdas, que são na minha opinião uma vergonha para o Parlamento. Este último caso não terá sido uma vergonha, mas foi embaraçoso. A Administração americana, presidida pelo sr. Trump desvinculou os EUA de um tratado internacional, que é uma fonte de Direito. E como dizia o dr. Soares, um pequeno Estado tem que estar sempre do lado do Direito Internacional. Nós acreditávamos nas vantagens do acordo com o Irão para prevenir o desenvolvimento do programa nuclear, os especialistas confirmam que o Irão estava a honrar o acordo. O Direito internacional tinha prevalecido sobre a bestialidade e os argumentos de força. O sr. Trump retirou os EUA e qual foi a posição do Parlamento português? Em vez de condenar os EUA, como um país normal e civilizado com uma diplomacia independente faria, nós congratulá-mo-nos com o facto de a UE ter permanecido vinculada ao acordo. Foi um amontoado português para evitar dizer o que interessava ouvir: que Portugal critica a administração do sr. Trump.

Como é que viu o desfecho do caso Manuel Vicente, em que a Justiça portuguesa, depois de um drama diplomático que durou meses, se decidiu por enviar o processo do ex-vice Presidente angolano para Luanda? Também acha que "desapareceu o irritante" nas relações entre os dois países?

Bom, eu devo dizer que fiquei muito surpreendido. Não porque a solução seja negativa ou positiva, mas porque não percebo como é que agentes políticos geralmente tão prudentes em relação a decisões do poder judicial, que gostam de enfatizar que "à política o que é da política, à justiça o que é da justiça", de repente se pronunciem com um entusiasmo quase infantil - só faltava terem dançado apopleticamente, tão transidos estavam de felicidade por aquela decisão do poder judicial. Abraçaram e aplaudiram freneticamente uma decisão do poder judicial. Eu acho que não compete ao poder político meter-se nisso, com toda a franqueza. Os tribunais decidiram, não compete ao poder político português andar a celebrar uma decisão do poder judicial.

A justiça portuguesa foi permeável às dificuldades diplomáticas?

Não estou em condições de responder. Eu parti do princípio que não.