Papa quer soluções pensadas com os pobres e não apenas para os pobres
21-11-2020 - 15:21
 • Filipe d'Avillez , Aura Miguel

Na sua mensagem para os participantes do encontro da Economia de Francisco, o Papa recordou a primeira vez que viu um condomínio fechado e pediu que não se deixe os corações tornarem-se insensíveis ao sofrimento dos outros.

O Papa Francisco quer que o mundo encontre soluções económicas com os pobres e não apenas para os pobres.

Francisco falou este sábado aos participantes do encontro “A Economia de Francisco” e apelou à solidariedade em moldes diferentes do que o mero assistencialismo, que por mais bem-intencionado que seja, corre o risco de perpetuar sistemas de injustiça.

“Existem os pobres, os excluídos ... (...) É hora de eles se tornarem protagonistas da sua vida e de todo o tecido social. Não pensemos por eles, pensemos com eles. Lembrem-se da herança do iluminismo, das elites iluminadas. Tudo para o povo, nada com o povo. Isto não está certo. Não pensemos por eles, pensemos com eles. E com eles aprendamos a desenvolver modelos económicos que irão beneficiar a todos, porque a abordagem estrutural e decisória será determinada pelo desenvolvimento humano integral, tão bem elaborado pela doutrina social da Igreja.”

O Papa afirma que este encontro não marca o fim de um processo, mas sim o início de uma caminhada e que os pobres e excluídos têm de passar a ter lugar à mesa das decisões. “É preciso aceitar estruturalmente que os pobres têm a dignidade suficiente para se sentarem nos nossos encontros, participarem nas nossas discussões e levarem pão para suas casas. E isso é muito mais do que assistencialismo: estamos a falar de uma conversão e transformação das nossas prioridades e do lugar do outro nas nossas políticas e na ordem social”, disse Francisco.

Aos cerca de 115 participantes no encontro, de diversos países, Francisco pediu que tenham noção da importância do seu papel. “A gravidade da situação atual, que a pandemia de Covid tornou ainda mais visível, exige uma tomada de consciência responsável de todos os atores sociais, de todos nós, dos quais vocês tem um papel primordial. As consequências das nossas ações e decisões vão afetar-vos na primeira pessoa, portanto não podeis ficar fora dos lugares onde é gerado, não digo o vosso futuro, mas o vosso presente. Não podeis ficar fora de onde se gera o presente e o futuro. Ou vocês se envolvem, ou a história vos passará por cima.”

Para que esta caminhada de busca de novos modelos económicos tenha algum sucesso, é necessário que se abandone a “cultura do descarte” que o Papa tanto já criticou, e se abrace um novo paradigma, sublinhando que “não estamos condenados a modelos económicos cujo interesse imediato se limita ao lucro e à promoção de políticas públicas favoráveis, sem se preocuparem com os custos humanos, sociais e ambientais.”

“Vocês experienciaram a cultura do encontro de que tanto precisamos, que é o oposto da cultura do descarte que está na moda. Esta cultura do encontro torna possível que sejam escutadas muitas vozes em torno da mesma mesa, para que se dialogue, considere, discute e formule, numa perspetiva poliédrica, diferentes aspetos e possíveis respostas para problemas globais envolvendo os nossos povos e as nossas democracias”, afirma o Papa, acrescentando que “não é fácil caminhar rumo a reais soluções quando aqueles que não pensam como nós são desacreditados, caluniados e mal citados! Desacreditar, caluniar e citar mal são formas cobardes de recusar tomar decisões necessárias para resolver muitos problemas”.

O teu coração é como um bairro fechado?

Para descrever a realidade que se pretende ultrapassar, o Papa recordou a primeira vez que viu um condomínio fechado, nos seus primeiros anos como jesuíta na América do Sul. “Lembro-me da primeira vez que vi um bairro fechado: não sabia que existiam. Foi em 1970. Tive que ir visitar alguns noviços da Companhia de Jesus, cheguei a um país e depois, ao passar pela cidade, disseram-me: ‘Não, não pode ir para ali, porque é um bairro fechado’. Havia muros, e lá dentro havia casas e ruas, mas fechadas. Ou seja, era um bairro que vivia na indiferença. Impressionou muito ver isto. Mas depois isto cresceu, cresceu, cresceu ... e havia por todo o lado. Mas eu pergunto-te: o teu coração é como um bairro fechado?”

Francisco terminou o seu discurso com um apelo direto aos jovens que participaram nos trabalhos, cujo formato teve de ser alterado por causa da pandemia.

“Cada um de vós pode fazer muito, a partir do lugar onde trabalha e decide; não escolheis atalhos que seduzem e vos impedem de misturar-vos para ser fermento onde estais. Nada de atalhos, sejam fermento, sujai as mãos. Depois da crise sanitária que estamos a atravessar, a pior reação seria cair ainda mais no consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta”, diz Francisco.

“Não esqueçais que de uma crise nunca se sai igual: ou saímos melhor, ou pior. Cultivemos o que é bom, aproveitemos a oportunidade e nos coloquemo-nos todos ao serviço do bem comum. Queira Deus que, por fim, já não haja mais ‘os outros’, mas que aprendamos a desenvolver um estilo de vida em que saibamos dizer ‘nós’. Mas um ‘nós’ grande, não um ‘nós’ pequenino e depois ‘os outros’, não, não isto está certo”, concluiu o Papa.

Mais de dois mil participantes, na sua maioria jovens com menos de 35 anos, passaram os últimos meses a trabalhar em conjunto com desejo de mudar a economia actual, para lhe dar um novo rosto, mais humano e solidário.

Um evento, inspirado no exemplo de São Francisco de Assis, com o objectivo de “fazer um "pacto" para mudar a economia atual e dar alma à economia de amanhã”, escreveu o Papa em maio do ano passado, quando convocou este encontro.