O Salazar que veste vermelho
17-09-2015 - 09:11
 • Henrique Raposo

O PCP continua a pensar que a violência praticada por comunistas não é bem violência, mas sim pedagogia.

O comunista português vê Salazar em todos as esquinas; qualquer opinião oposta à do PCP é quase sempre rotulada de “salazarista”; os outros, aqueles que não são ungidos pelo óleo cunhalista, são quase sempre “salazarentos”. Mas, na verdade, a maior força salazarista mora na Rua Soeiro Pereira Gomes. Sim, é o PCP que mantém o corpo de Salazar ligado à máquina; se quiser ver o verdadeiro Salazar do nosso tempo, o comunista só precisa de uma coisa: um espelho. E este jogo de espelhos entre o comunista e o salazarista começa logo num ponto que saltou para a actualidade por causa de um episódio de violência na festa do Avante: a sexualidade. É bom recordar que durante o Estado Novo o PCP foi tão ou mais homofóbico do que Salazar. Comunista gay era comunista expulso. Não, o Partido não podia tolerar camaradas desviantes. E continua a não tolerar “camaradas paneleiros” - estou a citar os capangas privados do PCP que há dias espancaram um homossexual na festa do Avante. Ora, o PCP tem direito a ser anti-gay, até tem direito a expulsar gays das suas fileiras. As organizações podem definir os critérios privados da sua identidade. Mas, se tem direito a opiniões anti-gay, o PCP não tem direito a actos de violência contra gays. É por isso que a desculpa esfarrapada do PCP em relação a este episódio é o caso da campanha. O PCP continua a pensar que a violência praticada por comunistas não é bem violência, mas sim pedagogia.

Como é óbvio, as semelhanças entre Salazar e PCP não se ficam pela braguilha. O nacionalismo é outro ponto de contacto. O PCP é a força portuguesa mais anti-Europa, mais anti-globalização, é o representante dos portugueses que sonham com o regresso ao remanso do antigamente, à tranquilidade medíocre da maçã com bicho vendida à beira da estrada - essa coisa de exportar maçã de qualidade é uma modernice “neoliberal”. As semelhanças prosseguem no ódio pela democracia. Tal como Salazar, os comunistas desprezam o parlamento e as consequentes alianças e compromissos entre diferentes forças políticas. Estão no parlamento só para ocupar espaço, só para impedir aquilo que passou a ser a meta do Livre: uma coligação governativa de esquerda. Não por acaso, o PCP é a némesis perfeita do Livre. Como escrevi aqui há dias, a qualidade do discurso do Livre pode provocar dissabores eleitorais a Rui Tavares e Ana Drago, porque esse discurso moderado não é do agrado de boa parte do eleitorado que vota à esquerda do PS. O quadro clínico do PCP é o exacto oposto: o discurso cunhalista que remonta ao Paleolítico tem eco imediato junto de um eleitorado habituado ao radicalismo praticado nas faculdades, nos jornais, no discurso político e sindical, no vox populi das rádios, televisões e caixas de comentários da internet.

Mas, apesar das suas fraquezas, o Livre lá conseguirá eleger pelo menos dois deputados. São mais do que suficientes para se sentarem à esquerda do PS e à direita do PCP, são mais do que suficientes para iniciarem aquilo que falta: destruir a mitologia do PCP e de Cunhal. Esta mitologia que transforma um ditador wannabe (Cunhal) num grande democrata não é só uma fraude intelectual, é o grande entrave à normalização da esquerda portuguesa. Há que matar o Salazar que veste vermelho.